Pinto sempre a mesma tela como se a tela fosse uma janela por onde deixasse espreitar-me em dias diferentes. Não como uma janela de dentro para fora em que há a essência da paisagem natural que se mantém. Antes como uma janela de fora para dentro, como se olhasse para dentro dos olhos, e em que não há um fundo. Há o que lá esteve antes de o subsittuir pelo presente. Um pensamento qualquer. Uma visão. Alguma coisa que o dia a seguir esconde com outra coisa. A minha pintura não é outra coisa senão um jogo. Às escondidas.
Pinto sempre a mesma tela. Um dia alguém a leva e recomeço noutra tela um novo jogo, o mesmo. Houve uma tela que se demorou por aqui tanto tempo que pude separar alguns pensamentos dos outros e um amigo meu levou uma parte que era só alguma tinta. Pensei nessa altura no inverno do pátio da casa de lavoura, quando tirávamos o mato podre (estrume humano, porque não dizê-lo?) e o refazíamos lá fora num canto da lagoachorida para ser viveiro das novidades da primavera seguinte.
À imagem de quem nos soterramos? Quando a minha neta deixa de se ver porque fecha os olhos para não ver, acha-se escondida para os outros. Eu fecho os olhos para não ver os outros, para os esconder de mim.
a pintura do amador
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