A nascente do rio não é mais que um fio de água, uma lágrima.
[Se os dias passam por mim, eu fico para trás. Esforço-me por ser eu a passar pelos dias até que sejam eles a perseguir-me, domésticos dias de enfado. Ouço os meus dias, olhando para o passado. Complacente com o passado, responsável por ele e sem os "ai, se eu soubesse o que sei hoje...". Habituei-me a ser tudo o que fui e a não ser ex-isto, ex-benquisto, ex-malquisto,... Sou tudo o que fui, somado ao que sou. O futuro é a nascente de perguntas a que vou respondendo.]
Se posso não ter razão, que mal há em perdê-la? Só que os dias recentes não falaram da razão que há em fazer prevalecer a preservação do ambiente, tal como ele existe, sobre as estradas desbravadas pelo desenvolvimento. Achincalhar os "ambientalistas" todos pode retirar chão à minha razão, mas não belisca a razão. Dizem que quem tem sensibilidade apurada para as questões do ambiente se coloca fora do círculo virtuoso dos que querem o desenvolvimento necessário ao futuro de todos. É por ouvir o passado do futuro presente que nos asfixia que eu os vejo mais presos em círculo vicioso dos que entram na rotunda com saída para o abismo. Os dados disponíveis e as previsões científicas não servem para cautelas e caldos de galinha. A ciência que interessa ou a ciência dos interesses desenvolvimentistas é aquela que há-de fazer o milagre de resolver mais adiante os problemas que criamos ontem e hoje, desafiando limites. A sustentabilidade que defendem tem por base um desafio que já não é sustentável. Contra tanta sede de beber a água quase toda e misturar a que sobra ao pó de cimento, só nos resta defender o absurdo do marasmo.
Todos os desenvolvimentistas esperam uma aberta, uma pausa na defesa da fragilidade da nossa terra povoada por bichos, para nela fazer lugares de estacionamento e pequenos desfiles de automóveis entre estacionamentos humanos.
Sabemos que eles sabem que os problemas do ambiente não se vão resolver se abrirmos a estrada e edificarmos a casa que sobra contra a ria e... construirmos a central nuclear que sobra e sorve a água toda do rio que corre e... seca até que a foz seja um fio de água, uma lágrima.
[o aveiro; 25/05/2006]
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