A forma da sala de estar.
A forma da sala de estar tem muita importância. Veja-se o cuidado posto na sala de estar da reunião magna do Partido Popular. Em vez da disposição de uma típica sala de estar, preferiram uma arena central e a forma de circo americano para estar. Como se houvesse um combate de boxe ou uma deambulação de feras amestradas para serem vistas por todos os lados, excluído o estreito túnel de entrada das feras, dos palhaços, dos lutadores.
As demonstrações da arena dão razão a quem diz que PP quer dizer muito Paulo Portas e pouco Partido Popular. De facto, já não é só no investimento da autoridade pessoal sobre o presente. Paulo Portas até propiciou uma reescrita da história do CDS/PP que passou a ser só PP – já não existem os protagonistas dos anos passados. Só restou a referência a Amaro da Costa que, para P. Portas, tem a vantagem de estar morto. Portas apagou todos os restantes nomes da memória do CDS/PP de que recordamos alguns: Freitas do Amaral, Lucas Pires, Adriano Moreira e Manuel Monteiro. Estamos em crer que P. Portas tem medo dos vivos e não acredita na alma eterna de quem quer que seja.
De resto, P. Portas fez as suas declarações de sobrevivência dentro da coligação e profissões de fé na verticalidade das suas convicções de direita: não tem vergonha de ser cristão de direita, não tem vergonha de ser patriota, não tem vergonha de defender o que pensa sobre a imigração, o aborto, etc … não tem vergonha. Como diria a minha mãe, depois de o ver enterrar os vivos, “não tem vergonha nenhuma!”. Talvez seja mais justo dizer que P. Portas não fala das coisas de que tem vergonha.
2.
Foram publicados os “rankings” das escolas. Mais uma vez, comparam-se escolas públicas com escolas privadas e o nosso Ministro insiste que tudo depende dos projectos educativos das escolas, como se dependesse de cada escola pública ter um projecto educativo do mesmo modo que uma privada o pode ter. Eu também penso que tudo depende dos projectos educativos, mas … das famílias, sendo que há famílias que não podem ou não sabem ter projectos educativos e escolares para os seus filhos. As escolas de Aveiro sobem ou descem de um ano para o outro nos “rankings” sem ter havido quaisquer mudanças a não ser uma: os estudantes (e os pais) de um ano não são os mesmo do ano anterior. Não diminuo o papel das escolas que precisam de melhorar, diminuo o significado do “ranking”. Cada escola é uma sala de estar de famílias da cidade.
3.
Lembram-se das trocas de acusações à política geral e à coordenação dos diversos serviços ligados à floresta, à prevenção e ao combate dos incêndios florestais? Houve demissões. Antes, demitiram-se de tomar as medidas mais adequadas e de fazer nomeações na base da competência. Depois, demitem-se as pessoas ainda antes das lições politicas. E aparecem as denúncias, neste momento com carácter de urgência, das já conhecidas corrupções (pequenas e grandes) dos comandantes dos bombeiros locais. Porquê assim e neste momento? Os bombeiros combatem os incêndios. Quem combate estes convenientes fogos de baralhação informativa? Na sala de estar de cada um, a consciência tem de armar-se em extintor.
[o aveiro; 2/10/2003]
2001 - Regresso ao trabalho. Regresso à escola.
O Público de sábado passado (e penso que outros jornais) publicaram as listas seriadas das escolas considerados os resultados deste ano. O Público dedicou a esta questão um caderno destacável.
Ainda não tive tempo de olhar com cuidado para a lista seriada deste ano e para os artigos de análise que constituem o caderno "Estado das escolas portuguesas". O título do caderno é, concerteza, a obra: chamam maximizante à abcissa de um valor mínimo da função informação sobre a coisa das escolas portuguesas. Esquecida a presunção da coisa, não podemos deixar de elogiar a vontade de influenciar as escolas para o bem e para o mal. Também vale a pena ler o artigo Regar a areia de António Barreto da edição de domingo.
Quando o "ranking" foi publicado pela primeira vez, escrevi para o jornal local o texto que se segue. Depois dessa primeira publicação, os resultados considerados para o "ranking" da escola em que trabalho foram piorando e a média desceu cerca de 1 valor. Não creio que a competência e o empenho dos docentes tenha baixado de nível, nem acredito que tenha havido alterações de monta em quaisquer aspectos. O que mudou? A resposta não pode ser dada pelo "ranking", mas é preciso reflectir sobre a escola. Lá isso.... Conseguiremos ter novas ideias em 2003?
Regresso ao trabalho. Regresso à escola.
Diversos jornais publicaram diversas listas seriando as escolas secundárias por alguma ordem ditada pela consideração de resultados no exames do 12º ano deste ou daquele conjunto de disciplinas, extraídos da globalidade dos dados divulgados pelo Ministério da Educação.
A divulgação de resultados, mesmo que em parte, de algum serviço público há-de servir sempre para fazer reflectir os profissionais desse serviço e os membros das comunidades que eles servem. Ainda mais quando os resultados são muito claros quanto a um profundo deslizamento para a negativa de resultados dos exames de alunos considerados aptos pelos professores que os acompanharam nos seus desempenhos em 3 anos da escolaridade secundária e depois de os terem submetido a provas globais em 2 anos.
Do ponto de vista geral, não se ficou a saber o que não se esperava. Os comentadores podem dizer o que diziam antes: há problemas graves no ensino secundário, há dois países, um do litoral e outro do interior, um de ricos e outro de pobres, e mais umas tantas coisas comparativas entre as escolas privadas e as públicas. Também se podem atribuir as culpas ao presente e ao passado das políticas, das legislaturas, das governações. Antigos governantes podem até fingir que o problema é dos actuais governantes, as instituições académicas dos diversos níveis de ensino, as comunidades académicas, científicas e profissionais podem acusar-se umas às outras de conspirações prejudiciais ao ensino, etc.
O que nós sabemos é que temos um problema difícil de resolver, que não estamos a conseguir resolver e que as escolas não vão resolver sozinhas. Mas convém dizer que não estamos pior que antigamente, no tempo em que o ensino secundário era só para alguns poucos. Estamos melhor, mas pouco melhor. Há muito mais gente nesta escola e é preciso mudá-la para obter resultados. Antigamente, só ia estudar quem tinha muito interesse nisso (interesse próprio, da família,…) e, mesmo entre esses, havia um relativo grande insucesso. As competências que as famílias e o estado atribuíam às escolas para garantir o sucesso escolar da elite era extremamente elevado, cedendo muito pouco à individualidade dos filhos estudantes e, antes, exigindo esforço, responsabilidade e disciplina (obediência, sem restrições) aos seus filhos perante a escola e o trabalho escolar.
Houve, entretanto, e a acompanhar a massificação da escola, uma revolução no que respeita ao acesso à informação e aos bens de consumo (também de cultura), aumentando brutalmente a confusão e a ideia da facilidade em ter o saber (e o sucesso também) mesmo sendo ignorante, iletrado, sem saber ler nem escrever. E gerações de pais ainda longe do saber escolar.
As escolas privadas não podem ser comparadas com as públicas, não só porque seleccionam os seus alunos, mas principalmente porque são seleccionados pelas famílias dos seus alunos no que isto significa de mandato pedido e meio estabelecido. A importância atribuída ao saber escolar e aos resultados dos exames resulta para as escolas privadas num enriquecimento do mandato e dos meios, num fortalecimento da hierarquia, num aumento de exigência consentido pelos pais, em disciplina, etc. Os alunos das escolas privadas têm mais horas de matemática, apoiadas nos professores, se for caso disso. Os pais querem, a escola dá, o aluno é obrigado a trabalhar essa hora de vida.
A única coisa espantosa nesta publicitação das listas é a fraqueza das médias das melhores escolas privadas e também de algumas das públicas (em que os utentes são classificados como muito perto do saber escolar, aquilo a que chamam a classe média e média alta). Profundamente preocupantes são os resultados das melhores escolas privadas.
Nas escolas públicas, a maioria das famílias não só quer pouco, como espera pouco e às vezes até impede que a escola faça o pouco que pode e tem de fazer (no cumprimento da lei que nos torna publicamente iguais). Basta ver os papéis assinados pelos pais e encarregados de educação para justificar o injustificável nos filhos, as explicações desculpabilizantes para os actos reprováveis das crianças e jovens, as complicações para conseguir aprovar uma hora mais de trabalho escolar quando tal é possível, … Pobre mandato, mais pobres meios tanto da parte do estado como das famílias..
Numa escola como a José Estêvão, a confiar no Público, entre as 20 melhores escolas públicas do país e a 37ª entre todas as escolas do país, o que é verdade é que temos um pequeno conjunto de alunos provenientes de famílias que dão elevada importância ao saber escolar e exigem dos seus filhos um desempenho elevado que permita o prosseguimento de estudos, como é natural numa cidade em desenvolvimento… E são estes que seguram as médias.
A situação não é boa. Há um elevado número dos nossos alunos que, em provas de exame, não correspondem aos resultados obtidos na frequência. Isso é preocupante. Temos de melhorar as escolas. E para isso temos de melhorar muito o envolvimento dos pais na escola e especialmente o empenhamento dos pais no sentido de incentivar a responsabilização, a disciplina, o esforço dos seus filhos.
Não temos soluções de um dia para o outro para um atraso de 20 anos ou mais. Sabemos que uma parte do problema só pode ser resolvido por um regresso ao trabalho, à disciplina, ao esforço, ao interesse, à responsabilidade. Mas isso vai ter de ser feito com exemplos a seguir. A escola ainda vai ser um exemplo a seguir. Para já, talvez precise de exemplos que possa seguir. Nenhum paleio a pode salvar.
(Out. 2001)
olá arsélio
que pena não escreverem para ti -não sabem o que perdem.
eu detesto escrever em teclados, não me apetece emendar a gramática tonta da pressa nem de retirar as letras atrevidas que se me atravessAM NA ESCRITA.
OLHA, CRESCERAM!
se eu conseguir entender onde carregar para enviar este abraço, ele irá.
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prefiro soul darkness birds on the wire, essas belas tretas...
As árvores, as sementes
No Funchal, a Escola da Levada está rodeada de árvores. O vento soprou poucas vezes e mansinho. Mas mesmo assim, passaram por mim a voar algumas sementes voadoras. Algumas já eu conhecia de outros lugares. Novidade foi o que me parecia ser uma voadora bola de 4 folhas levíssima. Quando abri o embrulho voador, vejo um habitáculo para 3 sementes viajantes. Aqui ficam fotografadas sobre tampos de mesas da Escola da Levada. Os tampos de mesa das escolas são de materiais pobres. São belos os tampos pobres. Não são?
Em vez de ....
Depois deste gesto que vos leva até boas fotografias, fico mais aliviado e menos inibido para colocar algumas das minhas impressões (sem ter de pedir desculpa).
Li e recomendo
Do mesmo jornal, para além do ranking das escolas (que merece um caderno destacável e a que voltaremos aqui certamente), recomendo a carta aberta de Pacheco Pereira a Lobo Xavier sobre a coerência, a que deu o título de "Missão Impossível" e que aparece no ABRUPTO . O Abrupto já se livrou da publicidade de topo. Como terá feito?
Edifício que educa
Visitei também algumas escolas de Aveiro. Ando feliz por ver que muitas têm melhorado as condições e se têm tornado mais habitáveis para todos os que nelas trabalham (funcionários, professores e estudantes) e acolhedoras para os que as visitam. O caso mais recente de recuperação e melhoria bem visível é o da Escola Mário Sacramento.
Falo de escolas, porque é o mundo em que cresci e trabalho. E falo das obras de recuperação (e manutenção) porque tenho para mim que os cidadãos ou se formam em escolas e cidades que lhes sirvam de casa saudável que aprendam a respeitar e a preservar ou se deformam para o desprezo pelo serviço público de educação, outros serviços, espaços e equipamentos públicos. A falta de condições dos espaços escolares (a começar pelas de higiene) ao longo das últimas décadas (e ainda hoje) é um indicador de pobreza mental. Ninguém aprende a respeitar a cidade e a nação (o seu património natural e construído) com palavras. As palavras dos professores sobre a cidade não anunciam a cidade a partir do deserto. São antes palavras ditas sobre o que a cidade deve ser, em salas degradadas no avesso das palavras proferidas e ouvidas dentro dos muros da cidade.
Entrei para uma escola primária sem condições (nas outras aldeias não existiam ou eram bem piores), passei por liceus e faculdades em que a pobreza de meios e a falta de condições eram mais visíveis que a ciência e a cultura. E trabalhei em várias escolas tão degradadas quanto milagrosas já que, apesar das suas condições, formaram cidadãos exigentes, zeladores e construtores da cidade. Precisamos que os pais e mães dos actuais estudantes não aceitem as escolas tal como as viveram e exijam espaços escolares dignos para os seus filhos.
Pelo meu lado, fico feliz pela manutenção dos campos de jogos da escola da Levada e assim estou a desejar para as escolas de Aveiro campos com bons pisos e com os equipamentos necessários bem cuidados. Quando me entusiasmo com as obras de recuperação de uma escola, quando me maravilho com uma biblioteca escolar luminosa e confortável (como a da Escola Mário Sacramento) estou a dizer que todas as escolas precisam de bibliotecas luminosas e confortáveis. Porque as boas escolas educam. A civilização da escola exige bons edifícios escolares. O edifício e seus equipamentos educam mais que as palavras e também denunciam o valor que os poderes atribuem à educação.
Os cidadãos passam muito tempo nas escolas da cidade. Aprendemos a abraçar a cidade e o mundo, enquanto subimos os andaimes para os trabalhos da casa que a cidade é.
[o aveiro, 25/09/2003]
Política para a imigração deste governo(?) ou do Portas(?)
(...) Quando o secretário de Estado Feliciano Barreiras Duarte classifica como "demagógica uma visão extremista que diz que Portugal não precisa de ter imigrantes porque estão a tirar trabalho aos portugueses", não é movido por qualquer arroubo unipessoal: foi certamente autorizado por Durão Barroso para conter, em termos de imagem governamental, a deriva populista de Paulo Portas, segurando o PSD num papel mais tranquilizador, social-democrata, que rejeita discursos negativos sobre a imigração para agregar o eleitorado moderado.
Temos, assim, a coligação a funcionar em plenitude, dividindo tarefas: Durão Barroso, no sossego político de quem já aprovou a nova lei da imigração que fixa anualmente "o montante" de entradas, pode dedicar-se ao discurso humanista, tolerante, não chocando a "esquerda" do seu partido, o PSD. Paulo Portas, com todo o prazer, ocupa-se dos extremos da direita, cujo eleitorado corre o risco de vir a ser seduzido pela Nova Democracia de Manuel Monteiro.
Madeira - Árvores do Fanal 1
Fotografia de J. Luis Freitas
Da caminhada da Ribeira Funda ao Fanal, fixo árvores solitárias que olham as nuvens do alto das escarpas. Não sei porquê, lembram-me Rilke e as elegias de Duino.
Na encosta do Pico Ana Ferreira - Porto Santo
Fotografia digital de J. Luis Freitas
No aeroporto das pedras rubras
Portas que se fecham e se abrem.
Nestas alturas, os partidos apresentam as ideias a que querem dar um novo impulso. Como partido da coligação no poder, o PP afirma-se solidário com a politica do governo PSD/PP. Esperamos que a politica do governo de coligação não seja a politica do PP, embora haja quem diga que tem mais peso nas decisões do governo do que o que lhe foi conferido pelos votos dos eleitores. Isso são contas da coligação. Mau seria, de facto, se um partido minoritário de direita fosse dominante num governo feito na base essencial dos votos noutro partido (do centro). As intervenções de Aveiro mostram um P. Popular a avançar com ideias que pretendem influenciar futuras políticas da coligação. Em boa medida, como já tinha feito em anteriores campanhas, P. Portas exagera para obter alguma coisa no que respeita à imigração. As ideias reduzem-se a algum populismo rasteiro: “somos portugueses, temos problemas económicos e muito desemprego, logo temos de fechar as portas aos imigrantes que demandam Portugal”.
Quando Pacheco Pereira vem a terreno combater, publicamente e de forma radical, as ideias de Paulo Portas, ficamos a saber que o que P. Portas defende está longe de ser consensual na coligação do poder. P. Pereira escreve mesmo que P. Portas, com as suas intervenções está a pôr em causa a politica de Administração Interna da coligação. Haja saúde. Brindo a isso, porque será dramático se a nossa politica for fechar as portas aos imigrantes, porquanto somos um pais de emigrantes, muitos deles em países com tantas dificuldades económicas como o nosso e com muitos mais desempregados. O nosso pais já tem grandes constrangimentos relativamente à imigração por via dos tratados europeus e dificilmente suportará novos- O que diz P. Portas só serve para atiçar algumas atitudes e movimentos e ressuscitar valores bolorentos tão queridos de alguma da direita portuguesa. E obviamente serve para cativar e segurar votos xenófobos e associados. A intervenção de politica interna de P. Portas serve para pressionar a coligação e é enunciado auto-proclamado da ideologia mais ou menos isolacionista e trauliteira.
P. Pereira apresenta os seus pontos de vista em tudo contrários aos de P. Portas e acrescenta mesmo, a título de exemplo, que o desemprego dos operários portugueses não se resolve com o emprego dos imigrantes. Exactamente pelas mesmas razões que garantem não valer a pena fechar portas ou expulsar os portugueses da França porque eles estão em empregos que não são tomados pelos desempregados franceses (no que isso pudesse ser significativo).
Também ficamos a saber que o P. Popular quer reforçar a sua frente de combate no campo da ideologia (e da cultura? da arte? da…?) que, a acreditar neles, é mais campo em que dominam as esquerdas. P. Pereira é quem trava essas guerras e fá-lo sozinho.
Gostei de ter escrito um artigo sobre os vários PPs em disputa. Saio para a esquerda do palco e refresco-me na sombra de saber que estão em desacordo.
[o aveiro; 18/09/2003]
Arafat Mártir? Ariel doido?
Para além de outros textos sobre a actual situação, o texto pequeno de Nuno Pacheco, Arafat mártir?, é muito recomendável, do meu ponto de vista (que é sempre o meu ponto de fuga).
Inducassao
Percebi, acho eu, que o homem quer que o seu partido altere a legislação, permitindo que as entidades patronais tenham ao seu serviço crianças menores de 15 anos para "aprenderem a trabalhar e a ganhar o gosto pelo trabalho".
No país da Europa cujos cidadãos têm a menor taxa de escolarização da Comunidade, esta frase é simbólica, profética, lapidar.
11 de Setembro
11 de Setembro é o dia de fantasmas, esqueletos do nosso armário que ocupa todo o espaço desde a actual civilização à barbárie actual.
1. Há dois anos, o ataque terrorista contra Nova Iorque abalou o nosso mundo e não foi senão um assomo do terror que ajudou a espalhar um pouco por todo o mundo. Quantas vítimas inocentes morreram nesse dia? Quantas vítimas depois disso?
O que deu? Guerra total- escreve Pacheco Pereira (Público).
2. Não posso deixar de recordar o dia do golpe de estado no Chile, de há 30 anos. Quantas vítimas? No dia, nos dias seguintes, nos meses seguintes, nos anos seguintes, ? quantas vítimas?
E quantos sonhos quiseram matar? Só que os sonhos não morrem. Para perceber isso, nada melhor do que ler Memorial dos anos felizes de Luís Sepúlveda (Público, também)
Um dia não são dias?
Hoje não é o dia 11 de Setembro.
Arsélio Martins
Para os políticos que nos governam quais são os modelos de virtudes, de sociedades, de política, de democracia, de governos? Pelo que eles nos dizem, os modelos que gostam de imitar e seguir são, em primeiro lugar, os dos Estados Unidos da América e do Reino Unido. Não são?
Acontece que, nos últimos tempos, os dirigentes desses governos têm vindo a prestar contas, sendo submetidos a inquéritos sobre as mentiras que serviram de justificação para a invasão e ocupação do Iraque. No Reino Unido, já houve vítimas políticas e até, lamentavelmente, uma vítima mortal. A mentira mata.
O nosso Primeiro Ministro afiançou publicamente ao nosso parlamento e ao nosso povo que tinha visto as provas da existência de armas de destruição maciça no Iraque prontas a ser utilizadas contra a humanidade. Só as pode ter visto pelas mãos de quem não tem sabido mostrá-las aos seus povos e parlamentos. Não mentiu? Pode ser que tenha só sido enganado. Mas não se sente obrigado a comparecer perante o seu parlamento e o seu povo pedindo desculpa?
Em democracia, podemos estar em desacordo total uns com os outros, e tomar decisões contrárias perante os mesmos verdadeiros factos. Mas não podemos criar factos falsos para justificar participações em guerras de invasão e ocupação à margem do direito internacional e contra a Organização das Nações Unidas. Um grave sintoma de doença de uma democracia é o desprezo pela honra e pela verdade. Desde há mais de um mês que desejo ardentemente ver um sinal sério de combate à doença por parte dos órgãos de soberania. E nada! Como eu gostava que, nestas questões, os nossos políticos fossem tão rápidos a seguir os seus modelos como na corrida em apoio das guerras que os seus modelos inventam.
George Bush imaginou e fez guerras contra povos e nações com alguns objectivos tão miseráveis como assassinar ditadores e terroristas e o controle da produção do petróleo. Osama e Sadam são tenebrosas criaturas e, à semelhança de outros, devem ser procurados pela comunidade internacional para serem julgados por crimes contra a humanidade. Inventor de guerras infinitas, Bush tem agora de pedir mais dinheiro, arranjar tropas e quer partilhar os riscos em vidas humanas e os custos da ocupação e reconstrução do Iraque. Procura mesmo convencer as Nações Unidas a participar até militarmente na sua ocupação. Ainda não o conseguiu. Mas já o nosso Ministro da Administração Interna declara que as tropas da nossa Guarda Nacional Republicana podem ir para o Iraque já que vão cumprir objectivos das Nações Unidas. As Nações Unidas não sabem ainda.
Quem me dera viver em paz num país de governantes honrados. Pior do que a vergonha dessa dúvida, é saber que portugueses podem partir para o Iraque e, às ordens de quem?, reprimir manifestações populares contra a ocupação. Em meu nome, não! Não é um chavão vazio: Um povo não é livre quando reprime outros povos. Pensava que nunca mais teria de o repetir.
Com quantas verdadeiras mentiras podemos viver?
[o aveiro, 11/09/2003]
Desenho 6
Deixo-vos hoje a capitania inclinada e segura pelos cabelos da nossa veneza antiga. Quando voltar a apresentar-se de pé e ao novo estilo (fachada como máscara veneziana), darei conta da novidade (fotograficamente, claro).
A capitania
Vá lá ver os animais do Zoo Imaginário de Miquel Aparici, se puder.
Desenho 3
Memórias do elefante
Amei-te desmedidamente. O filho que gerámos tem os olhos vesgos, orelhas de elefante e uma tromba potente, sensível e fina de urso formigueiro. Mas é o nosso filho.
E passámos a vida a olhar embebecidos para o nosso filho, fruto do nosso amor. Quando escurecia, o nosso filho abria os olhos e iluminava dois cantos do quarto em que nos escondíamos do mundo. Ceávamos à meia luz que os seus olhos acendiamm cheios de ternura. Quando nos deitávamos, ele fechava os olhos, embalava-nos empurrando o berço com a sua potente tromba e, nas noites de calor, refrescava-nos com o movimento calmo das orelhas. Quando adormecíamos, ele comia os insectos que ousavam incomodar-nos.
Somos felizes. Mais felizes somos porque te amei desmedidamente várias vezes e temos agora um rancho de filhos que olhamos embebecidos, porque têm os olhos vesgos e muito brilhantes, orelhas de elfantes e trombas potentes, sensíveis e finas de ursos formigueiros.
Quando nos mudámos para esta rua, ela era habitada. Pouco depois de nós chegarmos, os vizinhos começaram a ir-se embora. A última a partir foi uma velhota muito pobre de quem nos despedimos com simpatia. Não percebemos porque é que ela nos perguntou se não tínhamos espelhos.
[pretextos, na antiga Rádio Independente de Aveiro]
Desenho 2 - do delírio
A criação da actualidade
Arsélio Martins
Cada um de nós tem uma vida para esquecer e outra para lembrar. Todos os dias tentamos esquecer o que não nos agrada ou não conseguimos resolver. Só nos interessam problemas que tenham solução à vista e façam da nossa vida uma sucessão de vitórias quotidianas ainda que pequenas. Precisamos disso como pão para a boca. Quando acordamos para fracassos diários, procuramos afogar as nossas mágoas num lago de mágoas, primeiro com a esperança que olhem por nós, depois com a tentação de mergulharmos a vida à volta no absimo dos farrapos que somos. O que é humano não me é estranho, mas nada me custa mais do que não saber o que fazer quando os irmãos se embriagam com o fel da vida corrente. Sem poder esquecer, mas incapaz de devolver uma esperança de vida simples, afogo os necessários gestos e as palavras que não sei. Sinto-me doente.
Mais doente me sinto, porque o país inteiro vive a actualidade de conveniência para iludir as complicações (e também a beleza) da vida real. Os jornais e as estações de televisão fazem de pequenos acontecimentos ou de farrapos de vidinhas o sumo de cada dia. Repetem este ou aquele aspecto de coisa nenhuma, mexem e remexem nesta ou naqulea ferida e evitam lancetar outras que bem precisavam de ser drenadas. Ora se colam aos sofrimentos individuais para não falarem das responsabilidades políticas, ora seguem os passos de um juíz ou o contorcionsimo de modelos que se amam a si mesmos e são cabeças de cartaz por terem cabeça com área mas sem volume. Escondem o drama nacional dos incêndios florestais a tratar pelo governo da nação sob uma soma de dramas individuais a pedirem o tratamento da caridade. Criam o tribunal popular de uns costumes para esconder outros crimes e outros costumes. Por vezes, tenho a sensação que a actualidade é uma ficção que se vai criando nos pormenores mais ou menos sórdidos de umas vidinhas para esconder a realidade que, mesmo quando dói, é mesmo a nossa, aquela que vale a pena conhecer e enfrentar, para nos reconhecermos irmãos do bem e do mal. Fugimos de quê? Fugimos de quem? Quem a vida esquece, na morte apodrece.
A respeito do processo de pedofilia (que voltou embrulhado em justa desconfiança!) li os textos mais tristes da minha vida. Um dos textos que li trata todos os intervenientes pelos nomes próprios — polícias, juízes, procuradores, políticos, … — e de tal forma o faz que me senti como que apanhado na teia de uma aranha divina. Há uma teoria da conspiração que liga acontecimentos e os atribui a uma fonte de poder absoluto A prática da conspiração de hoje reside no poder de decidir o que é a actualidade. O que de facto foi o dia de hoje nunca saberei. O que eu imagino que a realidade seja, já há muito deixou de existir e … fico doente por insistir na vida tal como ela é.
Com a dor a dançar em pontas na minha alma, ligo-me à televisão. E adormeço
[o aveiro, 4/09/2003]
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Nenhum de nós sabe quanto custa um abraço. Com gosto, pagamos todos os abraços solidários sem contarmos os tostões. Não regateamos o preço d...
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eu bem me disse que estava a ser parvo por pensar que só com os meus dentes chegavam para morder até o futuro e n...