a visita humana

Marcam-me encontros e ameaçam despir-se, caso eu apareça, logo ao primeiro encontro. Também recebo pedidos lancinantes de ajuda por um ou outro estudante com mães tão doentes que eu nem quero saber, ou mesmo ofertas de noivas jovens vindas directamente do oriente para a minha felicidade europeia.
Escrevem-me em papel timbrado ou lá perto. Apresentam-se algumas vezes como encarregados de negócios ou diplomatas com nomes africanos ou russos (penso eu, que leio romances) a precisar de parceiros que aceitem colaborar com contas de aluguer para que nela depositem dinheiros do outro mundo em passagem por este mundo.
Ameaçam-me com processos de inquérito numa delegacia de polícia em português brasileiro, caso eu não responda a não sei o quê, e mais recentemente acusam-me de entrar em locais proibidos, também em brasileiro que é a língua dos meus crimes pelo mundo fora, e mandam-me abrir um “executável” qualquer em minha defesa. Caso contrário...
Claro que habitualmente recebo postais de alguém que me ama ou me quer bem e, caso eu queira saber quem tanto me ama, bastar-me-á abrir um “executável” qualquer como quem abre uma porta com uma gazua. O brasileiro é também a língua de quem me ama a uma distância confortável.
O meu computador não é muito sensível a “executáveis” e o tempo tem passado sem que eu seja executado por estas iniciativas mais ou menos anónimas. De todas as mensagens indesejadas que diariamente atravancam as minhas caixas de correio electrónico, estas são as mais indesejadas e chegam a ser realmente assustadoras. Estas ameaças electrónicas sistemáticas que são lixo ao lado do lixo dos vendedores de viagra ou de campanhas de viagens aéreas com hotel dentro, de diplomas de universidades fantásticas, ... carregaram-me de boa vontade para com a tralha das vendas que atafulha a minha caixa de correio da porta da minha casa. Passei a gostar da tralha física que me visita e chego a ler amigavelmente alguns daqueles papéis antes de lhes encomendar a alma frente ao papelão.

Eu, que tudo faço pela internet, evitando balcões de repartições, de bancos, ... dei por mim a pensar que há bondade humana nas anunciadas visitas físicas dos inspectores do fisco que vão entrar nas casas para encontrar jóias ou outras coisas... que possam ser penhoradas. Pelo meu lado, nenhum sinal exterior de riqueza será disfarçado.

[o aveiro; 7/8/2008]

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