a pontaria dos cegos

Não dei pela passagem do tempo? Ou não dei pelo tempo que passou? Ou foram os acontecimentos que se repetiram em tempos diferentes para parecerem um só num só tempo? Já não são as pessoas que se acotovelam. Não podemos deixar de ver que são os acontecimentos que se acotovelam uns aos outros. É estranho ver os acontecimentos a ser as pessoas em vez delas e a ocupar o lugar do tempo.

Há pessoas que aceitaram existir como personagens ou figurantes de acontecimentos previstos para ser a sua existência. Fora desses acontecimentos filmados para serem reais, tais pessoas não existem. Podemos imaginar que há um tempo de vida fora das câmaras, mas todo dedicado à preparação das cenas, aos costureiros, ao cabeleireiro ou peruqueiro, à maquilhagem e ao aquecimento dos músculos ou das próteses e das cordas vocais. Não há pessoas arrebatadoras, há acontecimentos arrebatadores.

Ainda não estava recuperado do arrebatador recomeço independente com uma cerimónia presidida por um reitor quando o vi a ser interditado por um tribunal do comércio cuja sentença foi executada por um ex-vice-verde-reitor acompanhado de advogados e seguranças para ser reposto em seu poiso com apoio da polícia para ser de novo retirado daquela cena já não sei por quem mas com certeza por razões puramente comerciais e substituído por um conselho de reitores. Se ouviram e viram aquelas personagens têm de concordar que elas não parecem particularmente interessantes em si mesmas, mas os acontecimentos urdidos são arrebatadores, comercialmente falando. E aterradores, se nos lembrarmos que tudo se passa numa unidiversidade.

Paulo Portas passa os dedos pela testa. Mostra com gestos firmes como controla a melena. Enquanto nos olha de frente com olhos bem abertos e riso mais branco que franco, domina o partido do passado no tempo presente, tomando a via directa pela direita. Insensível à informalidade do colarinho de portas abertas, uma mulher decide abusar do seu poder formal momentâneo para afirmar a formalidade do respeito pelos estatutos como condição da democracia partidária e nela inscrita para emperrar portas à entrada dos penetras - ora invasivos, ontem evasivos. Ficamos a ver como uma reunião pode ser arrebatadora. Viram que não há pessoas envolvidas, mas só figurantes e figurões para uma peça sobre a receita de poder instantâneo, filmada numa cozinha de um partido com dote.

Quando o alvo fala, nem o cego falha.


[o aveiro; 22/03/2007]

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as caras mais a cara do burro feliz