não te deixes enganar pelas plantas


Compramos o olhar do que não temos e nunca teremos o chão onde se encontra o que nunca veremos. Amarramos um dedo para apontar o lugar que não queremos tomar nem ver e nem ouvir o cão que nos ladra. Um dia mais tarde experimentamos o nariz que atiramos fora de nós. O tempo passou enquanto nós acenámos para que ninguém nos veja cair.

É esta! tal como está, remendo vai.

coisas de "1971"? nunca sei de quando

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aquele menino maluquinho

meteu asas ao caminho

e apodreceu de livre vontade


e assim à vista de todos

sem procurar venenos ou outros modos

de matar-se caíu pôdre  dentro da cidade


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aquela menina de agasalho

passou pelo meio do menino caído

e teve muito nojo e pena de ver um caralho

tão novo e apodrecido


e desde o dia de tal memória

ficou maluquinha e apodreceu nesta história.

segundas histórias de verão maquinal (Rádio Nova)

 6

Todos os dias o víamos chegar à praia.  À praia! é uma maneira de dizer.  A mulher que o acompanhava, vinha estender duas toalhas à beira mar, e, por isso ali ficava umas horas deitada numa delas. Por vezes levantava-se e ia molhar os pés, o rosto e a cabeça. Ele nunca metia os pás na areia.

Sem dizer uma palavra, antes de entrar na areia, ele virava à esquerda e ia instalar-se numa cadeira  da esplanada do barzeco que ali havia. A empregada já sabia e trazia na bandeja  uma bica, um quarto de pedras e um copo.

De uma pasta velha, via-se que ele tiravas livros e um caderno  enquanto olhava distraído para o mar. Muitas vezes, via-se que olhava para a mulher deitada lá ao longe Lia a maior parte do tempo. De vez em quando, escrevinhava no caderno de capa dura, com aplicação.

Pensávamos que devia ser escritor, professor ou coisa assim.

Era assim, todos os dias, até este ano. Agora é quase assim: ele vem, vai sentar-se na esplanada, tira os livros. Mas, em vez do caderno e da caneta ele põe em cima da mesa uma pequena máquina  do. tamanho do. caderno. De vez em quando, como antes escrevia, agora bate no pequeno teclado, com aplicação. Textos? Cálculos?

Pela empregada do bar, ficamos a saber que, agora,  em vez do caderno ele usa um Powerbook Apple Mac. E não sabemos mais sobre ele. Fazemos apostas sobre o dia em que ele vai atravessar o areal e deitar-se na toalha que a mulher todos os dias para ele  estende cuidadosamente.


Agosto 1992

8

Hoje amanheceu sem sol. O nevoeiro tomou conta de tudo.

Ainda antes de me levantar soube tudo isso pelos ouvidos. A ronca do farol não descansou enquanto  não invadiu o meu torpor com o seu aviso à navegação. O meu corpo ainda navegou no mar dos lençóis por mais uns minutos, até que  senti o casco  bater nas pedras. Antes do naufrágio iminente, acordei realmente.

Levantei-me. Tomei um duche e vesti-me lentamente. Enquanto me vestia, ouvi um resmungo a perguntar as horas. Respondi: Dorme! Está muito nevoeiro e está frio!

Passei  à cozinha, preparei o café. Com as persianas levantadas, sentei-me â mesa da sala a bebericar o  café e a olhar para o manto de nevoeiro que não me deixava ver o mar.

Depois, com alegria, disse alto: "Bom dia para mim" enquanto ligava o computador e ajeitava as folhas dos esboços por onde me guio, ao ritmo da longínqua rouca do farol.

10

O poeta  caminha a largas passadas pela areia húmida. Não gosta da areia nos sapatos e por isso arrisca-se ao assalto da água..

Quando é assaltado por alguma imagem que não quer perder, baixa-se e escreve com o dedo na areia. Depois, agarra essa areia cuidadosamente e mete-a no bolso.

Tornou-se  em motivo de troça para toda a rapaziada da praia,  mas ele parece nem dar por isso. Ou não se importa mesmo nada.

Quando chega a casa, tira-a areia dos bolsos e espalha-a na mesa.  Já lá não estão as palavras. Mas ele está a vê-las na areia, enquanto liga o computador e as transcreve letra a letra para a memória do seu Macintox. Só depois de depositar as palavras ao  computador é que limpa a mesa.  Com cuidado para não riscar.

Quando Agosto chegar ao fim, o seu livro "Palavras de areia e vento" está pronto para ser impresso na Laser e entregue na editora.


2

1.

Falemos de casa. E das doces mãos que as afagaram nos estiradores. Ainda antes dos pedreiros desenharem, pedra a pedra, as linhas dessas mãos aventureiras. Que outros olhos  podem arriscar a luminosa dimensão do habitante futuro? Falemos de arquitectos, de uma batalha, do poder antigo dos deuses que criam as casas para cada um, segundo a sua felicidade. Falemos da paixão da desordem na criação, falemos da ordem na construção. Falemos harmonia e da luz. De uma janela nocturna e vaga, um arquitecto vê a cidade e sorri quando descobre, ao longe a sua impressão digital .

Um estirador é um campo de batalha. Hoje, os computadores ajudam a ganhar essas batalhas. Para a arquitectura, a Time Sharing comercializa soluções específicas baseadas em equipamentos Apple Macintosh. A Time Sharing instala soluções integrais para arquitectura - hardware e software.

2.

Falemos de casas na paisagem. O poder dos deuses é esse:  na paisagem espalhar uma casa aqui, uma casa ali. Ao distribuir as casas se distribuem as pessoas, os animais, as plantas, as pedras. A vida é feita das companhias, das que rastejam para o buraco da cave/caverna, das que voam para a boca redonda de um ninho na montanha da casa, das que estão na espera da luz e da sombra, das que pairam como a neblina da manhã. A vida é feita dessas .Esperamos dos arquitectos essa graça de amar a paisagem, em paz com ela, em guerra com ela.

Se alguma estrutura rasga o céu, há um risco que o lápis não concluiu e há um arquitecto que se sumiu no vento. Falemos de arquitectos, falemos da ciência, falemos dos construtores do mundo.

Um arquitecto precisa de desenhar emoções, mas também de desenhar frias solidões.  Um arquitecto pode sempre ser o arquitecto do seu destino. E pode desenhar uma solução informática para a arquitectura da sua casa de ideias. E pode contar com a Time Sharing e as soluções com base em equipamento Apple Macintosh. O arquitecto pode contar com a Time Sharing, uma  solução feliz. Porque sobra tempo da vida do arquitecto para a criatividade, para a imaginação, para a felicidade. Queremos viver em casas desenhadas por arquitectos felizes.


3.

Quem desenha a tua porta? Quem decidiu que a tua janela abre para esse lado da viela mais sossegada? Quem desenhou o passeio que te guia os passos? Quem imaginou o labirinto em que te perdes? Falamos dos arquitectos, do desenho das margens dos rios que nós somos. Se falamos de nós e da violência dos rios que galgam as margens, porque não falamos das violentas margens que nos comprimem? Porque não falarmos dos arquitectos?

O cão escolhe o sítio. Desenha as suas fronteiras de cheiro. E nós? Somos levados pela trela a percorrer o labirinto desenhado pelo outro, o arquitecto. Saibas tu identificar-te com o arquitecto feliz com cão.


A Time Sharing comercializa, através do seu departamento de CAD, uma solução específica dedicada aos arquitectos que é baseada em equipamento AppleMacintosh . Uma solução. Um projecto feliz - eis o que é o contacto do arquitecto com a Time Sharing - na rua da Saudade. Tenha saudade do futuro.. Há uma solução feliz para ela.  Na Rua da Saudade.







a desdenhar desdenho o desenho e ....


desdenha o que deseja de tal modo que tem saudades terríveis das reuniões descritas nos cadernos de trabalho que se guardam so pelos desenhos. à moda de um camponês que antes de semear ou plantar olha o campo plano e espalha a merda do estrume como se fosse um pintor a espalhar sangue numa parede sem sonhos 

 © arsélio martins, aveiro 

não preciso de sair e não preciso de entrar, não quero entrar e não quero sair: só quero descer escadas e quero subir escadas ou subir escadas para descer outras escadas sempre… sem paraquedas. 

uma amiga minha guardou uma cadeira que eu desenhei ainda em s.tomé e lhe ofereci para quando a visitasse me acomodasse a ouvir o que ela tinha para nos dizer. agora faz tempo que a não vejo. 

cada vez mais tempo para ver o tempo que passou. já não me lembro de quem o quê depois, quando me lembro do que ontem esqueci, fico a saber que ontem não foi ontem. as armas e os varões das camas que os alojam surgem quando menos os esperam só afago os rostos quando os desenho. afago desenhos. afogo os desgostos para não ter de os desenhar e afagar. não sei quem é, mas lembro-me de o ter visto mais que uma vez. nunca falei com ele, nem ele comigo. só mais tarde percebi que ele vive num caderno deste ano. Nunca acho graça ao que desenho ser o desenho deitado ao ser visto… 

 ninguém que eu conheça! - foi o que eu disse por ser verdade. Para acrescentar logo em seguida: Conheço o desenho e isso me basta. Que se sinta bem entre as duas folhas do livro que então lia. 
 Nunca sabemos por onde voamos e tudo fazemos para esquecer as quedas do ar no ar que, embora não pareçam, são as mais longas no tempo mesmo quando vivem num instante só. 

 sem asas, caminhamos. Já ocupámos lugares nos barcos que nos esperaram até à coragem da travessia. Já a vimos à escuridão da água depois da luz que vem, como sempre veio, antes do amor, pela outra margem do espelho entre a manhã e a noite, onde a noite mede o dia. de quem te lembras? quem segues ou quem te segue? algum dia viste a cara de quem segues? algum dia viraste a cara para veres quem te segue? só sabes que um dia falarás do passado e ouvirás um de vós - o outro - que te falará do futuro. ambos concordarão então que interessante é o futuro e dirão para quem vos queira ouvir mais tarde que só vos interessou um futuro bem passado. são máquinas, répteis, joelhos mostrando os dentes, a roda com mão na anca quem vê vê o quê? vê quem? Guardamos mais o que perdemos. 

sem sabermos como, voltam-nos à memória como visitas que se sentem bem passando pela porta aberta e se sentam na sala para não se calarem mesmo sabendo que nos apanharam a dormir e são, de novo, pormenores de um sonho. O mesmo acontece aos desenhos e sabemos porquê. se ela é quem eu penso está sozinha e nada há de dramático nisso quando ela existe assim desenhada e nada mais esperando a feijoada de búzio postal partiu e só por isso nada mais posso fazer. nós não sabemos o que fazemos. nem depois quando o feito é facto. como acontece a todos os factos, o nosso feito tem a diferença de cada olhar e de cada um quando o vê Há fotografias que mostram as poses muito variadas assumidas ao longo da vida, leve e pesado, alegre e triste, à soldado e à civil, homem: cabeça e rodinhas esperando a feijoada de búzio É quando vemos a escuridão do porvir que tentamos deixar de ver como se não pudesse ser nossa herança, essa escuridão. 

 
Assunto: história de um postal em viagem 

Tornou-se dificil comprar postais de correio para escrever, desenhar e para a arte postal. Sempre que encontro numa estação compro 10, 20 postais ou o que houver. Os abusos foram sucedendo. O branco do papel para a escrita passou a estar diminuído por um código de barras. A última fornada de brancos pré-comprados custaram, por unidade, 0.32 euros. Depois ainda fui comprar mais 20, pelos vistos a 0,36 por unidade e com quase todo o espaço ocupado por uma celebração em honra de alguém (frente e verso). Reparei na fotografia que ocupava o lugar para a identificação do remetente, mas não tive o cuidado de verificar o verso. E comprei. Entretanto recebi devolvido um postal, devolvido de Olhão e carimbado sobre a ilustração, e ontem recebi um outro devolvido de Lisboa com uma grande chapada colada na identificação do amigo que o receberia. É o tempo da privatização de uma empresa pública. Acabam as pequenas coisas que dão prejuízos, em particular abandonam as aldeias sem garantias de entrega atempada, experimentam-se novas logísticas com absurdas deslocalizações de serviços de Coimbra para Lisboa, ou Aveiro para Coimbra e das estações centrais do lugar onde estavam para a zona industrial, fazendo atrasar a entrega das cartas e encomendas normais para levar as pessoas a usar o correio azul e similar mais caro, etc E cereja no bolo, descobri-a só quando percebi que a franquia normal passou de 32 para 36 cêntimos, um aumento de 4 cêntimos sobre 32 cêntimos, ou seja, um aumento de mais de 12%, neste tempo em que (sobre)vivemos. Pagamos por haver só este serviço postal públicatéprivado? Pagaremos qualquer preço quando não houver outro serviço postal mesmo sendo privado mas livre de toda a concorrência? Não há regras a impedir que um distribuidor possa danificar propriedade intelectual alheia em circulação por um serviço pré-pago ou pago antecipadamente? Quem é que anda a perseguir-nos até nos tornarmos num país de tristes que nem postais podem enviar uns aos outros sem serem atropelados por algum bando de empreendeprivatizadores chanfrados? Não têm família que lhes dê nas canelas? A minha mãe diria: “Se não são burros, partem a merda com os joelhos!”

de abril de 1993.... na .... memória fm

Pecado é não conheceres mais, verdadeiros computadores e amigos pessoais, à força de ser melhor.

 1

Ontem imaginei as caras do amigo de hoje.

Procuro, pelas ruas de hoje, as faces.

Nasci para te procurar em todas as faces e quando te encontrar hás-de ler-me os olhos. Saberão distinguir-me entre todos os outros vultos. Mas serei eu a mostrar-te o caminho e a forma das asas que te falham. para transpor o abismo entre o que pensas que não sabes e a liberdade toda que te quero dar.

Eu procuro a tua curiosidade criativa e esplêndida. Procuro a face irrequieta - a juventude da vida por descobrir.

Tu verás em mim o pecado, sem pecado, da maçã original - fonte de todo o conhecimento do bem e do mal e da humanidade. Em busca do caminho de regresso ao paraíso, agora fonte de sabedoria sem limites, encontras-me como memória, caminho, ferramenta, interface.

Eu serei feliz contigo.


2

Quantas ilusões guardas no teu coração? Quantas descobertas tens por fazer?

Se não te chegam os dedos das mãos para contar as paixões que queres viver e se é preciso procurar em todas as imagens, em todos os sons, em todas as palavras a descrição para as tuas emoções então estás vivo e a vida está em todas as esquinas.

Há uma ciência e uma arte para os teus gestos. À primeira dão o nome de curiosidade, prazer na novidade, investigação. À segunda chamarão criatividade,  expressão  artística, gosto, desejo e busca da beleza.

Eu espero os teus dedos, ágeis instrumentos da tua inteligência. Mais  que uma ferramenta e extensão da tua inteligência, eu sou uma emoção a acrescentar  à tua vida.

Quantas ilusões guardas no teu coração? Quantas descobertas tens por fazer?

3

Quando abres a gaveta, encontras um poema, uma carta, a letra de uma canção que não quiseste esquecer, uma fotografia que tinhas esquecido, um cabelo roubado, um clip, uma folha amarrotada para uma fúria que já passou.

Quando fechas a gaveta, estás pronto para outra, que nem sabes qual é. Mas isso que interessa? Aumentas o volume do som do vídeo clip que não te cansas de sentir com os sentidos todos.

Há a memória das coisas feitas. E há a memória das coisas por fazer, uma memória do futuro. Que não te falhe a imaginação das coisas feitas e não te falte a imaginação das coisas que vais fazer.

Podes aumentar o volume? Eu gosto da música  e da letra - tanto como tu.


............ que ao tempo não ouvi o lido.....

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