irmandade das almas - VI

Citemos tudo! - citou um irmão libertino. Aí está bem citado o que um marxista-leninista não cita nunca. Esse é outro princípio violador. Pode ser que para esclarecer assuntos que nos preocupam, marxistas-leninistas, tenhamos de nos socorrer de outras fontes. Quando na cozinha estiver escuro, procuremos na varanda o que está na cozinha! - disse o irmão Busca-pólos. João Gordo rejubilava: Cada um cite o que quiser, mas que não caiamos na recitação abusiva dos clássicos. Nada de religião na nossa mesa! E, a propósito, citou Karl Marx: A miséria religiosa é, por um lado, a expressão da miséria real e, por outro, o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura acabrunhada, o sentimento de um mundo sem coração, tanto como é o espírito dos tempos privados de espírito. Ela é o ópio do povo. A supressão da religião da religião como felicidade ilusória do povo é uma exigência para a sua felicidade real. A exigência de renunciar às ilusões sobre o seu estado é a exigência de renunciar a um estado que tem necessidade de ilusões. A crítica da religião é a crítica do vale de lágrimas, do qual a religião é a auréola. Todos se espantaram com a memória de João G.
Não será uma citação a cair bem sobre a religião da nossa irmandade - o marxismo-leninismo - que nos abrasou a alma? Ai! Se o Marx nos visse agora! Tão religiosos que nós éramos! - inflamou-se o irmão Juvenal.
Isso tudo é muito importante, mas como é que vamos orgnaizar o estudo? Não temos hábitos de estudo! Nós estudámos o marxismo-leninismo à medida do que nos era exigido pelo Partido e das encomendas de sermões de vulgarização do marxismo. Quantas vezes vulgarização abusiva! E agora? Liberdade de leitura, de estudo, mas de quê? - afligiu-se com razão a irmã do Conde Ferreira.
Ora! podes sempre começar por ler os clássicos!Foi o caminho que eu segui depois de ter sido despedido de militante do partido dos cómicos românticos - gaguejou o irmão Caramelo de Contrabando. Ao que o irmão João G. retorquiu ironicamente: E se te fosses lixar! Isso é um conselho de velho: Cita o que quiseres mas só depois de teres lido os clássicos? Deus meu! Haja pachorra! O irmão Caramelo en+mendou logo, fez mesmo uma autocrítica ainda que raquítica. E rematou: Cada um leia o que quiser, o que mais o divirta, mas com o dever de dar contas das suas leituras aos irmãos da Mesa. Valeu? Caramelo ainda acrescentou, de cor, uma listinha bem interessante de leituras divertidas que afinal tinha feito. E logo ali se aprovou um programa de transfusões de leituras.
Irmão Domingo de Páscoa falou para pôr à consideração da Mesa: Acho também que devemos escrever até as parvoíces libertinas e passá-las no nosso círculo. A maior parte de nós está traumatizada pela escrita no PCRasuas e nunca mais escreveu uma linha que fosse. Para vencermos esta incapacidade, devíamos fazer promessa de trocarmos impressões por escrito. E devíamos começar por escrever estas coisas que temos vindo a chocalhar a Mesa inocente!
E assim ficou estabelecido pelo irmão Organizado: Estamos de acordo. O irmão Domingo de Páscoa fará a acta deste sonho!

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pelos olhos dos dedos

já não sei há quantos anos estava eu em Elvas e aceitei mais um que fui