uma sagrada família deambula



andamos por aqui e tão
coloridos que não há  quem
não repare no que somos:
uma família de cromos
um pai + uma mãe
e + um pequeno senão







o ofício de riscar papel


Se não fosse por acaso,
outra razão me levaria forçosamente  a riscarbr> o papel que me cerca. 
Se fosse ilha e a água me cercasse,
a água riscaria com o dedo fora de borda
como se eu fosse um barco.

Exactamente para romper o cerco.
 


agarra-te bem

Como consegues fazer isso de viver no ar?  
As mãos seguram  dois paus  ou seguram-se  neles?
E os pés? Parecem presos a duas linhas que não parecem tensas cordas. 
Será  que te seguram no  ar?
Pareces contente. Não te dói? Pensas em ti quando te moves? Pensas?



O cabelo de mãos nos bolsos






Tempos houve em que sonhava que os meus cabelos se confundiam com as costas e as mangas de um casaco coçado e as barbas me serviam de agasalho ao pescoço e ao peito. E, uma vez por outra, podia seguir fascinado um homem que era como nos meus sonhos. Até cheguei a dar título ao meu sonho - O homem de cabelo com as mãos nos bolsos. Nesse sonho de vida apareci sempre grisalho aos meus olhos e é, por isso, que compreendo bem que me digam - Estás sempre na mesma, pá! Só eu sei que vivo sainda o mesmo sonho de sempre





o que eu vejo tu não vês


O que eu vejo não é o que tu vês, o que eu ouço não é o que ouves, o que eu desenho ou digo não é o que lês. 
Escrever palavras que ninguém ouvirá é o que eu sempre procurei. E que as palavras que eu venha a dizer nunca sejam escritas. 
Porque as palavras escrevem-se para serem lidas e dizem-se para serem ouvidas. Não são as mesmas ainda que iguais pareçam, como me acontece ao não me reconhecer na minha voz gravada.
E o que eu escrevo não é o que tu escreves mesmo que sejam mesmas as letras das palavras que escrevemos, elas são entendidas de modos diferentes se atribuídas a mim ou a ti e mais diferentes ainda se as dissermos simultaneamente ou se eu as mesmas disser em momentos diferentes ou olhando para quem ouvê ou ouvive instantes diferentes.

encontrei-te santa de papel