o que se encontra


De um caderno antigo, cai-me um papel que tinha um recado


Do outro lado, da folha há quem exista por ter sido desenhado



em 1986, em alguma reunião do sindicato.

Babe, outra vez



Fotografias de José Carlos Soares

sonito

arranjei uma des
culpa para te te
lefonar esta vez
foi bom ouvir-te


mas saber-te dis
tante tão que es
queceste o feliz
riso entredentes


não te lembrares
do meu nome inda
vá mas do cheiro

o nada guardares
triste'sim find'a
mor num tinteiro

A aranha

Não há dia que passe sem que se desvele uma ou outra faceta mais ou menos confidencial de algum ex-ministro. Não fico muito perturbado ao saber que eles são quem são e o que são e o que fazem ou fizeram.

Na última semana, ficamos a saber da natureza das habilidades de Paulo Portas quando utilizou militares fardados para dar credibilidade aos ecos da propaganda americana durante a guerra do Iraque. Os militares cumpriram ordens expressas do poder político. Durante o tempo que durou a guerra, isso aconteceu sistematicamente. Há quem saiba que os militares não podem tomar a iniciativa de serem comentadores. Mas há muita gente que pode ter pensado em liberdade na iniciativa dos fardados e que essa presença dos militares era enriquecimento da informação e não manipulação pura.
Sabemos agora que mentiam com quantos dentes tinham na boca quando falavam das decisões sobre a Bombardier e a produção disto ou daquilo, ou quando enchiam a boca com a segurança interna, o reequipamento das polícias, etc.
Para além dos louvores e das nomeações de conveniência, ex-ministros trataram de formalizar negócios de milhões em fim de linha, em que o dinheiro corria dos cofres do estado para os cofres das empresas dos amigos. Apressados negócios feitos por governantes sempre de boca cheia para a moralização das contas públicas, para o controle do défice, ... para a necessidade de sacrifícios por parte dos trabalhadores, a começar na função pública. Os nomes a lucrar do lado do sector privado são figuras, figurantes e figurões que aparecem nas televisões como vasos comunicantes de sabedoria e honestidade. Andam por aí esses políticos que são banqueiros ou administradores por serem ou terem sido influentes políticos, etc. Sabemos dos negócios e sabemos dos nomes dos figurões, badalados em congresso. Sabemos até dos negócios porque o novo governo teve de anular alguns deles.

Não fiquei perturbado por saber o que afinal sabia.
O que me perturba é que estas actuações de Paulo Portas e governos só foram analisadas e criticadas pelos jornalistas e suas organizações depois da queda do governo. E dos negócios? Soubemos quando? De quantos?
Fico perturbado, porque me sobra uma ligeira sensação de controle da comunicação social que conta mais poderosos políticos comentadores que jornalistas livres de exercer a sua profissão.

[o aveiro; 14/04/2005]

para onde vou

para onde vou
a vida sucessiva rolante
basta como transporte

por quem eu sou
apressa-se vítima confiante
a amante rente à morte

A regra dos três simples

José Sócrates é Primeiro Ministro, Lurdes Rodrigues é Ministra da Educação e Valter Lemos é Secretário de Estado da Educação. Escrevo aqui os nomes, porque ainda hoje há professores nas escolas públicas sem saber quem é quem no Ministério da Educação.

Vi os três juntos em visita a uma escola dos arredores de Lisboa. Juntos e ao vivo enunciaram a regra falhada e a que chamo agora a regra dos três simples, enunciada também em comunicado do governo: "Os tempos escolares devem ser totalmente preenchidos...", isto é, que "em caso de falta de alguma actividade lectiva prevista, a escola disponibilize imediatamente uma resposta para os alunos" e, para conseguir isso, diz-se que "há em todas as escolas professores cuja disponibilidade deve ser plenamente utilizada pela escola para ensinar e acompanhar os alunos em todo o dia escolar" e que ?as escolas dispõem de recursos como bibliotecas,"etc... para "a ocupação plena dos tempos escolares".

Esta regra toca um dos pontos nevrálgicos do sistema - disciplina do horário escolar dos estudantes e horário dos professores. E, se é verdade que felizmente começa a haver instalações equipadas para o trabalho escolar com os estudantes não é menos verdade que não há condições mínimas para o trabalho não lectivo dos docentes e que é, por isso, impossível garantir a presença dos professores quando não estão a dar aulas aos seus alunos. Os professores do ensino não superior carregam toda a vida numa pasta ambulante, podem não ter sequer uma gaveta, não têm certamente mesa ou cadeira para o seu trabalho não lectivo que pode ocupar mais tempo que o lectivo.

Num país em que se lê pouco, não devia ser difícil fazer o mais simples: sempre que há tempo, cada um lê, todos lêem. Porque é que uma coisa tão simples como essa não funciona? Não deve ser só por dificuldades dos professores e das instalações.

É preciso criar condições para a permanência dos professores na escola e restaurar a exigência sobre a qualidade dos serviços de educação e ensino, exigindo aos estudantes responsabilidade e cumprimento de obrigações, iniciativa e disciplina.

Sem questiúnculas sindicais de horários a contaminar o que é um problema cívico de exigência, aproveitemos para lutar pela dignidade e exigir respeito e condições para o trabalho dos profissionais nas escolas públicas.

E se faça escola rigorosamente simples.


[o aveiro; 7/04/2005]

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