a desdenhar desdenho o desenho e ....


desdenha o que deseja de tal modo que tem saudades terríveis das reuniões descritas nos cadernos de trabalho que se guardam so pelos desenhos. à moda de um camponês que antes de semear ou plantar olha o campo plano e espalha a merda do estrume como se fosse um pintor a espalhar sangue numa parede sem sonhos 

 © arsélio martins, aveiro 

não preciso de sair e não preciso de entrar, não quero entrar e não quero sair: só quero descer escadas e quero subir escadas ou subir escadas para descer outras escadas sempre… sem paraquedas. 

uma amiga minha guardou uma cadeira que eu desenhei ainda em s.tomé e lhe ofereci para quando a visitasse me acomodasse a ouvir o que ela tinha para nos dizer. agora faz tempo que a não vejo. 

cada vez mais tempo para ver o tempo que passou. já não me lembro de quem o quê depois, quando me lembro do que ontem esqueci, fico a saber que ontem não foi ontem. as armas e os varões das camas que os alojam surgem quando menos os esperam só afago os rostos quando os desenho. afago desenhos. afogo os desgostos para não ter de os desenhar e afagar. não sei quem é, mas lembro-me de o ter visto mais que uma vez. nunca falei com ele, nem ele comigo. só mais tarde percebi que ele vive num caderno deste ano. Nunca acho graça ao que desenho ser o desenho deitado ao ser visto… 

 ninguém que eu conheça! - foi o que eu disse por ser verdade. Para acrescentar logo em seguida: Conheço o desenho e isso me basta. Que se sinta bem entre as duas folhas do livro que então lia. 
 Nunca sabemos por onde voamos e tudo fazemos para esquecer as quedas do ar no ar que, embora não pareçam, são as mais longas no tempo mesmo quando vivem num instante só. 

 sem asas, caminhamos. Já ocupámos lugares nos barcos que nos esperaram até à coragem da travessia. Já a vimos à escuridão da água depois da luz que vem, como sempre veio, antes do amor, pela outra margem do espelho entre a manhã e a noite, onde a noite mede o dia. de quem te lembras? quem segues ou quem te segue? algum dia viste a cara de quem segues? algum dia viraste a cara para veres quem te segue? só sabes que um dia falarás do passado e ouvirás um de vós - o outro - que te falará do futuro. ambos concordarão então que interessante é o futuro e dirão para quem vos queira ouvir mais tarde que só vos interessou um futuro bem passado. são máquinas, répteis, joelhos mostrando os dentes, a roda com mão na anca quem vê vê o quê? vê quem? Guardamos mais o que perdemos. 

sem sabermos como, voltam-nos à memória como visitas que se sentem bem passando pela porta aberta e se sentam na sala para não se calarem mesmo sabendo que nos apanharam a dormir e são, de novo, pormenores de um sonho. O mesmo acontece aos desenhos e sabemos porquê. se ela é quem eu penso está sozinha e nada há de dramático nisso quando ela existe assim desenhada e nada mais esperando a feijoada de búzio postal partiu e só por isso nada mais posso fazer. nós não sabemos o que fazemos. nem depois quando o feito é facto. como acontece a todos os factos, o nosso feito tem a diferença de cada olhar e de cada um quando o vê Há fotografias que mostram as poses muito variadas assumidas ao longo da vida, leve e pesado, alegre e triste, à soldado e à civil, homem: cabeça e rodinhas esperando a feijoada de búzio É quando vemos a escuridão do porvir que tentamos deixar de ver como se não pudesse ser nossa herança, essa escuridão. 

 
Assunto: história de um postal em viagem 

Tornou-se dificil comprar postais de correio para escrever, desenhar e para a arte postal. Sempre que encontro numa estação compro 10, 20 postais ou o que houver. Os abusos foram sucedendo. O branco do papel para a escrita passou a estar diminuído por um código de barras. A última fornada de brancos pré-comprados custaram, por unidade, 0.32 euros. Depois ainda fui comprar mais 20, pelos vistos a 0,36 por unidade e com quase todo o espaço ocupado por uma celebração em honra de alguém (frente e verso). Reparei na fotografia que ocupava o lugar para a identificação do remetente, mas não tive o cuidado de verificar o verso. E comprei. Entretanto recebi devolvido um postal, devolvido de Olhão e carimbado sobre a ilustração, e ontem recebi um outro devolvido de Lisboa com uma grande chapada colada na identificação do amigo que o receberia. É o tempo da privatização de uma empresa pública. Acabam as pequenas coisas que dão prejuízos, em particular abandonam as aldeias sem garantias de entrega atempada, experimentam-se novas logísticas com absurdas deslocalizações de serviços de Coimbra para Lisboa, ou Aveiro para Coimbra e das estações centrais do lugar onde estavam para a zona industrial, fazendo atrasar a entrega das cartas e encomendas normais para levar as pessoas a usar o correio azul e similar mais caro, etc E cereja no bolo, descobri-a só quando percebi que a franquia normal passou de 32 para 36 cêntimos, um aumento de 4 cêntimos sobre 32 cêntimos, ou seja, um aumento de mais de 12%, neste tempo em que (sobre)vivemos. Pagamos por haver só este serviço postal públicatéprivado? Pagaremos qualquer preço quando não houver outro serviço postal mesmo sendo privado mas livre de toda a concorrência? Não há regras a impedir que um distribuidor possa danificar propriedade intelectual alheia em circulação por um serviço pré-pago ou pago antecipadamente? Quem é que anda a perseguir-nos até nos tornarmos num país de tristes que nem postais podem enviar uns aos outros sem serem atropelados por algum bando de empreendeprivatizadores chanfrados? Não têm família que lhes dê nas canelas? A minha mãe diria: “Se não são burros, partem a merda com os joelhos!”

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