as famílias adoptam velhinhos já velhos feitos?

Ia a passar quando ouvi a conversa: "O que nos fazia falta agora era um velho que quisesse ser adoptado como avô ou bisavô". Virei-me para a família que ali conversava, as mulheres arrumando a tralha do picnic, um rapaz arrastando o saco das sobras e o lixo dos embrulhos para o contentor-lixeira, duas crianças esfarelando entre os dedos um pão para os peixes e os patos do canal da ria ali ao lado. E sentei-me abandonado com os olhos tristes de velho fixos no conjunto da cena familiar. Uma das mulheres da família, pareceu-me a mais velha, veio até ao meu banco e perguntou-me: "Há quanto tempo está aqui? tem ouvido as nossas conversas?" E eu respondi: "Sempre por aqui estive, desde há muitos anos pelo menos, mas ninguém deu por mim até hoje". "O que espera aqui sentado?" perguntou a mulher. "Ser adoptado" - disse, sem grande entusiasmo. "Porquê?" "Não sei, nem gosto muito de crianças nem gosto de famílias grandes e só estas podem adoptar velhos como eu". "Tem sentido" - disse a mulher. E continuou: "Eu também me sentia assim, até ter sido adoptada por esta família, tão grande que nem dão pela minha falta quando falto, nem dão pela minha presença quando estou presente. E nem tive o trabalho de constituir família. Talvez o adoptem. Começo a gostar de si."

Quando os vi prontos a partir, fui ocupar um lugar que me pareceu vazio num dos automóveis da família. Tratam-me bem, de forma tão familiar que eu, sem pensar em morrer, sinto-me incapaz de viver ali porque não há quem goste de mim verdadeiramente. Só tenho uma certeza: vão chorar quando os deixar na minha primeira e última emergência médica.

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