o fado

ontem perguntaram-me: que se faz por aí? e eu respondi: olho para a letra de um fado. do outro lado escreveram: lindo! e eu: não sei. só sei que é triste e não é o meu.
pode ser triste e lindo? talvez, mas dei por mim a ficar triste com a beleza da tristeza.
hoje perdi muito tempo a procurar um romance que anda a ser lido lentamente e se deixou ficar distraído num envelope triste e, sentado na minha capela privada, descobri que não olho para as coisas, preferindo a sombra das coisas. nunca desenharia uma toalha pendurada, mas imagino-me a desenhar a sua sombra no chão, talvez um pormenor da sombra. vejo-me a decorar sombras, a criar um registo de memória de sombras para os desenhos.
nada do que é real me interessa? e a verdade?
eu busco a sombra de cada coisa e de cada ente e entidade. a identidade está na impressão digital. no desenho. na sombra. melhor será dizer que nem busco - desenho as sombras que se atravessam no meu caminho, no meu tempo.

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