De vez em quando, vejo o mundo aperfeiçoar-se. São pequenas coisas, fragilíssimos gestos os que me reconciliam com a vida e me lembram a exacta medida das humanas falhas.
Fiz parte de um pequeno grupo que concebeu e discutiu com professores os programas de matemática. Há poucos processos que tenham merecido tantos debates como esse. Anos passados nesse trabalho e de reflexão sobre ele, podemos ver-nos reflectidos em parte nas opiniões que se fizeram ouvir, ver estabelecidas novas formas democráticas de autoria e autoridade.
Apesar da qualidade da discussão, reconhecemos que poucas vezes sentimos a necessidade do debate fora das multidões que aderem tecnicamente aos argumentos a favor e contra as decisões programáticas. Na falta de melhor participação cidadã, comparamos com o que foi antes de nós e aceitamos as limitações como sendo coisa inevitável.
Convencidos sobre a fatalidade das limitações e munidos com a arrogância de quem não espera aprender em discussões sobre as adaptações do geral a este ou aquele subsistema específico, aceitámos adequar programas gerais de ensino ao ensino recorrente, ao ensino profissional ou à educação e formação. Nem nós, nem outro além de nós se lembrou de ouvir uma ou outra comunidade sobre quaisquer aspectos da nossa acção.
Essa acção influencia a vida toda de muitas pessoas em cada comunidade. Não estranhei que toda a decisão fosse feita longe de todas as ribaltas de discussão pública.
Nem imaginava que podia ser de outro modo, até que me convidaram para moderador e provocador de um debate sobre educação e formação na Murtosa. No Centro Recreativo Murtoense, na sequência de outros encontros e debates sobre variados assuntos em espaços associativos, vi-me cercado de pessoas com projecto, interessadas em levantar pontos de vista sobre o ensino e sobre a formação como quem levanta pesos e o mundo em ombros, capazes de acrescentar cor local, sabedoria e experiência ao saber de teoria feito.
Ao surpreender-se a si mesma em vida comunitária, a vida não pára de nos surpreender e, se encontra fresta aberta, cria um ensinamento maior que o anunciado no gesto de toca a reunir. Bolos e cafés, sala com história, pessoas com memória. E boas falas.
[o aveiro; 3/11/2005]
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