Perto ... Irão

Era preciso escolher a época e ter sorte.

No meio de uma clareira, os homens amontoavam areia ou terra do pinhal, algum barro e às vezes palha. E acrescentavam água na cratera que abriam no topo. Depois amassavam a mistura. Enchiam-se baldes que se despejavam dentro de uma forma paralelipipédica aberta dos dois lados. Compactava-se e tirava-se a forma. Ali ficava a promessa de adobe. Punha-se a forma ao lado, enchia-se daquela massa de que é feita a terra húmida, comprimia-se. Quando se retirava a forma, havia uma nova promessa de adobe ao lado da anterior. Enchia-se a clareira de filas de promessas de adobes. Deixava-se a secar ao sol.

Quando o sol era mesmo muito, tapavam-se as promessas com bicas dos pinheiros ou alguma palha que, para o efeito, se levava até à clareira aberta. Naquela espécie de eira grande, os pedaços de terra barrenta tinham de secar sem abrirem rachas. [Lembro-me de uma reportagem em que as crianças trabalhavam no fabrico de qualquer coisa parecido com os adobes da minha infância]

A última vez em que a minha família se juntou na tarefa de fabricar adobes foi, se não me engano, para a casa do meu irmão mais velho. As construções que foram acrescentadas depois já são em betão, cimento e tijolos.

Não sei porquê, as notícias sobre o sismo no Irão e, particularmente, as fotografias e notícias da destruição da cidadela de Bam, lembraram-me os adobes da minha aldeia. Ao ver as casas que desabaram agora como castelos de areia, dei por mim a admirar as construções antiquíssimas que se aguentaram desde a idade média talvez por serem feitas de adobe, de areia.

E dei por mim a ser iraniano, vagueando entre os adobes estilhaçados por uma revolta da terra. E vi-me na minha pequena cidade com menos habitantes do que Bam, sobrevivente numa falha do tempo com os olhos vazados pelo desespero de ter visto morrer tantas pessoas quantas as que cabem na minha cidade.


Não escolhemos estas épocas de sofrimento. Para não as viver é preciso ter a sorte de estar noutro lugar.

Não podemos fugir do sofrimento. Cheiramos a morte que não foi possível evitar.

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