as pequenas parcelas

Olho em volta. Rodando sobre os calcanhares, olho a toda a volta. Tento ver tudo. Mas sei que não vejo tudo o que quero. Há pormenores que me escapam, sei de alguns detalhes que de mim são escondidos e até sei que, em troca, detalhes há que se agigantam mesmo debaixo do meu nariz, pequenas parcelas que, em pontas de pés, acenam a chamar a atenção do meu olhar.
Há paisagens de que reconheço os detalhes. E de tal modo que estes perdem sentido se os tiramos da paisagem em que os vemos. Quando assim acontece, o meu maior interesse está no jogo do máximo prazer: reconstruir a paisagem com o máximo de detalhe, com todos os detalhes. Por conhecer bem a paisagem, sei reconstrui-la tanto a partir de poucas como de milhentas pequenas parcelas, fazendo variar a densidade do olhar.
O pior para mim são os detalhes que se agigantam a meus olhos como taipais sem que saiba de onde chegam, nem para onde vão ou onde querem chegar. E a discussão política local, a decisão política a que preciso de dar uma atenção fina aparece-me mais como uma sucessão de casos do que como uma paisagem que vamos pintando, retocando ou restaurando. Queria a paisagem em que cada caso fosse caso consistente com a paisagem da nossa vida colectiva ou erro a evitar.
A vida política local está cheia de passado e de decisões regionais ou nacionais que nos tolhem os passos. De certo modo, o nosso presente de dúvidas tem de sobreviver sob uma chantagem permanente de compromissos vindos de outros tempos ou de outros lugares. Se procuramos dar um lugar ou uma paisagem política a um caso ou outro, ficamos a saber que não há nada a fazer ou há a resignação que sobra para o caso em estudo. E não depende de nós. Haverá outros casos em que, por serem casamentos já consumados, apelam à revogação dos compromissos dos planos e companhia e com carácter de urgência.
Dou por mim a pensar que sempre que apoio uma decisão para um osso - caso descarnado - estou a dar um passo, antes de outro e outro, no vazio da queda para um abismo cheio de casos fechados em si mesmos, cuja soma quer ser a verdade toda da política. Por vezes, dou por mim a olhar a vida comum como um caso sério, caso e casa de estranhos.

Pode alguma coisa ser o que não se vê?


[o aveiro, 18/10/2007]

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