Orçamento das almas


Quando me sobra tempo - estudar aturadamente a tua geometria tal como ela é, confesso que me agrada - ponho-me a tentar compreender o orçamento das obras que te querem modificar e é um trabalho paciente
sou eu quem to digo olhando os mortos das tuas gavetas, o lixo espalhado nos teus gavetos, as flores murchas em teus altares e as despedidas das pessoas que te acenavam amor eterno e agora te acenam com lenços brancos e nevoeiros densos despedidas de primeiro inverno ou se encolhem como fantasmas em seus assombros, nos buracos financeiros do inferno
onde eu me perco sem poder dizer-te o que quero de ti mais do que és duvidando se quero ver-te jovem como dizem que vais ser ou velha tal como me pareces quando me pareces da minha idade cidade amargurada pelas rugas por onde se esgueiram as águas salgadas essas que ocupam os largos esses aquários onde nadam peixes de chapéu e chapinham carapaus e caras de pau e as reticências
que sempre aparecem quando não sabemos o que lá devia estar depois do que lá está e a terra continua a rodar e me sobra tempo para tentar compreender sem conseguir passar pela janela de onde posso espreitar as tuas gavetas vazias e abertas para o vazio de uma praça mandada abrir em nome de algum filho da mãe.

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