Feio, António

Vi-te na televisão tantas vezes as piadas escolhidas as palavras escolhidas as mais difíceis das vezes no linguajar que podia ser-te estranho construído para o boneco mas que vestias cuidadosamente como se calçasses uma luva daquelas que parecem a pele e deixam ver a pele através da pele plástica da luva.
E vi-te de relance encostado a esquinas de apoio a jovens equipas de actores e dramaturgos que te escolheram ou escolheste. Encenador de cenas perturbadoras em que  se contavam pelos dedos as piadas das visões mais trágicas e mais cómicas que a vida é sempre as duas coisas. E vi-te de pé lá atrás feito um sorriso triste no lançamento de um livro de jovens actores e dramaturgos como se fosses alguém a passar por ali e não tivesses ido de lisboa ao porto mostrar-te ou iluminar um canto da sala. Bom dia, boa tarde, um aperto de mão - a vida que passa devagar para termos tempo de olhar uns para os outros ou de olhar uns pelos outros sem lhes tirarmos o protagonismo próprio, sem lhes matarmos a sede e sem os matarmos à sede. A vida que passa depressa, bom dia, boa tarde e a minha irmãe que até fez os figurinos para umas visões de antónio feio e isso pode ficar como coisa de família, um acontecimento tão importante como os que definem pessoas vulgares e reais que vagueiam pela vida necessária, pública e apagada. Feio? Não, não! Muito bonito mesmo. E feliz como um sorriso verdadeiro, um detalhe vermelho num cartaz de cal viva.

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