Prisão de vento

Nas últimas semanas, muito se tem falado da produção e consumo de energia eléctrica. Por um lado, prepara-se mais um mergulho de paisagem para uma nova grande barragem. Mobilizam-se jovens cientistas a contrariar esse empreendimento que, para um tempo de vida útil de 70 anos, tem um impacto eterno de destruição de ecossistemas, extinção e redução substancial de espécies. Esses especialistas e activistas da “Plataforma Sabor Livre” acham que falta definir um plano energético nacional que identifique as necessidades do país e proponha um conjunto de alternativas de produção e gestão energética, abandonando de vez a opção por pontuais barragens. Consideram que deve ser dada prioridade total à implantação de políticas de incentivo à eficiência energética e às energias renováveis que não contemplem grandes obras hidroeléctricas. Finalmente acham que Portugal deve adoptar “medidas ao nível da indústria, transportes e habitação, de incentivo às energias renováveis, nomeadamente solar e eólica, de economia de energia”.

Ao mesmo tempo, as directivas de planeamento europeu apresentam prazos para que os países membros atinjam metas, impossíveis de cumprir por Portugal, no que respeita à produção de energias renováveis. A instalação de parques eólicos, que já vamos vendo, também não é pacífica para os que se preocupam com a paisagem e, dia sim dia não, somos informados de falhas de planeamento que impedem a realização de projectos.

É certo que o consumo de energia não pára de crescer. E os interesses do negócio da energia electrodoméstica apostam em artificiais novas necessidades de consumo de energia. Aveiro é uma cidade de vento e sol e é o exemplo mau. Os planeadores da cidade e os construtores unem-se vezes sem conta para inibir as famílias de expor ao vento a roupa lavada que é preciso secar. Os lençóis e os vestidos de todas as cores deviam corar ao sol da nossa cidade e, batidos pelo vento, ser sinais de poupança de energia. Fechadas nas casas, torturadas nas máquinas de secar, as nossas roupas e a nossa cidade só podem corar de vergonha.

As politicas para aumentar a produção de energias renováveis têm de ser acompanhadas de politicas que evitem consumos supérfluos. Não fazemos uma coisa nem outra. E começamos a suspeitar que há ganâncias combinadas. Há quem tente mudar à força os hábitos saudáveis das famílias. Com pequenos gestos se fazem grandes roubos. Cabe aos cidadãos desfraldar as suas roupas ao vento como antes… e, pelo futuro!, como bandeiras de revolta.


[o aveiro; 19/02/2004]

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