O crime despido.

Quem nunca se deixou afundar em irracionalidade e aceitar ou justificar perseguições, deportações, guerras, invasões, assassinatos? Em nome disto ou daquilo, de pequenos deuses, nações e interesses quem não seguiu as palavras de ordem dos pequenos lideres do nosso mundo para participar, ainda que contrariado ou cheio de medo, em doentios delírios colectivos? Se não participamos directamente, fincamos os pés no nosso chão e, em defesa dos "nossos", justificamos o injustificável. Na nossa história, quantas vezes? Na história dos outros, quantas vezes?
Estamos a chegar ao tempo do mundo pequeno demais para não sabermos reconhecer as vítimas ou os carrascos nos acontecimentos que nos são relatados em detalhe enquanto acontecem. Mesmo que fiquemos a milhares de quilómetros não deixamos de ver as caras das vítimas. Como se fossem nossos vizinhos. Na semana passada, reconhecemo-nos a viajar de comboio e autocarro em Londres e ouvimos as explosões e os gritos de terror. E reconhecemos, com os londrinos, que não podemos deixar de sair para os autocarros e comboios do dia seguinte.
Para vivermos nas nossas sociedades abertas temos de olhar para o que acontece, para o que pode acontecer-nos, com olhos de ver tão bem ao longe como ao perto. Usando modernas lentes progressivas, sabemos que nenhuma razão (política, religiosa ou outra) justifica a morte de inocentes ou qualquer dos ferimentos físicos e psíquicos deliberadamente infligidos. Nestes últimos acontecimentos, não consigo nomear qualquer política, não consigo falar de terrorismo político ou religioso. Já só posso nomear criminosos e constatar crimes hediondos.
Não é possível continuar a justificar politicamente ou a dar razões políticas para a demência criminosa. Os crimes de Londres vão ser muito provavelmente assumidos e atribuídos a criminosos que vivem na Inglaterra. Podemos vir a saber que eram fanáticos religiosos ou outra coisa qualquer, mas isso não os torna menos vulgares criminosos, sem razão e sem coração.
O nosso pequeno mundo não pode embrulhar em razão política os criminosos sérvios (ou quaisquer outros) que continuam a monte após os 10 anos dos massacres, como não pode deixar de perseguir criminosos terroristas, fabricantes e negociantes de armas, criminosos ditadores ou modernos senhores da guerra, incluindo os promotores das guerras que, em defesa dos valores sagrados da nossa civilização, transformam os sacrifícios de inocentes em danos colaterais.

Todos os dias, as liberdades acenam gestos de paz. E de combate.

[o aveiro; 14/07/2005]

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