O norte de Aveiro
Arsélio Martins
A melhor forma de saborear o norte de Aveiro é viver a norte. Estou a norte da Feira, em Nogueira da Regedoura. Vim pela A1 e saí na portagem mesmo ao lado de casa. Para ir a Espinho, tomo cinco minutos de IC24 e posso tomar 10 minutos de IC1 para a Feira. Para ir ao Porto, tomo 45 cêntimos de restos de A1, tão contestados com as excursões lentas lideradas pelos autarcas de Espinho e arredores. A EN1, do outro lado, caíu nos seus próprios buracos em obras.
Nem falo de Espinho que já é outro concelho e outro mundo em que todos os caminhos vão dar ao Porto, neles incluindo as ferrovias. Lamas e Lourosa (ou Fiães) são grandes aglomerados populacionais, zonas industriais e comerciais. Ora viajamos por largas estradas mais recentes, ora entramos em labirintos mal empedrados sem passeios para peões (que arriscam exercícios de sobrevivência nas voltas do dia a dia). Tento imaginar as redes de água, saneamento e esgotos para esta diversíssima e aparentemente caótica combinação de casas rurais, bairros urbanos, fábricas, centros comerciais. E pasmo a olhar para os locais de recolha de lixos domésticos transbordantes de restos de vida que mais parecem lixeiras a céu aberto e desmentem qualquer boa intenção dos ecopontos em que tropeçamos a cada passo. A câmara autoriza a edificação urbana neste mundo em desenvolvimento(?) sem garantir serviços públicos que apoiem a vida das comunidades fixadas a dois passos da metrópole do Porto ou das suas próprias concentrações industriais. Não será assim com as outras?
Leio os jornais locais. Lourosa, Lamas, etc reclamam autonomia para o norte industrial da Feira enquanto atribuem méritos de programador cultural e turísitico ao presidente da câmara da cidade da Feira. O presidente da câmara feirense desvaloriza as declarações do seu duende partidário Marques Mendes sobre a área metropolitana de Aveiro, a favor da inclusão na área metropolitana do Porto ou de uma região que abarque os municípios correspondentes ao Centro da Área Educativa Aveiro Norte (já ligado à DRE do Porto e ao Sindicato dos Professores do Porto), acrescentada do município de Ovar.
Ouço as pessoas falar e é como se estivesse do lado de lá.
Sei que Aveiro perdeu o norte. E, perdido o norte, desnorteado, Aveiro não é mais que a bela cidade da lágrima de sal. A indignação também chora?
[o aveiro, 31/07/2003]
Arsélio Martins
A melhor forma de saborear o norte de Aveiro é viver a norte. Estou a norte da Feira, em Nogueira da Regedoura. Vim pela A1 e saí na portagem mesmo ao lado de casa. Para ir a Espinho, tomo cinco minutos de IC24 e posso tomar 10 minutos de IC1 para a Feira. Para ir ao Porto, tomo 45 cêntimos de restos de A1, tão contestados com as excursões lentas lideradas pelos autarcas de Espinho e arredores. A EN1, do outro lado, caíu nos seus próprios buracos em obras.
Nem falo de Espinho que já é outro concelho e outro mundo em que todos os caminhos vão dar ao Porto, neles incluindo as ferrovias. Lamas e Lourosa (ou Fiães) são grandes aglomerados populacionais, zonas industriais e comerciais. Ora viajamos por largas estradas mais recentes, ora entramos em labirintos mal empedrados sem passeios para peões (que arriscam exercícios de sobrevivência nas voltas do dia a dia). Tento imaginar as redes de água, saneamento e esgotos para esta diversíssima e aparentemente caótica combinação de casas rurais, bairros urbanos, fábricas, centros comerciais. E pasmo a olhar para os locais de recolha de lixos domésticos transbordantes de restos de vida que mais parecem lixeiras a céu aberto e desmentem qualquer boa intenção dos ecopontos em que tropeçamos a cada passo. A câmara autoriza a edificação urbana neste mundo em desenvolvimento(?) sem garantir serviços públicos que apoiem a vida das comunidades fixadas a dois passos da metrópole do Porto ou das suas próprias concentrações industriais. Não será assim com as outras?
Leio os jornais locais. Lourosa, Lamas, etc reclamam autonomia para o norte industrial da Feira enquanto atribuem méritos de programador cultural e turísitico ao presidente da câmara da cidade da Feira. O presidente da câmara feirense desvaloriza as declarações do seu duende partidário Marques Mendes sobre a área metropolitana de Aveiro, a favor da inclusão na área metropolitana do Porto ou de uma região que abarque os municípios correspondentes ao Centro da Área Educativa Aveiro Norte (já ligado à DRE do Porto e ao Sindicato dos Professores do Porto), acrescentada do município de Ovar.
Ouço as pessoas falar e é como se estivesse do lado de lá.
Sei que Aveiro perdeu o norte. E, perdido o norte, desnorteado, Aveiro não é mais que a bela cidade da lágrima de sal. A indignação também chora?
[o aveiro, 31/07/2003]
Exames de consciência
Arsélio Martins
As recentes decisões do governo de que resultaram os adiamentos na publicação dos resultados dos exames da primeira chamada dos exames do 12º ano criaram dúvidas e perplexidades várias.
Houve, há e haverá discrepâncias entre as classificações internas da frequência e as classificações dos exames e entre as notas atribuídas por diferentes correctores da mesma prova de exame. A avaliação e a classificação exigem intervenção humana, logo implicam erros e diferenças de apreciação e diferentes quantificações para classificar as qualidades de cada prova prestada. Salvam-se da subjectividade, que não dos erros humanos, as respostas a perguntas de escolha múltipla. Há discrepãncias que podem e devem ser evitadas ou pelo menos diminuídas. Por exemplo, o sistema de supervisão das provas de matemática pode diminuir as diferenças nas atribuições de cotações, sem diminuir a competência e a autonomia de cada um dos correctores. Mas este acompanhamento dos correctores foi planeado e não afecta a independência dos professores nem o cumprimento dos prazos da afixação dos resultados ou as candidaturas ao ensino superior.
A decisão de planificação e calendarização considera todas as operações necessárias: elaboração das provas de exame, distribuição e recolha de provas, prestação de provas, recolha e distribuição das provas prestadas pelos correctores, coordenações locais, regionaise nacionais, para além de todas as operações do sistema informático exclusivo dos exames nacionais do ensino secundário que servem para o controle da certificação do ensino secundário, mas também suportam os sistemas de selecção para o acesso ao ensino superior. Este sistema armazena dados, desde as identidades até aos resultados obtidos na frequência dos diversos anos de escolaridade e nos exames. E efectua todos os algoritmos de controle e cálculo de classificações como ditam as leis. Há sempre prazos previstos, em democracia, para corrigir eventuais erros. Há sistemas para responder a pedidos de reapreciação de cada um dos despachos da administração educativa, desde as classificações de frequência até às classificações de exame, organizados de tal forma e com calendários tão apertados que garantem não haver prejuízo para reclamantes relativamente ao acto seguinte em que estejam empenhados. A lei não proíbe os estudos… ulteriores sobre esses resultados.
A confiança no sistema baseia-se na independência de julgamento e acção dos diversos actores competentes envolvidos e nunca na intervenção, ainda que sábia, de qualquer poder central sobre os resultados. Não é por isso que confiamos na democracia?
Perturbador nestas decisões é o facto de termos um decisor que marca um calendário com força de lei, publicado em Diário da República, para realizar todas as actividades relacionadas com os exames nacionais e, a meio do processo, decide faxalterar aquilo que planeou e fez publicar como lei. Alguém fez alguma coisa mal. Quem? Se tiver sido o povo, proponho que se demita o povo.
[o aveiro, 24/07/2003]
Arsélio Martins
As recentes decisões do governo de que resultaram os adiamentos na publicação dos resultados dos exames da primeira chamada dos exames do 12º ano criaram dúvidas e perplexidades várias.
Houve, há e haverá discrepâncias entre as classificações internas da frequência e as classificações dos exames e entre as notas atribuídas por diferentes correctores da mesma prova de exame. A avaliação e a classificação exigem intervenção humana, logo implicam erros e diferenças de apreciação e diferentes quantificações para classificar as qualidades de cada prova prestada. Salvam-se da subjectividade, que não dos erros humanos, as respostas a perguntas de escolha múltipla. Há discrepãncias que podem e devem ser evitadas ou pelo menos diminuídas. Por exemplo, o sistema de supervisão das provas de matemática pode diminuir as diferenças nas atribuições de cotações, sem diminuir a competência e a autonomia de cada um dos correctores. Mas este acompanhamento dos correctores foi planeado e não afecta a independência dos professores nem o cumprimento dos prazos da afixação dos resultados ou as candidaturas ao ensino superior.
A decisão de planificação e calendarização considera todas as operações necessárias: elaboração das provas de exame, distribuição e recolha de provas, prestação de provas, recolha e distribuição das provas prestadas pelos correctores, coordenações locais, regionaise nacionais, para além de todas as operações do sistema informático exclusivo dos exames nacionais do ensino secundário que servem para o controle da certificação do ensino secundário, mas também suportam os sistemas de selecção para o acesso ao ensino superior. Este sistema armazena dados, desde as identidades até aos resultados obtidos na frequência dos diversos anos de escolaridade e nos exames. E efectua todos os algoritmos de controle e cálculo de classificações como ditam as leis. Há sempre prazos previstos, em democracia, para corrigir eventuais erros. Há sistemas para responder a pedidos de reapreciação de cada um dos despachos da administração educativa, desde as classificações de frequência até às classificações de exame, organizados de tal forma e com calendários tão apertados que garantem não haver prejuízo para reclamantes relativamente ao acto seguinte em que estejam empenhados. A lei não proíbe os estudos… ulteriores sobre esses resultados.
A confiança no sistema baseia-se na independência de julgamento e acção dos diversos actores competentes envolvidos e nunca na intervenção, ainda que sábia, de qualquer poder central sobre os resultados. Não é por isso que confiamos na democracia?
Perturbador nestas decisões é o facto de termos um decisor que marca um calendário com força de lei, publicado em Diário da República, para realizar todas as actividades relacionadas com os exames nacionais e, a meio do processo, decide faxalterar aquilo que planeou e fez publicar como lei. Alguém fez alguma coisa mal. Quem? Se tiver sido o povo, proponho que se demita o povo.
[o aveiro, 24/07/2003]
Profissão: professores.
Arsélio Martins
Nesta semana tomei conhecimento da morte de várias pessoas importantes (também para mim). De algumas tomei conhecimento pelos jornais diários nacionais, de outras por revistas especializadas e uma por telefonema amigo.
Aproveito esta coluna para mencionar duas pessoas ligadas à Matemática e ao seu ensino: Raul Carvalho e Paulo Abrantes.
Raul Carvalho, professor de Matemática, foi dirigente da Escola Superior de Educação de Setúbal antes de se reformar e partir para Moçambique.
Paulo Abrantes é conhecido da opinião pública (de Aveiro, também) por ter sido Director do Departamento da Educação Básica durante o governo de Guterres. Era professor do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Porque falar destes professores em Aveiro? Porque são dois dos fundadores de uma importante associação profissional de professores — a Associação de Professores de Matemática — dois impulsionadores e dinamizadores dos maiores encontros nacionais de profissionais do ensino. Fazem parte de uma geração que discutiu a profissão de professor e fez integrar na sua razão profissional, para além da matéria de que é feita a matemática, o mandato social dos professores na discussão e decisão política sobre o ensino da matemática para todos como tudo o que é cultura. Os professores passaram a falar a outras vozes, discutindo as suas práticas e nelas integrando, para além da transmissão da ciência, todas as ferramentas que a profissão exige.
Não sabemos ainda qual o impacto que o futuro mostrará das mudanças que estes dois professores defenderam tão arduamente. Só sabemos como estaríamos diminuídos se as não tivessemos tentado e nos mantivessemos agarrados à certeza de que o ensino da matemática para todos se poderia fazer com os métodos do ensino para alguns poucos ou agarrados à certeza bacoca de que o ensino da matemática (ou das outras ciências) só lucraria em não se adaptar às mudanças científicas e tecnológicas que mudaram a face visível da sociedade e tanto tardam dentro da escola portuguesa. Aconteça o que acontecer no futuro, ficaremos sempre a dever a professores como o Raul Carvalho e o Paulo Abrantes uma outra luz a incidir sobre o ensino da Matemática que nos dá escolha.
O ensino da Matemática não é uma ciência exacta e não admite qualquer limitação à experimentação. Sabemos hoje que, para além do conhecimento da ciência, é preciso aceitar uma caixa de ferramentas em expansão e ter a capacidade de escolher a ferramenta apropriada. A possibilidade de escolher é uma condição da liberdade. O Raul e o Paulo sabiam disso.
[o aveiro; 17/07/2003]
Arsélio Martins
Nesta semana tomei conhecimento da morte de várias pessoas importantes (também para mim). De algumas tomei conhecimento pelos jornais diários nacionais, de outras por revistas especializadas e uma por telefonema amigo.
Aproveito esta coluna para mencionar duas pessoas ligadas à Matemática e ao seu ensino: Raul Carvalho e Paulo Abrantes.
Raul Carvalho, professor de Matemática, foi dirigente da Escola Superior de Educação de Setúbal antes de se reformar e partir para Moçambique.
Paulo Abrantes é conhecido da opinião pública (de Aveiro, também) por ter sido Director do Departamento da Educação Básica durante o governo de Guterres. Era professor do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Porque falar destes professores em Aveiro? Porque são dois dos fundadores de uma importante associação profissional de professores — a Associação de Professores de Matemática — dois impulsionadores e dinamizadores dos maiores encontros nacionais de profissionais do ensino. Fazem parte de uma geração que discutiu a profissão de professor e fez integrar na sua razão profissional, para além da matéria de que é feita a matemática, o mandato social dos professores na discussão e decisão política sobre o ensino da matemática para todos como tudo o que é cultura. Os professores passaram a falar a outras vozes, discutindo as suas práticas e nelas integrando, para além da transmissão da ciência, todas as ferramentas que a profissão exige.
Não sabemos ainda qual o impacto que o futuro mostrará das mudanças que estes dois professores defenderam tão arduamente. Só sabemos como estaríamos diminuídos se as não tivessemos tentado e nos mantivessemos agarrados à certeza de que o ensino da matemática para todos se poderia fazer com os métodos do ensino para alguns poucos ou agarrados à certeza bacoca de que o ensino da matemática (ou das outras ciências) só lucraria em não se adaptar às mudanças científicas e tecnológicas que mudaram a face visível da sociedade e tanto tardam dentro da escola portuguesa. Aconteça o que acontecer no futuro, ficaremos sempre a dever a professores como o Raul Carvalho e o Paulo Abrantes uma outra luz a incidir sobre o ensino da Matemática que nos dá escolha.
O ensino da Matemática não é uma ciência exacta e não admite qualquer limitação à experimentação. Sabemos hoje que, para além do conhecimento da ciência, é preciso aceitar uma caixa de ferramentas em expansão e ter a capacidade de escolher a ferramenta apropriada. A possibilidade de escolher é uma condição da liberdade. O Raul e o Paulo sabiam disso.
[o aveiro; 17/07/2003]
Cálculo da área … metropolitana de Aveiro.
Arsélio Martins
Na última campanha eleitoral para as legislativas concorreram por Aveiro vários deputados do círculo eleitoral de S. Bento. Montaram tendas nas feiras do compra e vende votos e devotos; choraram para a televisão os nossos mortos pela sua incúria; beijaram as crianças e as mulheres que apanharam pelos passeios da distracção que a campanha sempre acaba por ser; pintaram o sete e até cercaram com o giz dourado das promessas as fronteiras de uma área metropolitana. Ministros que eram ou ministros que iam ser passaram a mensagem desqualificadora: a importância da região não era intrínseca, viria a medir-se pela quantidade de ministros de ofício que conseguisse eleger para deputados. Passámos a ser uma região de eleição para ministros, substituídos no parlamento pelos figurantes anónimos e anódinos.
Haverá responsáveis pela actual situação de esfrangalhamento do distrito de Aveiro? Que partidos partiram Aveiro em pedaços – uns mais para a zona de influência de Coimbra, outros mais para a influência do Porto? Se tirarmos as máscaras aos protagonistas da divisão, teremos os protagonistas da união de hoje em todo o seu esplendor?
Os espectáculos que são feitos com a (má)criação de novas freguesias ao sabor das clientelas e o jogo das cadeiras de administradores e directores das empresas e instituições intermunicipais deixam-nos à beira de um ataque de nervos face aos apetites que uma área metropolitana inevitavelmente vai aguçar.
A esquerda apoia todas as iniciativas de planeamento e organização que melhorem a qualidade de vida das populações e simultaneamente protejam a paisagem natural e construída. Da criação de uma área metropolitana de Aveiro podemos esperar melhores serviços públicos, particularmente para a distribuição e tratamento da água, por exemplo, mas também de sistemas de saneamento e esgotos, recolha e tratamento dos lixos, etc. Só a criação e manutenção de serviços públicos nestes domínios pode cumprir as exigências de garantia de serviço a preço razoável (social e não de mercado) e protecção contra qualquer tipo de exploração ou chantagem. O mesmo podíamos e devíamos esperar para uma rede de transportes que sustentasse o quotidiano das populações, contrariando a política do benefício do transporte individual sobre o colectivo ou da criação de dormitórios contra o equilíbrio urbano. As populações não confiam nos autarcas para cumprir promessas de melhoria da vida colectiva até porque sabem que muitos deles dependem dos promotores imobiliários para mostrar obra feita.
Somos claramente favoráveis à criação de autoridades de planeamento metropolitano e regional, envolvendo o estado central, municípios e processos de auscultação das populações. E temos de nos bater pela revisão das leis de ordenamento do território, separando o direito de propriedade do solo do direito de edificação. O distrito de Aveiro, em particular o litoral, está cheio de atentados de betão às leis da vida da paisagem natural e está cheio de contradições que o transformaram numa manta de retalhos que dificilmente pode congregar uma vontade colectiva de união de interesses por uma área metropolitana global. As redes de transportes, as acessibilidade, os locais de trabalho, os dormitórios construídos já afastaram de Aveiro, muitos concelhos do norte e do sul do distrito.
Quando falamos de apoiar a criação da área metropolitana de Aveiro, não estamos a falar da mesma área dos políticos do poder central e do poder local. Mas as discussões e as consultas às populações podem dar frutos insuspeitados. Precisávamos agora que os políticos locais dessem prova de discussão séria metropolitana, por exemplo a respeito do novo processo da incineradora que pode vir a ser instalada no ponto de intersecção de Águeda, Anadia e Oliveira do Bairro. Já não se fala em Estarreja só porque as promessas das campanhas eleitorais seguiram o curso das discussões locais e o PSD estava na oposição ao PS da incineradora? E talvez porque os outros concelhos nunca discutiram o que não se previa para os seus quintais? É um bom tema metropolitano. Bom tema também é a ruralidade, o desenvolvimento concertado dos concelhos e frequesias rurais de Aveiro, como desenvolver sem corromper.
Para calcular a área metropolitana, precisamos de muita matemática, de lógica e rigor nas decisões, … E precisamos de provas de seriedade que contrariem a voracidade dos caciques apoiantes dos diversos partidos que, até agora, têm substituído a competência e o espírito do serviço público.
[diário de aveiro]
Arsélio Martins
Na última campanha eleitoral para as legislativas concorreram por Aveiro vários deputados do círculo eleitoral de S. Bento. Montaram tendas nas feiras do compra e vende votos e devotos; choraram para a televisão os nossos mortos pela sua incúria; beijaram as crianças e as mulheres que apanharam pelos passeios da distracção que a campanha sempre acaba por ser; pintaram o sete e até cercaram com o giz dourado das promessas as fronteiras de uma área metropolitana. Ministros que eram ou ministros que iam ser passaram a mensagem desqualificadora: a importância da região não era intrínseca, viria a medir-se pela quantidade de ministros de ofício que conseguisse eleger para deputados. Passámos a ser uma região de eleição para ministros, substituídos no parlamento pelos figurantes anónimos e anódinos.
Haverá responsáveis pela actual situação de esfrangalhamento do distrito de Aveiro? Que partidos partiram Aveiro em pedaços – uns mais para a zona de influência de Coimbra, outros mais para a influência do Porto? Se tirarmos as máscaras aos protagonistas da divisão, teremos os protagonistas da união de hoje em todo o seu esplendor?
Os espectáculos que são feitos com a (má)criação de novas freguesias ao sabor das clientelas e o jogo das cadeiras de administradores e directores das empresas e instituições intermunicipais deixam-nos à beira de um ataque de nervos face aos apetites que uma área metropolitana inevitavelmente vai aguçar.
A esquerda apoia todas as iniciativas de planeamento e organização que melhorem a qualidade de vida das populações e simultaneamente protejam a paisagem natural e construída. Da criação de uma área metropolitana de Aveiro podemos esperar melhores serviços públicos, particularmente para a distribuição e tratamento da água, por exemplo, mas também de sistemas de saneamento e esgotos, recolha e tratamento dos lixos, etc. Só a criação e manutenção de serviços públicos nestes domínios pode cumprir as exigências de garantia de serviço a preço razoável (social e não de mercado) e protecção contra qualquer tipo de exploração ou chantagem. O mesmo podíamos e devíamos esperar para uma rede de transportes que sustentasse o quotidiano das populações, contrariando a política do benefício do transporte individual sobre o colectivo ou da criação de dormitórios contra o equilíbrio urbano. As populações não confiam nos autarcas para cumprir promessas de melhoria da vida colectiva até porque sabem que muitos deles dependem dos promotores imobiliários para mostrar obra feita.
Somos claramente favoráveis à criação de autoridades de planeamento metropolitano e regional, envolvendo o estado central, municípios e processos de auscultação das populações. E temos de nos bater pela revisão das leis de ordenamento do território, separando o direito de propriedade do solo do direito de edificação. O distrito de Aveiro, em particular o litoral, está cheio de atentados de betão às leis da vida da paisagem natural e está cheio de contradições que o transformaram numa manta de retalhos que dificilmente pode congregar uma vontade colectiva de união de interesses por uma área metropolitana global. As redes de transportes, as acessibilidade, os locais de trabalho, os dormitórios construídos já afastaram de Aveiro, muitos concelhos do norte e do sul do distrito.
Quando falamos de apoiar a criação da área metropolitana de Aveiro, não estamos a falar da mesma área dos políticos do poder central e do poder local. Mas as discussões e as consultas às populações podem dar frutos insuspeitados. Precisávamos agora que os políticos locais dessem prova de discussão séria metropolitana, por exemplo a respeito do novo processo da incineradora que pode vir a ser instalada no ponto de intersecção de Águeda, Anadia e Oliveira do Bairro. Já não se fala em Estarreja só porque as promessas das campanhas eleitorais seguiram o curso das discussões locais e o PSD estava na oposição ao PS da incineradora? E talvez porque os outros concelhos nunca discutiram o que não se previa para os seus quintais? É um bom tema metropolitano. Bom tema também é a ruralidade, o desenvolvimento concertado dos concelhos e frequesias rurais de Aveiro, como desenvolver sem corromper.
Para calcular a área metropolitana, precisamos de muita matemática, de lógica e rigor nas decisões, … E precisamos de provas de seriedade que contrariem a voracidade dos caciques apoiantes dos diversos partidos que, até agora, têm substituído a competência e o espírito do serviço público.
[diário de aveiro]
O exemplo que se segue.
Arsélio Martins
Ouvimos de novo falar dos atrasos no pagamento do subsídio de desemprego. Particularmente chocante é a situação dos desempregados que não recebem há sete meses. Como vivem as pessoas que não têm salário nem qualquer subsídio? Estes desempregados são pessoas como cada um de nós: operários, trabalhadores do comércio e serviços, professores, artistas, etc. E vivem em algum sítio da mágoa, em alguma dobra deste tempo, entre passado e futuro. O presente destas pessoas é o que esconde a dobra em que os políticos passam o discurso que as sacrifica num altar de salvação do futuro. Estas pessoas deixam de existir e não são mais do que unidades estatísticas para o governo, para os empresários, para os analistas… Claro que na boca dos políticos do poder há sempre palavras de caridade, solidariedade e similares. Mas no que é essencial a boca cai-lhes fina e reptilínea para a verdade:
- umas vezes, em vez das pessoas sem subsídio de desemprego falam de apagão informático em vias de reparação como se as máquinas fossem culpadas de alguma coisa e uma avaria em reparação fosse a reparação das pessoas irreparavelmente abandonadas e prejudicadas nos seus direitos quotidianos;
- outras, as pessoas não são mais do que casos isolados que não são significativos ou não poem em causa a eficiência do sistema, como se cada pessoa pudesse ser não significativa em si mesma e como vítima da maldade do poder e da sua insensibilidade.
É claro que os políticos do poder de hoje nos dizem que sacrificam agora alguns para salvar o futuro de todos, sabendo nós que eles podem não ser os políticos do futuro ou que podem mesmo ser políticos sem futuro. E que quem quer que venha a seguir há-de gerir uma nova crise e inventar as suas próprias vítimas que podem mesmo ser as mesmas.
É claro que quem se interessa pela realidade social e sua evolução, utiliza as medidas estatísticas para descrever o que se vai passando. Mas ninguém de bom gosto pode referir-se a uma pessoa credora de sete meses de subsídio em atraso que é um caso isolado sem importância estatística.
Desta vez, as coisas foram longe demais em crueldade. Mobilizou-se mais dinheiro para enfrentar o problema do desemprego cada vez mais dramático. Mas se não pode chegar a todos já, o sistema não começa a liquidar as dívidas pelos que há mais tempo esperam. Já se habituaram a não receber.
O estado socialmente cruel, mau pagador, incapaz de cumprir os prazos que ele mesmo marca é a primeira desculpa para a insensibilidade dos patrões fracos e maldosos que descapitalizam as empresas e não pagam impostos. Alguns deles exibem, perante aqueles que produzem e a quem não pagam, a majestosa arrogância de uma maquilhagem de sinais exteriores de riqueza a disfarçar a miséria que lhes vai na alma.
[o aveiro; 10/07/2003]
Arsélio Martins
Ouvimos de novo falar dos atrasos no pagamento do subsídio de desemprego. Particularmente chocante é a situação dos desempregados que não recebem há sete meses. Como vivem as pessoas que não têm salário nem qualquer subsídio? Estes desempregados são pessoas como cada um de nós: operários, trabalhadores do comércio e serviços, professores, artistas, etc. E vivem em algum sítio da mágoa, em alguma dobra deste tempo, entre passado e futuro. O presente destas pessoas é o que esconde a dobra em que os políticos passam o discurso que as sacrifica num altar de salvação do futuro. Estas pessoas deixam de existir e não são mais do que unidades estatísticas para o governo, para os empresários, para os analistas… Claro que na boca dos políticos do poder há sempre palavras de caridade, solidariedade e similares. Mas no que é essencial a boca cai-lhes fina e reptilínea para a verdade:
- umas vezes, em vez das pessoas sem subsídio de desemprego falam de apagão informático em vias de reparação como se as máquinas fossem culpadas de alguma coisa e uma avaria em reparação fosse a reparação das pessoas irreparavelmente abandonadas e prejudicadas nos seus direitos quotidianos;
- outras, as pessoas não são mais do que casos isolados que não são significativos ou não poem em causa a eficiência do sistema, como se cada pessoa pudesse ser não significativa em si mesma e como vítima da maldade do poder e da sua insensibilidade.
É claro que os políticos do poder de hoje nos dizem que sacrificam agora alguns para salvar o futuro de todos, sabendo nós que eles podem não ser os políticos do futuro ou que podem mesmo ser políticos sem futuro. E que quem quer que venha a seguir há-de gerir uma nova crise e inventar as suas próprias vítimas que podem mesmo ser as mesmas.
É claro que quem se interessa pela realidade social e sua evolução, utiliza as medidas estatísticas para descrever o que se vai passando. Mas ninguém de bom gosto pode referir-se a uma pessoa credora de sete meses de subsídio em atraso que é um caso isolado sem importância estatística.
Desta vez, as coisas foram longe demais em crueldade. Mobilizou-se mais dinheiro para enfrentar o problema do desemprego cada vez mais dramático. Mas se não pode chegar a todos já, o sistema não começa a liquidar as dívidas pelos que há mais tempo esperam. Já se habituaram a não receber.
O estado socialmente cruel, mau pagador, incapaz de cumprir os prazos que ele mesmo marca é a primeira desculpa para a insensibilidade dos patrões fracos e maldosos que descapitalizam as empresas e não pagam impostos. Alguns deles exibem, perante aqueles que produzem e a quem não pagam, a majestosa arrogância de uma maquilhagem de sinais exteriores de riqueza a disfarçar a miséria que lhes vai na alma.
[o aveiro; 10/07/2003]
O que se vê de um buraco?
Arsélio Martins
Nesta última semana, os buracos apareceram com toda a falta de elegância de que só os buracos são capazes. São uns autênticos buracos. A alta finança é o mundo dos buracos – fecha-se um para abrir outro; às vezes um grande buraco aparece disfarçado de floresta de buraquinhos. Quem passeia entre os buraquinhos, vê buraquinhos; na fotografia aérea vimos um buraco. De acordo com os interesses, é interessante falar dos buraquinhos umas vezes e outras só tem interesse falar dos buracos de uma tal dimensão que engulam o país.
O melhor buraco, o mais rico de todos, é o buraco do governo regional da Madeira por onde corre o dinheiro a um caudal de milhões/ano . É um clássico e reproduz-se de ano para ano. Mostra-se indiferente à sua contribuição para o grande buraco nacional; orgulhoso na sua gordura de nódoa, ameaça tornar-se um buraco independente. Não cumpre regra alguma imposta pela madre financeira, nem se deixa intimidar pelo tribunal de contas. Faz de conta.
Presta contas como quem não presta.
Outros buracos interessantes são os das sociedades anónimas do desporto financeiro. Destes, o buraco mais espectacular é aquele em que ameaçam enterrar o novo estádio do Benfica que foi erguido para o euro2004 dentro da euroárea. Percebem o buraco? Uns dizem até que nem há buraco e não devemos preocupar-nos. Outros dizem que o buraco tem dimensão da ordem dos milhões. Os responsáveis dizem que o buraco é de uma sociedade anónima do benfica, e esta garante não haver lugar a qualquer responsabilidade da sociedade anónima criada para as obras do estádio pela primeira sociedade anónima. Ainda não conhecíamos o sistema de canalização estabelecido entre os buracos?
E quando são as câmaras a cair no buraco financeiro criado com a construção do estádio para o euro2004? Ouvimos dizer que um buraco criado para um novo estádio não cria buracos onde se deixam cair todas as restantes obras e actividades das câmaras, já que são coisas diferentes. Há alguém que acredite que os dinheiros não circulam pelas canalizações entre buracos? Haverá mesmo alguém que acredite que o buraco do futebol não tenha arruinado o chão que dava uvas para as outras artes e tenha, por essa via, aberto o novo buraco? Em Aveiro, como é? Acreditamos em quê?
O que é certo é que há obras magníficas que se levantam sólidas e sem parar sobre buracos, enquanto outras se deixam cair pelos buracos do tempo com andaimes desequilibrados à maneira de Santa Engrácia.
Esta dança entre buracos tornou-se um desporto. Por ser um desporto com futuro e capaz de animar a actividade económica é grande a atenção que merece. E a teoria manda que cada buraco seja tapado com o entulho retirado de um buraco que se abra. Talvez até criemos uma sociedade anónima de buracos cotada numa bolsa de buracos, que não é o mesmo que uma bolsa com buracos. Só quem está num buraco, pode falar tanto sobre buracos. Onde é que eu ia?
[o aveiro, 3/7/2003]
Arsélio Martins
Nesta última semana, os buracos apareceram com toda a falta de elegância de que só os buracos são capazes. São uns autênticos buracos. A alta finança é o mundo dos buracos – fecha-se um para abrir outro; às vezes um grande buraco aparece disfarçado de floresta de buraquinhos. Quem passeia entre os buraquinhos, vê buraquinhos; na fotografia aérea vimos um buraco. De acordo com os interesses, é interessante falar dos buraquinhos umas vezes e outras só tem interesse falar dos buracos de uma tal dimensão que engulam o país.
O melhor buraco, o mais rico de todos, é o buraco do governo regional da Madeira por onde corre o dinheiro a um caudal de milhões/ano . É um clássico e reproduz-se de ano para ano. Mostra-se indiferente à sua contribuição para o grande buraco nacional; orgulhoso na sua gordura de nódoa, ameaça tornar-se um buraco independente. Não cumpre regra alguma imposta pela madre financeira, nem se deixa intimidar pelo tribunal de contas. Faz de conta.
Presta contas como quem não presta.
Outros buracos interessantes são os das sociedades anónimas do desporto financeiro. Destes, o buraco mais espectacular é aquele em que ameaçam enterrar o novo estádio do Benfica que foi erguido para o euro2004 dentro da euroárea. Percebem o buraco? Uns dizem até que nem há buraco e não devemos preocupar-nos. Outros dizem que o buraco tem dimensão da ordem dos milhões. Os responsáveis dizem que o buraco é de uma sociedade anónima do benfica, e esta garante não haver lugar a qualquer responsabilidade da sociedade anónima criada para as obras do estádio pela primeira sociedade anónima. Ainda não conhecíamos o sistema de canalização estabelecido entre os buracos?
E quando são as câmaras a cair no buraco financeiro criado com a construção do estádio para o euro2004? Ouvimos dizer que um buraco criado para um novo estádio não cria buracos onde se deixam cair todas as restantes obras e actividades das câmaras, já que são coisas diferentes. Há alguém que acredite que os dinheiros não circulam pelas canalizações entre buracos? Haverá mesmo alguém que acredite que o buraco do futebol não tenha arruinado o chão que dava uvas para as outras artes e tenha, por essa via, aberto o novo buraco? Em Aveiro, como é? Acreditamos em quê?
O que é certo é que há obras magníficas que se levantam sólidas e sem parar sobre buracos, enquanto outras se deixam cair pelos buracos do tempo com andaimes desequilibrados à maneira de Santa Engrácia.
Esta dança entre buracos tornou-se um desporto. Por ser um desporto com futuro e capaz de animar a actividade económica é grande a atenção que merece. E a teoria manda que cada buraco seja tapado com o entulho retirado de um buraco que se abra. Talvez até criemos uma sociedade anónima de buracos cotada numa bolsa de buracos, que não é o mesmo que uma bolsa com buracos. Só quem está num buraco, pode falar tanto sobre buracos. Onde é que eu ia?
[o aveiro, 3/7/2003]
Subscrever:
Mensagens (Atom)
GEOMETRIA : A curva do ingénuo revisitado (geogebra)
GEOMETRIA : A curva do ingénuo revisitado (geogebra) : Revisitamos "31 de Janeiro de 2005" de entrada ligada a texto de setembro ...
-
Nenhum de nós sabe quanto custa um abraço. Com gosto, pagamos todos os abraços solidários sem contarmos os tostões. Não regateamos o preço d...
-
eu bem me disse que estava a ser parvo por pensar que só com os meus dentes chegavam para morder até o futuro e n...