Representando o Bloco de Esquerda, estou na Assembleia Municipal. Lá, não optei pela truculência e tenho de admitir que não consigo argumentar por argumentar para o máximo de impacto, nem consigo interromper os outros e o trabalho da Assembleia até chamar a atenção para as posições do Bloco e para as minhas opiniões. E convivo muito mal com ofensas vãs. Levo a sério o que me dizem e a falta de respeito ou as ofensas pessoais num debate diminuem-me. Olho para trás, para outros lugares, tempos e combates e sei que não sou tão sensível como aqui apareço. Então o que aconteceu?
Talvez por ser educador e professor, tenho sérias dificuldades. Não consigo participar em debates de maneira diferente (e muito menos contrária) daquela que defendo junto dos jovens com os quais trabalho. As regras de argumentação nos debates e nas apresentações são mais que instrumentos formais na educação. Para os educados, tais regras nem carecem de estar escritas.
Para além disso, há o espírito do lugar. Naquele lugar, não me permito "performances". Não é de esperar que, naquele lugar, a democracia e a liberdade sejam ameaçadas de forma consistente. E os debates podem conduzir-se nos limites das diferenças de opinião, da discordância frontal face a decisões e intervenções de outros, da denúncia do que se considera errado (ou mesmo criminoso) e da aceitação de propostas alternativas.
Nunca tinha sido claro para mim que a simples memória do aniversário da revolução de Abril de 1974 desse pano para mangas numa Assembleia que não podia existir antes e existe depois dela. Escrevi: existe depois dela. Não escrevi apesar dela.
Para mim, e disse-o na Assembleia para efeitos da participação democrática, 'o antes' do 25 de Abril foi nada e 'o depois' foi tudo. Porque antes eu não podia participar livremente e toda a minha vida era 'contra' ou 'obediente e cega'. Porque depois eu trabalhei, participei, escolhi representantes, falei, gritei, escrevi, tomei decisões boas e más. Posso criticar os que tiveram mais responsabilidades e posso nem lhes perdoar. Posso denunciar o mal que fizeram. Posso ser responsável e responsabilizar. E posso reconhecer que ficámos longe de cumprir o Abril possível em justiça social e solidariedade verdadeira e mesmo em democracia participada e viva.
Que lugar é a Assembleia Municipal?
[o aveiro; 4/5/2006]
Sem comentários:
Enviar um comentário