Nos últimos tempos tenho sido assaltado por vários assuntos. Tento fugir dos assaltantes. Sem êxito.
O primeiro foi um alarido de fogueiras. Ameaçou disparar à queima roupa contra a minha mão que desenha. O assunto era a indignação de alguns crentes e agentes contra os desenhos do profeta, quando os desenhos do profeta tinham partido a embrulhar coisas menos dignas. Houve quem compreendesse a indignação e até justificasse o fanatismo violento, por razões religiosas que a razão reconhece. E houve até quem achasse merecida a vingança fanática contra os loiros, de direita e xenófobos, que desenharam e publicaram. E, de joelho em terra e em nome de governos que nada publicaram, houve quem pedisse desculpa ao profeta pelos desenhos do profeta. Este assunto atirou à queima roupa. Com a roupa queimada de medo, apesar de não gostar dos desenhos, de os achar execráveis e irresponsáveis, venho aqui defender que, quem assim o decidir, tem o direito de os publicar. E dar-me, a mim e a toda a gente, o direito de criticar, de processar e de desenhar esses artistas em indecorosas posições de rabo para o ar. A liberdade é também a liberdade de reinventar os profetas todos. E de escrevermos que, neste assunto como noutros, ?quanto mais nos baixamos, mais o sangue nos sobe à cabeça?.
Na segunda cena vê-se, em primeiro plano, uma manifestação de calções e apitos entredentes de ouro. Um major reformado de barba branca reaparecia reluzente nos seus calções de amador profissional à cabeça da manifestação de calções. Para os calções e para a televisão, vociferava contra um presidente em retirada estratégica por terras de senhorim e outras nunca dantes visitadas. Que rouquejava ele? Firme? Sentido? Direita volvereeee? Nah! Em sua reserva, o nosso major salivava contra o presidente retirante que não se pronunciara sobre as violações do segredo da injustiça. Aquele é o major árbitro do estado de direito. A norte da cena, a televisão segue um bruxo que, a pé e carregando o fardo da sua cruz, vai até ao sameiro para lançar um mau olhado aos árbitros contra a descida do vitória. E, de norte para o centro da cena, Felgueiras, disfarçada de peregrina vai a Fátima. Fatinha monta uma feira em Fátima: depois de uma missinha, distribui comes e bebes, lencinhos brancos bordados com seu nome e outras miudezas.
O que é que estes assuntos têm em comum? A animação! A animação! Roguei a Deus que tudo isto se passasse com bonecos animados e nós, finalmente acordados, nos pudéssemos rir porque tinha sido tudo fruto da imaginação.
Já não adianta rezar! Os assaltos são reais! O sobressalto é grande. Lá terá de ser! Aceitamos o exorcismo.
[o aveiro; 16/02/2006]
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