Nas palmas das minhas mãos cruzam-se linhas de tudo: a linha da vida, a linha do coração, etc. Cada uma dessas linhas conta uma história: que a vida acabará abruptamente; que o amor chega tarde, tanto tarda a intersecção da linha do coração com a linha da vida; que um pequeno acidente está previsto pela pequena gelha que se esforça para ser vista quase a desaguar na linha do coração.
Ninguém me tinha falado na linha da mão propriamente dita, mas duas médicas juntaram-se para me garantir que a vida das minhas mãos, tal como a conheço, está em risco e que eu devo confiar menos em mim e nas minhas mãos e mais num cirurgião. Fiquei preocupado com as minhas mãos incapazes de prever o seu próprio colapso aos 60 anos de vida, logo elas! que mostram (a quem quiser ver) a cartografia da vida, do amor, da riqueza, da saúde, .... até ao detalhe mais absurdo.
Há quem chame mão invisível ao capital financeiro e lhe atribua o papel de mola real da vida. Nem sempre foi assim, mas, hoje, não há culpados entre os jogadores da alta finança (que pouco arriscam de seu e tudo arriscam das poupanças de todos os outros). Os poderosos deste mundo enriquecem sabendo que muito do dinheiro em movimento não incorpora qualquer trabalho produtivo e transformador e cresce sem correspondente em trocas de mercadorias e bens que aumentam de valor à medida que vão integrando matéria e força de trabalho transformadora. Especulam e atribuem, em bolsa, valores ao movimento real ou inventado, fazendo da especulação uma mercadoria. Neste mercado, a um dado momento já só se transacciona o que não é. O inexistente toma valores independentes da realidade e da imaginação criadora, é especulação sobre a especulação.
Cada geração de especuladores toma os Estados como fontes de financiamento ou retardadores da explosão das insttituições e lojas do mercado de capitais, enriquecendo um pouco mais, enquanto milhões de trabalhadores, cujas mãos não guardaram lugar para a especulação de outros, sofrem o impacto da explosão.
Nestes jogos, os que sofrem não conhecem os carrascos. Estes já começaram a soprar para a próxima bomba bolsista - nos salvados da explosão de hoje, compram barato os activos da próxima.
Sobre as linhas das minhas mãos, que nada me dizem, gosto de especular sobre as linhas da mão invisível. Se desenharmos as linhas, passamos a ver a mão? Que faremos depois?
[o aveiro; 2/9/2008]
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