os dias que faltam

Tenho ouvido falar muito sobre o estatuto dos alunos. Governo, partido do governo e parte da oposição falam sobre o assunto aparentemente com alguma paixão política. Mas em tais termos que dou por mim a pensar que é como se ninguém quisesse saber dos verdadeiros problemas actuais que enfrentamos e antes estivessem todos interessados em descansar clientelas - de interesses, partidárias, ideológicas, ... não consigo perceber bem.

Do estatuto dos alunos, o assunto dominante é feito de faltas que se podem dar e de efeitos das faltas que se dão. Um dos dilemas aparentes a separar a direita da esquerda é sobre isso.

Do estatuto do aluno ou outro qualquer regulamento aplicável a pessoas que requerem serviços do estado com mobilização de recursos da sociedade não devia constar especificação sobre o direito de faltar. Não é normal esperar que falte às marcações quem pediu os serviços. E não é normal que se diga quantas vezes pode faltar sem consequências de maior. Como não é normal esperar que o agente prestador do serviço falte e muito menos se estabeleça quantas vezes pode ele faltar sem problemas. Pode ser preciso e inevitável ao requerente e ao agente faltar a uma marcação. Mas isso deve ser objecto de tratamento e apreciação dos responsáveis dos jovens e dos serviços, caso a caso, falta a falta.

Sobre este assunto, as garantias estão na exigência dos cidadãos quanto ao direito de base do respeito pela sua vida individual e quanto à qualidade dos serviços que tornam a vida social democrática possível, de cada um e de todos.

A minha mãe nunca me falava de faltas que se dão e só de faltas que se cometem. Eu sei que me apetecia faltar, que queria abandonar as coisas de que não gostava no momento. Mas a voz da razão de outros lembrava-me todos os dias que, ainda que mal feito e desajeitado, os outros contavam com a minha contribuição infinitesimal. Não me lembro de faltas sem consequências, nem me lembro de reprimendas quando tinha mesmo de faltar.

Os alunos que dão faltas às aulas e a quem os pais faltam, faltam ao respeito a toda a gente. Temos de conquistar o seu respeito, dando-nos ao respeito. O governo deve dar meios às escolas (autoridade, por exemplo) para tratar deles e acompanhá-los até à saída desta vida se a recusarem persistentemente. Os professores, que conhecem os alunos que cometem faltas contra eles, precisam de saber o que acontece ao jovem se sair da escola como jovem e problema. As instituições e os agentes educativos precisam de saber o que o estado está decidido a fazer para além de mandar para debaixo de um tapete de palavras os jovens e os pais que dão faltas uns aos outros.


[o aveiro; 8/11/2007]

2 comentários:

© Maria Manuel disse...

SÓ PARA DESTACAR, PORQUR CONCORDO MUITO:
«é como se ninguém quisesse saber dos verdadeiros problemas actuais que enfrentamos e antes estivessem todos interessados em descansar clientelas - de interesses, partidárias, ideológicas, ... não consigo perceber bem.»

«Não é normal esperar que falte às marcações quem pediu os serviços.»

«Sobre este assunto, as garantias estão na exigência dos cidadãos quanto ao direito de base do respeito pela sua vida individual e quanto à qualidade dos serviços que tornam a vida social democrática possível, de cada um e de todos.»

«Os alunos que dão faltas às aulas e a quem os pais faltam, faltam ao respeito a toda a gente. Temos de conquistar o seu respeito, dando-nos ao respeito. O governo deve dar meios às escolas (autoridade, por exemplo) para tratar deles e acompanhá-los até à saída desta vida se a recusarem persistentemente.»

«As instituições e os agentes educativos precisam de saber o que o estado está decidido a fazer para além de mandar para debaixo de um tapete de palavras os jovens e os pais que dão faltas uns aos outros.»

(na verdade, queria sublinhar o texto todo!)

paulita mulher metálica disse...

Parabéns pelo merecido Prémio Nacional de Professor!
abraço
Paula Barros

somos, fomos, somos, seremos