Assisto à morte deste ano com as frases de circunstância de que antes assim, coitado que sofreu tanto, coitado que viveu toda a sua vida no meio de tanto sofrimento, ocupado por guerras militares, paramilitares, sujas, santas, satânicas, religiosas e civis, por ataques terroristas, por danos colaterais, por contrabando de polónio, por isto e mais aquilo.
Mas foi também o ano em que os poderosos deste mundo tiveram de engolir mentiras e reconhecer erros do tamanho dos milhares de mortos militares e civis inocentes que foram contabilizados como danos colaterais até serem demais. Alguns políticos ficaram cercados por muralhas de mortos que mandaram matar enquanto rezavam, enquanto juravam justiça infinita, invocavam o nome de deus ou da democracia e ofereciam liberdade aos mortos quando os libertavam desta vida.
Assisto à morte deste ano com as frases de circunstância de que antes a morte que tal sorte, coitado que sofreu na carne dos seus contemporâneos a perseguição de catástrofes naturais, as mudanças climáticas, a vingança da terra mãe torturada até se retorcer nas dores de um parto de dor, a vingança do universo inteiro contra a viagem do predador maior, o vento tornado furacão correndo pela terra como se a terra fosse um desfiladeiro a devastar, o vale de lágrimas, a água violenta galgando as margens e tomando de assalto as suas linhas, as rugas por onde antes a terra escoava lágrimas de felicidade.
Mas foi também o ano em que poderosos deste mundo juntaram as suas vozes às vozes que, desde há muito anos, andam clamando até serem roucas e loucas defensoras da mudança, da paragem da ocupação selvagem do mundo natural que cria reservas naturais para a vida vegetal e animal e impermeabiliza a terra com pele de betão e alcatrão e nos fecha numa estufa, no efeito da estufa, de fronteiras atmosféricas artificiais com venenos emanados das chaminés que arranham os céus até deles fazer a ferida, a gangrena de uma civilização que se esqueceu de o ser.
Assisto à morte deste ano seguindo curiosamente as missas e pompas fúnebres, as pateadas e os aplausos a quem morre. Há quem guie os seus últimos dias para um rio poluído e podre, mas também para um rio de esquecimento.
Assistirei ao nascimento do novo ano com o optimismo desmedido na força de quem sobrevive e renasce despedindo as dores, despindo-se das dores e de todo o mal. Um ano bom é o que nos espera. Não quero menos.
[o aveiro; 28/12/2006]
1 comentário:
FELIZ NATAL e um 2007 FABULOSO!
Enviar um comentário