o canto chão

Várias vezes ao dia, passo ao lado do que foi a Pizzaria Parque. Para trás dela posso ver um pequeno bosque que ladeia uma bela rua interior e sossegada do meu Bairro de Santiago. No Bairro de Santiago, há vários lugares simples e magníficos - alguns deles da iniciativa de moradores que dão vida a jardins inesperados, outros da iniciativa da autarquia.
Várias vezes ao dia, passo ao lado do que foi a "Pizzaria Parque". Para trás dela posso ver um pequeno bosque que ladeia uma bela rua interior e sossegada do meu Bairro de Santiago. No Bairro de Santiago, há vários lugares simples e magníficos - alguns deles da iniciativa de moradores que dão vida a jardins inesperados, outros da iniciativa da autarquia.

Vimos crescer as árvores do pequeno bosque. Tempos houve em que dávamos a volta por lá para ir propositadamente até à "Pizzaria Parque". Por puro prazer, por lá ficávamos muitas vezes a ouvir a babel de Santiago. Não precisávamos de perceber as palavras soltas naquela grande esplanada aberta. Em alguns dias, juntavam-se famílias inteiras batendo palmas e cantando. Pareciam-me toadas dolentes, gritos de paixão ou desesperadas renúncias que contadas para a brisa da tarde esconjuram todo o mal de que elas falam quando falam dos outros em vez de nós. E, não raro, alguém deixava o corpo ondular levado pela marcação ritmada das mãos até à volúpia dos braços apontados ao céu ou desencadeado pelos pés impacientes por rasgar de sons o chão sagrado.

Nunca soube porquê, mas esses puros momentos da nossa comunidade de Santiago foram interrompidos. E a partir dessa perda, nunca mais parou a degradação do lugar até ser um lugar de olhos vazados pelo abandono. Mais triste não pode ser. Mais triste ainda me parece por ter sido terra de alegria colectiva.

E vejo-me a pedir aos poderes deste nosso pequeno mundo que decidam pela criação de novas áreas verdes, mas também pela preservação dos jardins existentes com recuperação e salvaguarda dos equipamentos de apoio. Grandes obras? Queremos só pequenas grandes decisões para proteger o quotidiano com garantia da liberdade e apoio às expressões culturais das comunidades. Naquele lugar de Santiago, há palcos, há campos de jogos, há escola, há biblioteca, há centros de apoio e acolhimento, há... vida a conservar.

Caminhos sem obstáculos para andar, ar para respirar, cores naturais para olhar, bancos para descansar, ler e conversar - esta é a lista dos pedidos. O que pode ser mais importante? Queremos ser vistos a dar a volta ao nosso mundo, em cada um dos nossos lugares de cada uma das nossas freguesias.


[o aveiro; 11/05/2006]

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