A fé dos simples

1.
Dizem-nos que a fé move montanhas. Nós preferíamos que o vento movesse nuvens carregadas de água pura, as aconselhasse a despejarem-se como água bendita sobre o nosso chão cheio de sede. O que nós preferimos é uma invernia na primavera quando ela é precisa mais que pão para a boca. Queremos que a feira de Março seja inaugurada e vivida em invernosos dias a fio. Queremos que a água nos molhe os pés. Queremos molhar os pés, beber água que nos escorra pela cara abaixo, pelas rugas abaixo, pelas ruas abaixo. Acompanhados pelas gaitas galegas em delírio, quem não dançaria à chuva!
2.
Mover montanhas? Como montanhas imóveis sobre vulcão esperamos. Esperamos que os jornalistas não encontrem a minhoca a cada cavadela no chão seco onde não sobrevivem minhocas. Queremos ouvir os debates essenciais e não mais do que esses sobre programas de governo e que seja este que se debata e não os de cada papagaio ou cada marionete.
Dizemos que é bom ouvir algumas frases que fazem sentido. Como aquela em que o primeiro ministro diz a Portas que não tem de corrigir Freitas do Amaral porque está de acordo com ele no essencial - que o governo deve, na sua política externa, um estrito respeito pelo direito internacional, sem dizer que Durão e Portas fizeram política fora da lei internacional e das organizações das nações. Alguns exemplos de sobriedade e seriedade como este já nem lembravam aos portugueses cansados da guerra do alecrim do psd e da mangerona do pp.
3.
Em verdade vos digo que se é a fé que nos move em frente, o que nos dá alento para o caminho são algumas frases simples sobre o que é viável e pode ser feito. Podem não ser tudo nem o que é mais importante fazer, mas são coisas que podem ser feitas e podem ser boas. Produtos químicos que podem ser vendidos sem prescrição médica podem ser vendidos fora das farmácias - é uma frase simples. Viram bem a sua potência? Ou: a interrupção da actividade dos tribunais (aquilo a que chamam férias judiciais) passa de dois meses para um mês....
Quem é que não percebe as frases? E a sua potência? E a facilidade na execução? Não interessa se estou ou não de acordo. Percebo.
4
Quem me dera que houvesse uma frase simples que nos garantisse meses de chuva branda e persistente, pouco alarido e nenhuma cheia calamitosa.


[o aveiro; 24/03/2005]

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pelos olhos dos dedos

já não sei há quantos anos estava eu em Elvas e aceitei mais um que fui