Estou a escrever quando o lusco-fusco toma conta da terça-feira. Caminho devagar em busca do sentido do dia e da semana. O dia está bom e as palavras chegam vagarosas. Vejo-as em contra-luz e faço um esforço para as reconhecer pelo recorte. Nada. Têm de entrar pela porta e falar para que eu as reconheça. Estou a escrever contra o lusco-fusco, contra o jogo das sombras. Nestas horas, as sombras que nos seguem podem parecer ameaçadoras. Quando dizemos que temos medo da própria sombra falamos da sombra que nos persegue manhã cedo ou tarde da tarde. Ameaçadora, ela segue-nos ou precede-nos na caminhada. Assobiamos e damos graças por não ouvirmos o eco dos nossos assobios, que são as sombras dos assobios, que são assobios assombrados fechados nos túneis que atravessamos em vida.
Hoje, o Ministério da Educação decidiu divulgar alguns números sobre os resultados escolares do ano passado. E foi a habitual lufa lufa da comunicação social em busca das reacções a esses números. O habitual lusco fusco, a luz e a sombra. Todos nós andamos há décadas à espera de dias melhores, de resultados melhores. Muito devagar, temos cada vez mais jovens na escola, sem podermos descansar enquanto não temos todos os que dela precisam. Sempre que o número de jovens na escola cresce, sabemos que os resultados podem aparecer piores.
Mas este ano, anunciam-nos um crescimento da população escolar acompanhando uma melhoria dos resultados escolares. Isso pode significar que os professores e formadores fizeram o impensável lusco: com mais alunos, dos quais muitos jovens regressados do abandono a que votaram a escola, obtiveram uma melhoria dos resultados. A preparação e execução das actividades lectivas são obra autónoma dos professores e, em grande medida (de 70% a 100%), a avaliação escolar também.
Imediatamente se levantou o fusco, a grande sombra. Não pode ser! Pode lá ser! Há quem levante a poeira da suspeita, aponte os canhões de fumo do desconcerto sobre os resultados escolares. E há professores a acender velas neste desconcerto, vagos nas razões, perdidos de si mesmos.
Estes resultados valem o que valem. Devemos acompanhar os números com as cautelas necessárias, manter a exigência que a nossa dignidade exige e garante, estudarmos os factos e a consistência entre aprendizagens e classificações e ficarmos preocupados, isso sim!, por termos resultados ainda muito fracos e a exigir mais esforços.
A ser alguma coisa, uma pequena melhoria é pequena satisfação! Dor e assombração é que não!
[o aveiro; 11/09/2008]
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3 comentários:
assombração! Lusco fusco e não só embrulhando um texto que devia ser lido por TODOS os professores.É sempre um prazer ler os seus textos. Não sei dizer mais, mas deixam-me bem disposta
Carmo Belchior
Ainda bem que fica bem disposta. Fico contente, também eu.
Há quem fique mal disposto. Pois. São escolhas.
Quando posso venho ver este seu blog e não resisto ao seu pedido de uma esmola; nunca tinha visto aqui nada com tão fina ironia...
Aproveito para dizer que todos os seus textos me tocam, dizer que são fantásticos é um lugar comum sem significado neste caso.
E o que mais me tocou aqui foi a frase:
"manter a exigência que a nossa dignidade exige e garante".
Sinto-me confortada com ela, e vou lembrá-la quando me sentir tentada a facilitar-me a vida.
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