quem a vésper espera


aqui onde aves fazem uma algazarra de família
regressada a casa
ao fim do dia

espero a estrela da tarde
e imagino um sino que dobra um bater de asas

um instante a morte e a vida juntas

o que esconde, mostra-se

mau exemplo, mau é

Ainda na oposição, com os olhos na cadeira do poder, a um povo que se revia grego, Sócrates bradava garantias referendárias para as grandes questões. Também para as questões do tratado que estabelece uma constituição para a Europa. Dar a palavra aos povos tinha chumbado aquele giscardiano texto assinado então, em nome de Portugal, pelo fantástico Lopes de Lisboa. Passados poucos anos, Sócrates é um poderoso primeiro ministro de uma presidência europeia (em) investida contra referendos a uma nova versão de tratado agora destinado a ser votada nos parlamentos. Sócrates vem enaltecer a democracia representativa e lança anátemas aos que, por defenderem os referendos e a participação popular, diminuem a representação democrática e parlamentar. Opinião de sofista. Ninguém melhor que Sócrates para saber que a Assembleia onde o PS tem maioria absoluta foi eleita para defender o referendo. Pretérito mais que perfeito, imperfeito, condicional? Mudam-se os tempos para que futuro? Ninguém melhor que Sócrates para saber que o que apouca a democracia parlamentar são as palavras por cumprir, a falta à palavra dada, a desonra e a pouca vergonha.

Eles têm agora a espinhosa missão para nos convencer que tudo o que fazem colhe o seu valor nos resultados futuros, nos maravilhosos frutos do exercício do seu poder. Os fins, os fins, os fins justificam os meios. Se perdermos tempo a discutir, perdemos eficácia, competitividade, a oportunidade de ouro, etc. E já há quem queira ver assim e ache coisa pouca a participação popular mesmo quando ela foi prometida em troca da maioria cor de rosa. Até porque ela é tão pobre! Não é? Não é tão evidente?

Nestes tempos de comunicações rápidas, para uma parte dos nossos políticos, até a participação (que não se puder dispensar) pode ser representada por figurantes recrutados entre velhinhos da província que aceitem pagar uma excursão à capital com uma hora de bandeirinha em campanha de autarquia de costa ou entre jovens que, bonitos, empenhados e bem comportados pela mão de uma agência de modelos, aceitem vender-se por 30 dinheiros ao serviço da ministra da boa (?) educação tecnológica. A ministra acha que isso é nada quando comparado com o anúncio tecnológico. Mau exemplo, má educação democrática são pequenos nadas, sendo tudo.

Ainda que tenham bom aproveitamento como eficazes figurões tecnocratas, nunca lhes perdoaremos o mau comportamento como democratas.


[o aveiro; 26/07/2007]

Santiago


A ignorância e a tristeza
não olham como eu olho para a beleza.

Santiago

As pessoas que passam sem ver a cor da rua
não caminham para a luz



e a sua vida finge carregar uma cruz
que nem existe ou não é a sua

A fortuna dos dias

Abro a caixa do correio todos os dias mas há dias em que a fortuna me bate à porta: Hoje recebi "A fortuna dos dias" de José Vicente Lopes. Um abraço apertado de Cabo Verde.

vegetal doméstico

criei-te como quem cuida
de um girassol doméstico:

água e horas de parapeito

e persianas de correr: ora
luz ora sombra para te ver
o pescoço esguio rodando

em movimento lento, vegetal.

o que sobe, cai

Um homem seguia pela vereda, incomodado com os silvados a roçar-lhe o fato. Com o cotovelo levantado, protegia a cara dos ataques. Entredentes, não parava de falar de si mesmo para si mesmo. Um pouco atrás, a mulher caminhava ligeira. Sorria para dentro. Parecia que lhe dava algum prazer a atrapalhação do homem e não conseguia esconder a satisfação. Isso era o que me parecia enquanto olhava para baixo a vê-los, subindo encosta acima. A certa altura, do meio do matagal, vejo sair o garoto. Pareceu-me ver o homem embaraçado pela finta do garoto. Não tardou muito, aos meus ouvidos chegavam os palavrões do homem, os gritos do garoto e a gargalhada feminina cantada por cima dos palavrões e gritos. Pouco depois, deixei de os ouvir e também deixei de os ver. Tinham entrado num daqueles túneis vegetais que as veredas nos reservam. Não me preocupei e fiquei à espera de os ver reaparecer mais perto do cimo do monte, onde me encontrava. O tempo fez-se mais lento e dei por mim a preocupar-me. Não me parecia que pudessem ter tomado outro trilho diferente daquele em que eu os vigiava. Porque terão deixado de falar? O que aconteceu ao garoto? Que é feito da gargalhada da mulher para as costas do fato tão inadequado para a subida montanha acima? Parecia que a terra os engolira naquela curva da vereda. Já começava a desesperar no meu posto de guarda, quando os vi ao longe seguindo pela vereda que dava uma grande volta, para poupar na subida inevitável. Verifiquei que a partir dali, onde eles reapareceram, o trilho se alargava e aparecia desenhado como um risco em volta da montanha. Se o pudesse ver de mais alto, pareceria uma escada em caracol para o céu que o monte arranhava. Contente por voltar a vê-los de novo, fiquei preocupado ao constatar que me veriam ao passarem por aqui. E tinha razões para temer que reconhecessem a cara da campanha de todas as promessas.

Ainda nem tinham chegado ao cume do poder, já o homem perguntava: “Sócrates?” E, sem pausa, a mulher atirou certeira: “Vens pagar alguma promessa?” Não me lembro do que se seguiu. Disseram-me depois que o garoto, que nem me conhecia, enquanto me empurrava, repetia: “Prometeste, subiste!... Mentiste, não cumpriste e...caííííste!” E mais nada!

Porque é que o homem me chamava pelo nome de um grego?


[o aveiro; 19/07/2007]

alta voz!

Finges que não os vês quando passas
mas sabes que eles vagueiam por aí
porque lhes aconteceu mais cedo
o que bem pode acontecer-te a ti.

Ai, quem sabe se não foi um simples "não!"
que lhes mandou o emprego pró caraças!

Pelo sim pelo não, à força do hábito ou do medo,
vergado, tudo farás às ordens do patrão.



Se todos sabem o que não esquecem,
porque é que os que mandam e os que obedecem
consultam de novo a lista dos tiques da servidão?

podemos rezar


a luísa seguiu pelo corredor até à sala de memórias,
aí chegada, correu as persianas até fechar os olhos
e rezou pelo passado

até ter a certeza que dele só sobram restos
das traças

o que nem as traças encontraram.

poeta


a luísa escreve do passado, o branco
sobre o branco:

e espera alguém que leia uma parede branca
em cal viva


uma morte em carne viva
uma prece.

depois vieram tambêm cá