o que sobe, cai

Um homem seguia pela vereda, incomodado com os silvados a roçar-lhe o fato. Com o cotovelo levantado, protegia a cara dos ataques. Entredentes, não parava de falar de si mesmo para si mesmo. Um pouco atrás, a mulher caminhava ligeira. Sorria para dentro. Parecia que lhe dava algum prazer a atrapalhação do homem e não conseguia esconder a satisfação. Isso era o que me parecia enquanto olhava para baixo a vê-los, subindo encosta acima. A certa altura, do meio do matagal, vejo sair o garoto. Pareceu-me ver o homem embaraçado pela finta do garoto. Não tardou muito, aos meus ouvidos chegavam os palavrões do homem, os gritos do garoto e a gargalhada feminina cantada por cima dos palavrões e gritos. Pouco depois, deixei de os ouvir e também deixei de os ver. Tinham entrado num daqueles túneis vegetais que as veredas nos reservam. Não me preocupei e fiquei à espera de os ver reaparecer mais perto do cimo do monte, onde me encontrava. O tempo fez-se mais lento e dei por mim a preocupar-me. Não me parecia que pudessem ter tomado outro trilho diferente daquele em que eu os vigiava. Porque terão deixado de falar? O que aconteceu ao garoto? Que é feito da gargalhada da mulher para as costas do fato tão inadequado para a subida montanha acima? Parecia que a terra os engolira naquela curva da vereda. Já começava a desesperar no meu posto de guarda, quando os vi ao longe seguindo pela vereda que dava uma grande volta, para poupar na subida inevitável. Verifiquei que a partir dali, onde eles reapareceram, o trilho se alargava e aparecia desenhado como um risco em volta da montanha. Se o pudesse ver de mais alto, pareceria uma escada em caracol para o céu que o monte arranhava. Contente por voltar a vê-los de novo, fiquei preocupado ao constatar que me veriam ao passarem por aqui. E tinha razões para temer que reconhecessem a cara da campanha de todas as promessas.

Ainda nem tinham chegado ao cume do poder, já o homem perguntava: “Sócrates?” E, sem pausa, a mulher atirou certeira: “Vens pagar alguma promessa?” Não me lembro do que se seguiu. Disseram-me depois que o garoto, que nem me conhecia, enquanto me empurrava, repetia: “Prometeste, subiste!... Mentiste, não cumpriste e...caííííste!” E mais nada!

Porque é que o homem me chamava pelo nome de um grego?


[o aveiro; 19/07/2007]

alta voz!

Finges que não os vês quando passas
mas sabes que eles vagueiam por aí
porque lhes aconteceu mais cedo
o que bem pode acontecer-te a ti.

Ai, quem sabe se não foi um simples "não!"
que lhes mandou o emprego pró caraças!

Pelo sim pelo não, à força do hábito ou do medo,
vergado, tudo farás às ordens do patrão.



Se todos sabem o que não esquecem,
porque é que os que mandam e os que obedecem
consultam de novo a lista dos tiques da servidão?

podemos rezar


a luísa seguiu pelo corredor até à sala de memórias,
aí chegada, correu as persianas até fechar os olhos
e rezou pelo passado

até ter a certeza que dele só sobram restos
das traças

o que nem as traças encontraram.

poeta


a luísa escreve do passado, o branco
sobre o branco:

e espera alguém que leia uma parede branca
em cal viva


uma morte em carne viva
uma prece.

o que eu vejo


o que eu vejo quando olho pela minha janela
é só o que existe
e é igual todos os dias desde que me levanto:

não preciso ver nem saber mais para ser triste.

depois vieram tambêm cá