da restauração



até hoje pensava que o dia da restauração era o dia de amanhã.
quem vai sair pela janela de hoje? de que andar? de que carruagem?

A paragem de autocarro

Não, não ia escrever sobre o dia da paragem de Santana Lopes decidida por Jorge Sampaio. Devo confessar que não esperava essa decisão, porque os autocarros da fé, da esperança e da caridade estão a deixar de parar em algumas das paragens onde o espírito os espera.

Ia mesmo falar de paragens de autocarros. Aqui, na rua do ISCAA por onde passo todos os dias, várias vezes ao dia, há um equipamento que abriga pessoas. Quem se levanta de manhã cedo sabe que é um equipamento de abrigo necessário para muitas pessoas à espera de um autocarro que as leve ao trabalho. Durante o dia claro, até parece que ninguém ali pára, que aquele abrigo não é necessário. Mas eu sei que é.

Acontece que esse equipamento de autocarros tem sido vandalizado e destruído com frequência. E como me revolta ver aquelas pacíficas pessoas a esperar num mundo de vidros estilhaçados. Sem poderem sentar-se, deslocam-se cuidadosamente e respondem em surdina às saudações que a manhã mal oferece.

Os serviços da Câmara Municipal e as Policias Municipal e de Segurança Pública devem ter registos destes actos de vandalismo. Nesta rua e noutras, claro. Esta paragem mais parece um desafio, já que as outras ali muito perto, não são assim desfeitas. É verdade que este equipamento está do lado do descampado que se abre para o abandono das traseiras do Instituto da Juventude.

Terá tocado alguma campainha de alarme em algum serviço da comunidade sempre que este equipamento foi vandalizado? Espero bem que sim e quero ter a esperança que todos nós tenhamos ouvido o aviso. Cada acto de vandalismo é para ser escutado. Quando o vandalismo se repete não podemos abandonar os lugares onde eles acontecem. Se abandonarmos para não ver, a indignidade toma os lugares como seus territórios exclusivos e tudo fará para nos expulsar da cidade construída para os cidadãos.

Que ninguém fique surdo aos avisos e aos apelos. Se abandonarmos a cidade a quem não a ama e a quem não ama as pessoas suas vizinhas, acabaremos a ser perseguidos para lá de fronteiras que nem imaginamos. Ou seremos perseguidores. Ser perseguido ou perseguidor? Isso não é vida.

Nem o sinal para a saída de Santana Lopes me afastou de escrever sobre a paragem do autocarro. Espero que isso acrescente importância a este aviso - para a cidade e para a democracia. É preciso parar com o erro de fingir que nada acontece quando é o mal que acontece.


[o aveiro; 2/12/2004]

as perguntas




- O que acontecerá se Creso declarar guerra à Pérsia? - perguntaram em nome de Creso, rei da Lídia.
- Destrói um império poderoso. - respondeu a Pítia, do Oráculo de Delfos criado por Apolo que distribuía o dom das profecias.

E Creso invadiu a Pérsia de Ciro.

Depois de uma derrota humilhante, à pergunta de Creso.
- Como pudeste fazer-me uma coisa destas?
a resposta transcrita da História de Heródoto é a seguinte:

- A profecia proferida por Apolo dizia que, se Creso fizesse guerra à Pérsia, destruiria um poderoso império. Ora, perante isto, se tivesse sido sensato, devia ter mandado fazer nova pergunta: se era do seu império ou do de Ciro que se tratava. Mas Creso não percebeu o que foi dito, nem voltou a perguntar. Por isso só tem de culpar-se a si próprio.



citado de Carl Sagan

de que me lembro, em chamas, os dias



Há semanas velozes. Esta semana, para além da minha vidinha, dei comigo a reunir com os pais dos estudantes que trabalham comigo e também com os pais de crianças do agrupamento de válega, perto de ovar. Há encontros em que me sinto em casa. Quando dou por mim, estou perdido em meio de conversas onde se cruzam desesperos de desemprego e insegurança, brinquedos de crianças e formas de aprender, apoios sociais, e... alegria, muita alegria jocosa temperada por castanhas e jeropiga. Não tenho pressa de voltar ao mundo dos sérios salvadores do mundo, porque é mais ou menos por ali que me posso salvar a mim mesmo. Noite magnífica, abençoada cavalgada pelas estradas, ainda que perdido na escuridão das novas estradas. (Que fiquem assim escuras! para que pulsemos com um céu polvilhado de luzeiros longínquos, que nenhum ministro queira inaugurar naquele troço, em que me perdi numa solidão magnífica e medonha, os candeeiros que apagam o céu).
No dia a seguir, subi ao calvário. IP5 e uma assistência que o não queria ser por ter desistido da matemática ou de tudo. Não foi a primeira vez que fui a Seia. Quem me convidou a lá ir talvez não tenha culpa e uma parte da sensação de desespero nesta ida e volta da vida venha de mim mesmo. Já me aconteceu ter assistências contra, mas pronta para algum tipo de luta. O tempo passou por mim e foi um soco que ao passar me deixou oco. O oco é uma falta insuportável.

E, em vez de outra coisa qualquer, a semana acaba com mais uma reunião de sábado. Hoje, sobra uma lentidão de um zigue-zague alquebrado.