a canção do bandido

1.
Ainda não tinha assistido a qualquer debate ao vivo desta campanha. Para suprir essa falha na minha cultura, na segunda feira fui ao Porto assistir a um debate sobre a cultura em geral. Lá estavam representantes dos cinco partidos ou coligações com assento no parlamento para um debate proposto pela Plateia - associação de trabalhadores das artes cénicas - e moderado por uma jornalista do Público.
Pelo que me foi dado ouvir, o documento da Plateia recolhe o apoio de todos os partidos, apesar de levantar problemas, reclamar de injustiças e apontar faltas a quem tem governado e objectivos para quem venha a governar. Gostei de ver um conhecido actor de teatro e da televisão a actuar (e bem) como agitador de ideias, mas devo confessar que os políticos da direita presentes no debate são mesmo muito bons actores. Mostraram-se fabulosos e capazes de se dominarem mesmo quando foram denunciados os vencimentos milionários dos capatazes e comissários do poder nas instituições culturais ou quando foram denunciados os critérios e os loucos juízos emitidos pelos júris dos concursos nas áreas da cultura. Será que alguém mente por razões culturais?
2.
Na semana passada, participei em jornadas nacionais sobre educação ambiental em que se debatia a década das nações unidas da educação para o desenvolvimento sustentável. Não me espantou muito que o governo não se fizesse representar num debate alargado sobre um programa mundial que vai marcar uma década em aspectos tão importantes como a educação, o ambiente e o desenvolvimento sustentável. Não me espantou, mas é triste. Mais triste ainda termos constatado a inexistência de quadros superiores da administração pública que tivessem autonomia para participar nesse debate. Sabemos que o que se vai passar não pode depender em absoluto deste ou daquele governo.
3.
Nas artes cénicas, representações boas. No ambiente, representações em falta. Para compensar, uma revista semanal fez mais um génio português a partir de um meco de estrada e fez um apelo desesperado contra a esquerda e a favor do centrão como se estivesse em perigo o estilo de vida das tias da linha e isso fosse a identidade nacional que é preciso preservar. Agora têm sido apontados a dedo génios portugueses, um por semana, todos nos partidos do poder. Génios da lâmpada? Sabemos que é o nosso mau génio farsante, um fado menor, a canção do bandido, a fruta da época.


[o aveiro; 3/2/2005]


Notas:
Vale a pena ler na revista "Sábado" da semana passada: um espantoso e desesperado editorial, a elevação de Miguel Esteves Cardoso à categoria de génio, o artigo de opinião de MEC sobre a entrevista a F. Louçã.

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