Escrevo à terça feira. Não é a terça feira quem me quer ler. Quem escreve para ser publicado, sabe que vai ser lido quando for passado. Se chegar ao dia da publicação, pode ler-se, pode ler o seu passado. Escrevo para o futuro e o futuro só pode ler o passado.
Na manhã desta terça feira, um estudante finlandês matou nove alunos de um liceu. Ao que dizem, publicava num canal video cenas de treino de disparos com pistola. Como se estivesse a atirar para o futuro. Depois do massacre, disparou contra si próprio e morreu no hospital.
Interrogado pela polícia, tinha sido libertado por ter uma licença para disparar. Só depois do massacre é que os videos foram retirados da cena pública. Ficamos transidos de espanto, suspensos neste tempo em que vemos como o futuro acontece. Sempre aconteceram coisas destas e a Finlândia não é o território mais fértil em acontecimentos destes que são desastres em si mesmos e mais desastres são por estarem assinalados por imagens que os precedem e os fazem permanecer para além do tempo em que acontecem.
Sobra-nos o travo de uma derrota. Como podemos interpretar os sinais? Como podemos interromper estas roletas russas? Há uma necessidade doentia de celebrar a própria morte com o assassinato de inocentes como se estes fossem pedrinhas deixadas no caminho a aumentar o impacto de uma decisão desesperada e criminosa. Estes casos repetem-se. Só que agora somos testemunhas atadas aos testemunhos impossíveis de controlar e que nos deixam uma estranha sensação de serem cópias do passado e desejo de futuro. Neste caso, assistimos a alguma coisa parecida com os videos dos campos de treino de suicidas que se suicidam com a obrigação de matar outros para ampliar o acto. Muitas vezes, há grupos humanos a descrever a motivação dos actos suicidas. Será que as motivações dos suicidas empurrados para o martírio são diferentes das motivações deste frio finlandês que parece agir sozinho sem precisar de ser empurrado? Podemos pensar que aqueles que são empurrados são mais humanos, porque talvez nunca pudessem tomar tal decisão sozinhos e, quando têm oportunidade, escapam do acto que lhes procuraram impor.
Percebemos que não há lugares livres destes medos que assaltam os nossos dias.
Nesta esquina de terça feira, olho em volta para ver sinais. Eles disparam mais rápidos que a nossa imaginação. De que nos servem os sinais?
[o aveiro; 25/09/2008]
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