a corda que puxa os cordelinhos.

Olho para a corda receoso. Cada uma das minhas mãos prende uma ponta da corda. A corda prepara-se para me fazer saltar. Sei que vou saltar. Ainda que contrariado, sei que vou saltar. Ainda pensei em iludir a necessidade de saltar o desafio da corda caminhando sobre ela como um palhaço funâmbulo que se equilibra sobre uma corda pousada no chão. Mas desisti de mim assim e procurei coordenar o movimento dos braços com os pequenos saltos dos pés. Animo a corda para me animar. Sei que se me distrair, a corda interrompe o seu voo e eu transpareço na sombra das paredes como o saltimbanco desengonçado que perde as linhas com que se cose.

Olha para as sombras na parede. Podia ter previsto aquele movimento das pedras vivas em seu tabuleiro vital. Um peão que avança para proteger uma raínha e um cavalo que tropeça em seu trote e morre à passagem de um bispo com os olhos marejados de lágrimas minerais. Os países dividem-se em pequenos quadrados e nós quedamo-nos a ver os movimentos das peças de uns quadrados para outros. Podemos prever as escaladas da violência e nada podemos fazer porque vimos o jogo tal qual se nos apresenta instante a instante, sem sermos capazes de ver a mão que mexe os cordelinhos e movimenta as peças de xadrez. Se olhássemos para fora do tabuleiro, víamos como as mãos dos manipuladores abrem e fecham frentes de combate. Umas vezes, o mundo é um tabuleiro e há um jogo para ser jogado. Outras, é o teatro da guerra a ser representado por actores de segunda, às ordens de um encenador histérico como um macaco preso no seu próprio circo de feras.

A guerra que se trava pode parecer um ajuste de contas entre quadrilhas. E é sempre isso, mesmo quando ela quer parecer uma guerra da civilização contra a barbárie ou da barbárie contra a civilização. Nas guerras não há maneiras. Há as boas maneiras da guerra; terroristas, bandidos e senhores da guerra usam luvas, são bons pais de família e amigos dos seus amigos. Não sei se é o medo que nos distrai dos sinais. E decidimos ignorar um gesto e outro até que eles somam os nossos medos e bombardeiam os nossos sonhos de paz.

Distraídos, acabamos por saltar a corda. Distraídos, ignoramos os sinais. Somos apanhados distraídos. Pelas guerras iraquianas, pelas guerras brasileiras, pelas guerras da selva, pelas guerras... Muito tarde reconheceremos uma só guerra em todas as guerras.

[o aveiro; 18/05/2006]

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