O Aveirense exigente.

Hoje decidi ficar por casa. Lembro-me muito bem do que era a cidade de Aveiro nos anos 50 ou no início da década de 80. Lembro-me do pequeno comércio (tão poucas livrarias e casas de discos), dos teatros e cinemas (Aveirense e Avenida até ao 2000 e Oita).

Para quem tem memória da cidade que fomos e agora somos, a mudança traz em si uma espécie de mistério. De onde vêm as pessoas? As grandes superfícies operaram alterações profundas. Reconhecemos que a elas se deve a criação de novos públicos para o consumo de bens de cultura também. Há um grande número de salas ou salinhas de cinema, há mais livrarias e casas de discos. Apesar da venda feita nas grandes superfícies. E apesar dos novos meios de difusão: a televisão, o vídeo, o dvd… há público para muitas salas.

Estou a falar disto agora, por estarmos no fim do ano que nos mostrou o fim de algumas obras lentas e lamacentas, o fim dos tapumes que nos escondiam uns dos outros e nos escondiam do que sempre tínhamos visto. Parecia que Santa Engrácia tinha vindo para Aveiro e começávamos a desesperar. Quando a poeira foi varrida e pudemos pass(e)ar pela Praça Marquês de Pombal ou ver a Capitania nem nos lembrámos de tecer criticas ao que nos foi dado ver.

Não imaginam o conforto que foi voltar ao Teatro Aveirense para assistir a concertos. Até me esqueci de me irritar com os defeitos do que estava a ver. E se os há! Mas hoje só quero falar do conforto dos passeios livres e limpos, do teatro que se acrescenta à cidade e nos acrescenta em graça e sabedoria. Reparei que não lhe falta público nas iniciativas inaugurais.

À tempestade das obras longas e imperfeitas sucedeu-se a bonança das programações perfeitas, das obras corrigidas nas suas inacessibilidades? Não! Os responsáveis puderam ver que havia um público com sede de novas actividades culturais. Isso não lhes dá sossego algum! Porque se não responderem com novas qualidades, se não perceberem que as novidades colocam tudo num novo patamar de exigência, serão abandonados à sua sorte de trapos do passado. Não se podem queixar! O Aveirense (con)venceu em dias de bons filmes nas grandes superfícies e até em dia de inauguração do estádio de futebol. Ora isto só pode ter acontecido porque há por aí públicos que sonham as cidades por dentro delas.



[o aveiro; 4/12/2003]

vem dezembro e o ano vai

Há anos horríveis. Os noticiários de 2003 abriram com futebol, guerras, abusos sexuais, corrupção, … e outras maldições. E a cidade de Aveiro andou em obras que chegaram ao seu termo, depois de terem ocupado todo o espaço desde anos antes. Mergulharam-nos em poeira e lama, atravancaram-nos os olhos o com tapumes … de tal modo que, quando destapam, somos incapazes de ver defeitos… mesmo quando as praças que sobram abertas estão tão despidas e lisas em seus chãos de pedra que nos cegam nos dias de sol e nos devolvem a um abandono absoluto nos dias de temporal.
Inventaram as pedras lisas e pequenos obstáculos e armadilhas para quem distraia os sentidos … ou não os possa usar na sua plenitude. Em todas as obras da cidade destapada, vejo marcas desse desprezo. Também vejo os repuxos que foram ocupando as praças de pedra pelas cidades. A mesma instalação é a marca de água das praças das cidades portuguesas - não foi só o deserto de pedra polida a tomar conta da cópia absurda.


Praça Marquês de Pombal



Os muros, as muralhas.

De O Púiblico de 27 de Novembro, não resistimos a recomendar a leitura de Siza em Lisboa de Miguel Sousa Tavares. Já antes tínhamos respigado um outro artigo de MST que referia o assunto.

O Aveirense também mostra a cara lavada.




Nem imaginam como é reconfortante sabermos que está ali, aberto para nos receber. Ainda não podemos saber o que vai ser. Mas já lá assisti a dois concertos. Num primeiro, apareceu-me Beethoven pouco vibrante (como se tivesse sido abafado) numa das últimas filas da plateia. Mas numa das primeiras filas, já senti toda a vibração da banda (BigBand) de GianLuigi Trovesi nas discussões entre trompetes, saxofones, trombones, … É um conforto saber que está ali, aberto.

A capitania é agora outra. Assim:



Sem tapumes nem andaimes, a antiga capitania aparece lavada e segura sobre as águas. Por trás dela, pode ver-se o pagode chinês que tentou afundá-la. Aproveitando os andaimes e a falta de vigilância ou segurança, uma criança carente e exibicionista subiu ao telhado para despejar uma assinatura como se vomitasse para chamar a atenção.

depois vieram tambêm cá