Dai-me dois dedos de conversa - lamuriava o pobre numa das esquinas da praça. Algumas pessoas que passavam, sem perceber o que lhe pediam, deitavam moedas para os ouvidos do pobre.
Dai-me dois dedos de conversa - clamava o pobre. Uma beata, ao passar, com a alma cheia de compreensão pelo seu papel neste mundo, parou para falar com o pobre. Os olhos dele brilharam.
E disse, de novo: Dai-me dois dedos de conversa! A beata começou por lhe perguntar pela família, se não tinha filhos que o cuidassem, se não tinha mulher, se não tinha trabalho, se não tinha vontade de rezar e agradecer a deus, se não tinha tinha, se não tinha cartão de assistência, se não tinha ido à sopa dos pobres, se não tinha ido à cáritas, se não tinha ido à missa, se não encontrava na oração o refrigério para as suas penas, se não tinha ido confessar-se, se não tinha ido comungar.
O pobre virou os olhos para o céu e disse: Pai, porque me abandonaste? A beata ganhou alento e continuou com as perguntas a que o pobre não respondia. Mas agora mais impaciente. Queria respostas e não aquela ladaínha: Dai-me dois dedos de conversa que o pobre teimava em repetir, enquanto ela falava com ele. E finalmente ela desistiu, dizendo, sem perguntar: Você ou é estúpido ou é surdo. Para o ouvir responder: Muito Obrigado.
Ela partiu intrigada, voltando para o confessionário.
O pobre saiu do seu sítio, depois de se ter limpado de todas as perguntas e de todas as moedas. No bolso, embrulhadas no seu lenço,só guardara as únicas cinco palavras que lhe tinham dado: estúpido, é, ou, surdo, você.
pretexos. 1993, arsélio martins
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