dar a volta ao texto

Não sabia que tinha saudade das salas de espera, mas sei hoje que a leitura das salas de espera pode tornar-se um vício. Enquanto esperava uns minutos pelo futuro, fui atraído para o turbilhão de inteligência e vida palpitante de um suplemento que, não podendo ser vendido separadamente, sobrevive nas mesinhas de apoio das salas de espera ao tal jornal que o transporta até nós. Os minutos da liberdade que me deram não deram para ler mais que as chamadas à capa ou à primeira página. Mas fiquei com a alma consolada e não resisti a apontar as frases no meu caderno de viagem por este vale feliz.

a) Enchia a capa um cromo de rapariga pateta com jeito para o negócio de promover e vender tudo, desde fraldinhas ilustradas e roupinhas até bochechas e covinhas de queixo. A legenda punha-lhe na boca a frase: “Gostava de fazer uma personagem perturbada para mostrar que não sou só a flor”. Lá na sic-shop não há quem lhe explique devagar que é a mais perturbada das personagens e que a frase solta é prova de que ela não se enxerga, não é flor que se cheire e foi inventada para as tele-vendas?

b) Outra notícia balsâmica rezava assim: “O leão marinho é uma espécie em alta no zoo de Lisboa. Depois de ter recebido uma visita calorosa da actriz patrícia tavares, o bicho foi adoptado pela banda d’zrt. Há famosos que começam com muito menos.” Fico cheio de pena do leão marinho e dos golfinhos que, para sobreviver em cativeiro, têm de aturar estes bichos que vão fazer habilidades e tirar fotografias ao zoo. Estes famosos podem começar com muito menos, mas com muitos mais tiques, mais saltos e gestos disparatados que os que se podem ver na aldeia dos macacos. Ninguém pode começar com menos vogais que os d’zrt.

c) Numa das chamadas ao sumário da coisa, escrevia-se: “helena coelho separada e feliz nega novo namorado”. Estava a tentar ver se chegava a alguma fotografia do coelho desta cartola quando me acordaram do sonho em revista que não pode ser vendida separadamente.

Enquanto respondia a perguntas sobre novas configurações das famílias e sobre os problemas das crianças nas famílias e nas escolas, dei por mim a querer saber quem será a helena da família dos coelhos. Não descanso enquanto não souber.

[o aveiro; 17/05/2007]

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pelos olhos dos dedos

já não sei há quantos anos estava eu em Elvas e aceitei mais um que fui