a sorte dos pais

Embora haja alguns estudos sobre a evolução da relação dos pais com os filhos ao longo da escolaridade destes, as crenças dos professores são dominantes para integrar a acção dos pais e outros agentes na cultura da escola. Tanto para estabelecer um padrão de comportamento que pretende assinalar como aceitável ou inaceitável esta ou aquela acção dos pais e encarregados de educação no quadro da relação com a escola, como para dar sinal da rotina da escola. De certo modo, podemos dizer que os professores estabelecem, com os seus discursos, a rotina das relações, promovendo ou despromovendo o papel dos pais e encarregados de educação.
Parece acertado para muitos professores aceitar que os pais acompanham com tanto mais empenho a vida escolar das crianças, quanto mais elas dependem da sua protecção e que o acompanhamento pessoal dos pais vai diminuindo na adolescência até ser substituído completamente pela ausência ou pela contratação de serviços especializados.
Os professores podem afirmar que há um fenómeno de abandono pelos pais da escola dos filhos. A rejeição dos filhos a esse acompanhamento como forma de afirmação no seu crescimento soma-se à incapacidade dos pais para acompanhar as novas competências (tecnológicas, também) escolares e não escolares adquiridas pelos jovens. Assume especial importância a falha de conhecimentos científicos e literários de uma geração menos escolarizada que se sente incapaz para compreender e ajudar o crescimento em graça e sabedoria dos filhos.
As escolas esperam muito (e isto é uma forma de dizer que os professores esperam muito) da acção dos pais nas escolas do ensino básico e chegam a desesperar sobre essa acção no ensino secundário.
Esta afirmação precisa do seu contexto. Pode ser diferente e referida a níveis etários diferentes conforme é dita no ambiente rural ou num ambiente urbano e citadino. Assim como é diferente o sentido que se dá a “básico” e “secundário”. Sendo que, para os estudantes que querem e são empurrados para o mundo do trabalho aos 15 anos (se não antes), o último ciclo do ensino básico é já um ensino secundário (tanto para os jovens como para os pais), enquanto que para outros jovens que não imaginam a sua vida sem prosseguimento de estudos superiores, aquilo a que convencionamos chamar ensino secundário é, de facto, básico.
Talvez pudéssemos dizer que o abandono escolar de hoje foi precedido do abandono escolar dos pais quando jovens e é denunciado pelo abandono a que os pais votam a escola dos filhos. Podemos mesmo dizer que o abandono escolar de hoje é a confirmação de outros abandonos. E é a mais desgraçada confirmação do abandono dos filhos pelos pais, mesmo quando não parece.
O mais dramático deste fenómeno de abandono das escolas pelos pais é que ele significa a incapacidade para os pais de acompanhar culturalmente a escola dos filhos. Os pais não têm tempo e principalmente não estão no tempo dos filhos e não compreendem a matéria de que é feita a escola dos filhos. Incapazes de conversar sobre o que os filhos aprendem ou deviam aprender, deixam de conversar com os filhos e não são exigentes (nem com os filhos, nem com a escola) ao nível das aprendizagens, dos conhecimentos e técnicas, da utilidade do que aprendem, etc. Confundem-se até ao ponto de perder o sentido da educação para a responsabilidade social.
E substituem tudo pelo único indicador escolar de que compreendem uma utilidade: as classificações numa escala numérica. Em vez da compreensão da complexidade e da qualidade das aprendizagens, os pais pressionam a escola sobre as classificações que, ainda que sem conteúdo, permitem a transição para o ingresso no mundo do trabalho ou no ensino superior.
Neste tempo, os pais são eleitores. A preocupação dos eleitores reduzida a classificações escolares é uma tentação para os políticos no poder que, na luta pelo poder, abrem campanhas com o único fito de melhorar classificações em vez de tomarem medidas de longo fôlego sobre as condições de vida das populações e sobre as condições das escolas onde os jovens aprendam a viver melhor, responsáveis e... livres.
Há escola dos pais dos estudantes na escola dos estudantes e professores? Abandonados à sua sorte, saberão os professores que as escolas não podem abandonar os pais à sua sorte?

[a página da educação; Junho de 2007]

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