Antigamente e agora (como o provam os concursos de televisão) a grande prova de sabedoria passava e passa por dar respostas a muitas perguntas que ou não têm qualquer sentido ou têm sentido em mundos muito reduzidos em tempo e em espaço. As respostas escolhidas como certas podem nem ser as certas para toda a gente que saiba procurar respostas certas e quem as dá pode nem saber do que está a falar. Valorizamos para efeitos de validação de conhecimentos as perguntas e as respectivas respostas certas sem cuidarmos de que alguém as compreenda. Deste modo, fazemos passar por conhecimento o resultado de treinos intensivos em memorizações de detalhes. É importante ter decorado grandes poemas ou canções para os recitar e cantar em família. Sem compreender o sentido do que decorava, treinei competências próprias que, até hoje, me têm ajudado a memorizar, quando quero, textos que compreendo. Mas sei que as incríveis orações decoradas não fazem prova de qualquer sabedoria ou inteligência a merecer louvor pelo seu conteúdo. Talvez mereça louvor a aplicação e a persistência postas nesse treino.
Sobrevive a ideia de que repetindo ensinamos e que quem (se) repete acaba por saber. É verdade que quem repete muitas vezes uma mesma coisa acaba por decorar, e pode lembrar-se dos nomes de certas famílias de rios, de personagens mais ou menos reais, de anos de batalhas, ... sem que isso signifique compreensão inteligente sobre o que decorou. Quando as coisas parecem muito mal, repetimos para nós mesmos que levar a decorar é melhor que nada. E é. De vez em quando, em desespero de causa, tendemos a querer uma escola de repetidores.
Ora, neste tempo em que as informações estão em toda a parte e disponíveis em suportes diversos, decorar não tem a mesma importância que tinha quando a transmissão oral de nomes e factos era a via privilegiada.
Basear todo o ensino na transmissão de conhecimentos e esta, na repetição do mesmo, até tudo ficar decorado, criou um sistema. A gestão deste sistema tarda em ser acusada de distribuir tarefas socialmente inúteis a muitas pessoas. Para além de inúteis, nocivas; já que tendem a reproduzir-se que é repetir-se de outra forma. O pior de um sistema de repetidores por obrigação de estado está na criação de um sistema de registos e relatórios inúteis sobre os maus resultados do trabalho inútil. Podemos mesmo estar a assistir à substituição, por relatórios palavrosos e inúteis, dos restos de trabalho útil. Há quem diga ainda que já nem sabemos escrever e que só fazemos cópias. Além de inúteis, os relatórios podem ser todos iguais: um só relatório, afinal.
[o aveiro; 6/03/2008]
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8 comentários:
Sei que isto não vai ser publicado , porque é anónimo. Como é que alguém pde aceitar fazer parte de uma comissão de avaliação destas? Há opiniões de muita gente que se está a modificar (erradamente?)
Até os anónimos se enganam!
O problema com os professores é um problema de política e de prática política.
Por isso deixou de ser um problema exclusivo dos professores.
Ainda alguém se há-de lembrar de dizer, parafraseando o JFK: "Eu sou um professor".
Quem não perceber isto a tempo, vai de vela.
Marília
Ainda ontem, cheio de gripe, fui a Lisboa, para falar e ver. De certo modo, para afirmar simplesmente isso:
"Eu sou um Professor". Não sou o JFK. Nem quero ser. E não sei se quero ouvir o Cavaco dizer que é professor, porque me lembro que ele declarou há muitos anos (quando era primeiro ministro) que tinha vergonha de ser professor (a respeito de uma luta de professores). E muito menos quero ouvir o Primeiro Ministro dizer que é um professor.
Mas, concordo que o problema com os professores é de política e de prática política. Concordo.
Ah, concordância ambígua!
Eu estava a falar dos governantes e da inabilidade dos ditos.
"Eu sou um professor", dito pelo Cavaco, é uma afirmação verdadeira (fazendo um parêntese da função actual). Dito pelo 1º ministro, é falsa, por enquanto (se as coisas correrem mal e nada de melhorzito se arranjar, há-de haver por aí um cantinho numa escola de +/- prestígio).
Dito pelo Sr. Manel do talho, pela Sra. Maria das frutas ou por mim... quer dizer que estamos todos a navegar no mesmo barco e que estamos fartos.
Desejo que melhores.
Marília
A gripe está em grande e eu estou a resistir. Eu percebi a tua tese e compreendo que penses em concordância ambígua. Eu não sou o JFK nem a dividida educação portuguesa é a dividida Berlim que era o mundo todo dividido... Mas desconta na minha ambiguidade. Podemos ter professores incapazes para dizer que são professores... ou a ter vergonha de o ser.
Berlim dividida, mundo dividido, educação em Portugal... pois, pois, por isso é que se inventaram as metáforas...
Marília
Esperando que a gripe entretanto se tenha dissolvido, junto uma acha à fogueira ambígua.
Um único relatório, cópia, e recópia, ausência de escrita, de criação, de comprometimento. Eis a essência de recente (ou próximo) analfabetismo, pois copiar e reproduzir fórmulas se traduz em desistência de conteúdo. Delírio, pois, patologia...
Reparo, por outro lado, que sempre há quem escreva e crie realmente, no que poderemos chamar de acção directa, nas escolas como fora delas. Entendo a Marília, tanto mais que sinto cada vez mais que a escola é "apenas" um dos espaços de aprender a que é preciso aceder na vida de cada um. Espaço obrigatório, coercivo, formal mesmo que sem rituais assumidos, porém um dos espaços que no tempo de aprender de cada 1 vamos percorrendo. Sujeito pois a uma avaliação quotidina, a do contraste com ambientes onde a percepção da utilidade do tempo gasto em aprender é maior.
Não sei se confundo, mas, como diria o Arsélio, tanto me dá, desde que a conversa continue.
Saúde!
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