a cultura no olhar

Dia a dia, lá vamos mudando. Damos pelas mudanças reais já elas tomaram conta de nós, já nos acomodámos a elas e, mesmo que o quiséssemos, não podemos mudar de passeio e acabamos a falar com as mudanças que dentro de nós moram.

Algumas mudanças seguem-se a pequenas decisões, a pequenas desistências, a pequenas guinadas nos pontos de vista.

Há pouco tempo, decidi apurar ainda mais a vista a olhar para o ensino no pequeno círculo em que me movo. Trabalhamos aqui, mas se não focamos o olhar para ver perto, acabamos por falar do nosso círculo, contaminados pela ideia do que acontece em geral. Se apuramos o olhar sobre a realidade da nossa esquina, esquecendo o que sabemos de ouvir falar, vimos aspectos que nos escapavam mesmo sendo parte da nossa circunstância. Ou nos tornamos mais optimistas ou nos tornamos mais pessimistas, porque desistimos de muitas desculpas e porque recusamos culpas que, não sendo nossas, são a nossa circunstância.

Deixamos também de tentar ser exemplo para fora de nós. Desistimos um pouco, para tentarmos ocupar um espaço feito tanto de intimidade como de exposição. Contamos pouco. E sabemos que somos esse pouco que é tudo o que podemos dar. Precisamos dos outros só no que eles nos possam dar e recusamos nos outros o que eles nos podem tirar. Não queremos receber qualquer totalidade de outros e celebramos os pequenos detalhes.

Por exemplo, comecei a ficar muito sensível a todos os comentários que apoucam a matemática no que ela tem de parte da cultura geral ou que diminuem a matemática, ao considerá-la tema impróprio para o quotidiano, desnecessidade, actividade improvável e interesse exótico de excêntricos, razão particular tanto quanto a literatura ou a tecnologia respondem a necessidades e se tornam razão da sociedade toda. A escola trata do culto da cultura geral, dos bens do espírito e da saúde do corpo. Pequenos disparates que se repetem, dia após dia, constituem a persistente vontade de amputar a cultura em nome do maioritário (des)gosto.

Estou a mudar-me para dentro do olhar. Como estão a ver.

[o aveiro; 28/09/2006]

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pelos olhos dos dedos

já não sei há quantos anos estava eu em Elvas e aceitei mais um que fui