rimas (muito cedo muito antes deste regresso )

a fonte

onde a fonte murmura
foi que perdeste a infância:
e o frio dessa distância
é que te rodeia a cintura



perdidamente

e mesmo assim te amei perdidamente:
a minha inocência mais pura
correu célere para uma foz de amargura
enquanto tu desaguavas em mar diferente



aldeia vegetal

se voltares à minha aldeia vegetal:
um funâmbulo persegue por um fio de cor
teu gesto sem asas, mas voador
papagaio de tela, de pele e de cal



devolução

as folhas de choupo, não foi do alto que as colheste:
o que trincas são asas das minhas aves mortas
que se esmagaram contra os umbrais das tuas portas
na violência do vento que te devolve o que não deste



@ adealmeida

até eu me devolvo como envio

feito, desfeito, ouvido, vivido.... talvez repetido




1





Morres um pouco cada dia de vidro
brilhantes meninas dos olhos
dos meninos do fereiro do espeito de pau
na casa da eira entre os sacos

ouvias dizer de milho mas a verdade?

O ciúme como fio de ferro ao rubro dentro
de uma orelha à outra
voa ainda hoje pelos capilares do corpo

à alma em que não crês para sofrer menos.



Quanto pau tem a faca a mais que ferro
ou a roda de um carro ou a gadanha da morte
ou a foicinha ou a enxada que abre a regueira
no lagoaceiro e guia a água até ela se sumir

o leve areal onde o milho não sobrevive
e a abóbora raquítica te serve de desculpa
para veres as pernas das cachopas passando
com carrregos de feijão arrancados pelo pé

mal se endireitando para murmurar coitado!



2





O meu avô sentava-se na berma da 109
lia o jornal do dia e os livros da América
acenava a quem passava, falava pouco.

Se me lembro de coisas que ele fez?

uma guitarra, piões, bustos de mulher
em pedras de ançã de salvados do cemitério,

Mas lembro melhor como a minha avó as desfez
a golpes de machado enquanto murmurava:

antes fosse só bêbedo

sem arte, sem literatura, sem mistério.






3





O ferro vermelho batido na bigorna
era temperado a negro pelas águas
da celha do velho Calças do Lameiro
antes de colher a vida do porco do vizinho.

Entra pela maçã de adão mais saliente
para o guincho estridente do dia do juízo
o ferro que entra no coração da gente.

Com um ramo de louro o estertor bate
à tona do sangue o sal o vinagre e o cobre.



O cobre martelado ouve-se bem
quando canta a forma que toma na vigorna
e brilha reflexos de ouro na paz do dia
para que te preparaste e as tuas bodas

e o ataque de coração que temias demais
acontece como o toque a rebate de finados
vem lembrar-nos no bronze do alto sino
que foste no teu tempo o homem que viu

sístole e diástole bombeando veneno.




4





As mulheres dispensam as lâminas das facas
para separar a renda das tripas cheias e
fazer as partilhas comunais do sangue talhado

e desmanchar o corpo que o pino enxugou.

Eu vi como as unhas cavam as fronteiras
entre as peças como linhas de soldadura
prontas a ceder à carícia da mão assassina

à feminina lascívia em passeio pela carne.



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