assim foi

A festa estava quase a acabar, quando o marquês anfitrião estremeceu. Todas as senhoras deram por isso e viraram-se todas, cada uma em busca da criança que deixara pendurada no bengaleiro. O marquês só muito raramente estremece, mas quando estremece e abre os seus olhos de porcelana antiga deixa fugir as meninas dos seus olhos pela casa em busca das suas educadoras de infância. Para brincar, simplesmente. Elas, as educadoras de infância contratadas para tomar conta das meninas dos seus olhos, começam a correr de um lado para o outro, protegendo dos sapatos das convidadas, as meninas dos olhos do marquês. E todas as senhoras sabem que as suas crianças, penduradas no bengaleiro, abandonadas pelas educadoras de infância, vão desatar num berreiro insuportável aos ouvidos do marquês. As damas desesperadas procuram as chapas identificadoras que lhes permitam levantar as crianças penduradas no bengaleiro. A orquestra de câmara ajuda à festa, desatando numa tocata desafinada mas concertante, ocidental, marcial, heróica. O cavalo do marquês levanta-se sobre as duas patas traseiras mostrando o que toda a gente sabe e canta a ária despejada no ar como uma noite de sons.

Quando acabar, o salão há-de estar vazio e as meninas dos olhos do marquês estarão adormecidas em seus berços de porcelana antiga. No chão brilhante, nem uma pegada do baile, nem um cabelo de peruca, nem uma liga. Uma chapa metálica oscila ainda em fim de queda precipitada, perto da grande porta de entrada e de saída. Até que o sapato ensonado do mestre de cerimónia pisa o som metálico contra o silêncio mais escuro.

1 comentário:

Tezi disse...

Carlos de Oliveira fez-me pensar...
Adorei!!!

Terezinha Sobreira

somos, fomos, somos, seremos