1. Nascido na década de 40 do século passado, lembro-me vagamente de um ou outro dos meus professores. Como se estivesse inibido de levantar os olhos para ver e conhecer os professores que eram pessoas do outro mundo. Lembro-me de ter feito parte da escola na aldeia. Mas não me lembro de ter feito parte da escola na cidade no sentido de que a aldeia que eu era me separava das pessoas da cidade e ainda mais das pessoas da escola na cidade.
2. Tento lembrar-me dos verbos. Que ordens me dava a minha mãe ou a minha irmã para que eu as trocasse por aquela escola? Ia para a escola para aprender ou para ser ensinado? Aprendíamos a trabalhar, aprendíamos um ofício, ... E na escola? Lá íamos, nem cantando nem rindo, para sermos ensinados.
No liceu, os professores ensinavam e reprovavam-nos ou passavam-nos. É verdade que nos faziam perguntas verdadeiramente assustadoras e até nos repetiam as respostas que devíamos dar para ver se nós decorávamos algumas delas. Não me lembro de alguém se preocupar em distinguir quando eu tinha decorado o que queriam ouvir de quando eu tinha compreendido e aprendido. Porque talvez se pensasse que o importante nos liceus era o conhecimento armazenado e conservado para ser debitado e não o conhecimento para a acção. De vez em quando ponho-me a pensar que não era assim nas outras escolas. Mas não sei.
3. Ser professor era ensinar. E um professor ensinava bem mesmo quando ninguém aprendia com ele. Havia mesmo algumas supernovas que quanto mais brilhassem a recitar frases incompreensíveis mais magníficos professores eram. Padres e professores assim afiavam as suas línguas do alto das suas cátedras e púlpitos.
Ainda há artistas desses. Nem dão pelo deserto na sua vizinhança ou gostam de pensar que tudo é mais sossegado quando estão sozinhos e que tão grandioso é o vazio que os cerca como a multidão que imaginam ululante, canalha e incapaz de se maravilhar com os perdigotos das suas citações.
4. Dos professores sabíamos que tudo sabiam e ensinavam. Aprender era ocupação dos outros, se a tanto se atrevessem. Sabemos de quem nada compreendesse e fosse capaz de repetir tudo tal qual o que era ouvido e achado até ser certificado como repetidor. E apesar de tanto ensino puro e duro, para poucos realmente, sempre houve quem aprendesse.
O verbo aprender não constava dos documentos dos ministérios da instrução. Mas não me consta que a falta do verbo impedisse de aprender, até a quem fosse só ensinado.
5. Dizem que nos últimos anos, o sistema educativo trocou tudo e agora foi banida a palavra ensino e a ocupação do sistema passou a ser verificar e garantir as aprendizagens dos jovens. De tal modo que aos estudantes se desculpa que não tomem a iniciativa de trabalhar e aprender e que aos professores se proíbe que ensinem.
6. Reconhecemos facilmente que precisamos hoje mais do que ontem de ter certezas sobre o que aprendem e como aprendem os nossos jovens. Aumentámos muito a quantidade e variedade dos meios de comunicação e a incerteza sobre os seus conteúdos. Eu soube repetir as orações que me ensinaram sem lhes dar sentido e ainda hoje as posso repetir e com a compreensão que as tornou inúteis e à sua finalidade primordial de relação com o fantástico para lhes restar pouco mais que um pó de nada. E sei que os jovens vão à catequese e lamentavelmente não recitam os 10 mandamentos, embora saiba que, de entre esses, jovens há que cantam todos os andamentos de complexas obras musicais. Precisamos de ensinar.
7. O problema do falhanço da instrução no regime fascista não foi a falta do verbo aprender nos documentos oficiais. A falta do verbo ensinar nos documentos oficiais actuais não é a causa do falhanço da educação no nosso regime. Seria fácil melhorar rapidamente se o problema fosse de palavras, se o problema não fosse precisarmos todos de trabalhar e aprender muito para ensinar o que é preciso.
[a página da educação; 10/2006]
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