Quem somos quando chegamos?

As pessoas comuns existem desde que sejam chamadas pelo nome. A existência confirma-se no chamamento feito por um familiar, por um vizinho, por um companheiro de trabalho. Termos um dia ouvido dizer um nome, chega para garantir a existência de alguém que nunca vimos. Para alguns de nós, tal existência depende da fé em quem diz, em quem nomeia. Sem distinguir a realidade da ficção, a existência de um ser pode não passar de um enredo de poucas palavras ditas por uma autoridade.

Cada pessoa escolhe as autoridades que podem nomear. Assim passamos de geração em geração, pela fala dos mais velhos, a existência deste ou daquele ser. Mesmo depois de reconhecermos a falta de documentos de prova, há pessoas e seres que existem por terem sido nomeados por alguém a quem reconhecemos autoridade para o conhecimento e sua transmissão. Há palavras que valem mais que mil documentos. Algumas dessas palavras ouvidas foram escritas e até gravadas numa voz serena a convencer-nos da existência do inexistente.

As autoridades modernas, reconhecidas pela maioria, acrescentam imagens às palavras e criam documentos complexos. Acabamos a aceitar que o que nos mostram existe e é importante a ponto de merecer ser apresentado a milhares ou milhões de pessoas. Por esta via, passam a existir pessoas importantes e poderosas ainda que não existam. E são essas que afinal existem mais vezes ou que aparecem mais vezes. A partir de certa altura, deixamos de ter a certeza se são manequins que estão em todas as montras por onde passamos ou se somos nós que passamos pela montra onde os manequins se repetem em cenas da ficção de vida que lhes foi atribuída.

Perdidas de vista as pessoas, ficámos apanhados por personagens. Olhamos, sem ver, as pessoas que conhecemos enquanto se preparam para serem personagens das televisões. Apareço ou morro? - perguntam umas às outras.

Quem entra neste combate, morre. Ou desaparece em parte, sempre.

Como um cortejo de tragédias e inexistências que queremos esquecer, morre o velho ano velho. E há os que vão nascer ou renascer. Como saber quem chegamos a ser em 2008? Somos o que fazemos? Ou o que fazem de nós?



[o aveiro; 29/12/2007]

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de Arsélio Martins, mesmo quando não parece .