As cinzas que posso carregar comigo
Como comentário a uma entrada sobre a fala dos olhos que brincam com o fogo de um forno cremátorio, a minha amiga Maria Pedro escrevia, a despropósito, o seguinte:
Caro Professor,
a questão das figuras equivalentes na PAF do 6º ano está mal formulada. O rectângulo e o quadrado não são equivalentes. Se efectuar as medições e calcular a medida ada área, poderá verificá-lo.
Melhores Cumprimentos,
Maria Pedro
Dei-me então ao trabalho de ir a a questão das figuras equivalentes na PAF do 6º ano está mal formulada. O rectângulo e o quadrado não são equivalentes. Se efectuar as medições e calcular a medida ada área, poderá verificá-lo.
Melhores Cumprimentos,
Maria Pedro
http://www.gave.min-edu.pt/np3content/?newsId=7&fileName=Provas_2ciclo_mat.pdf
e, cuidadosamente copiar o quadrado e o rectângulo da questão 8 da prova de aferição do 6º ano (que convenhamos só por muita sorte teriam exactamente a mesma área depois de passarem por várias máquinas de desenho e cópia) e dei-me ao trabalho de as juntar num só desenho de cinza
Acharia já pouco natural, mas enfim não disparatado, que me colocassem uma dúvida dessas no
Natural é que coloquem todas as dúvidas e reclamações ao GAVE, gabinete do ME do governo do meu país democrático, sendo certo que o meu voto não contribuíu para tornar possível esse (des)governo.
Não percebo eu porque mereço comentários destes a uma reflexão melancólica sobre as minhas próprias cinzas no lado esquerdo para onde me virei no intuito de esmagar o meu coração. E fico triste.
Ou mereço e só eu não percebo porquê. Até porque não me pronunciei sobre qualquer questão em particular desta ou doutra prova de aferição. Há professores para fazer esses comentários detalhados sobre as questões referidas ao que fazem na sua arte de ensinar. Eu sou professor do 3º ciclo e do secundário e muito honradamente me esforço nesse sentido, sem me arrogar a mais que isso.
De qualquer modo, aqui fica uma ilustração interessante: duas pás de cinza sobre o assunto das minhas cinzas.
A fala dos olhos que brincam com o fogo
Ele levanta os olhos para dizer:
- A continuar assim, ainda vais morrer sozinha!
Ela, sem olhar, disse:
- Porquê? Vais deixar-me?
Ele concluíu:
- Não! Morro antes de ti e tu é que vais despejar-me as cinzas.
E, sem mais palavras, deitaram-se rindo como de costume.
- A continuar assim, ainda vais morrer sozinha!
Ela, sem olhar, disse:
- Porquê? Vais deixar-me?
Ele concluíu:
- Não! Morro antes de ti e tu é que vais despejar-me as cinzas.
E, sem mais palavras, deitaram-se rindo como de costume.
olhar para o chão
dei por mim a olhar para trás e não quero ser o que olha para trás de si que é o lugar do rasto, de rastos. de resto, a vida que interessa está presente. ou não está e nem existe. quando dou um passo em frente dou um passo em frente e nada mais que isso. ainda agora passei pelo que vejo a olhar para trás. ou já lá não está o que fui e olhar para trás significa ver o que não esperava ver? não olho para trás, não olho para a frente. hoje decidi olhar para o chão à minha frente. ando nisto há muitos anos e não vejo mal algum nisso a não ser a frustração de não achar o que resta depois da passagem dos outros. ou será que os que passam nada deixam que possa ver-se? a minha mãe também olhava para o chão meticulosamente e também não achava a passagem dos outros nem seguia rastos ou qualquer pista. por vezes via que ela parava e cuidadosamente arrancava do chão ervas daninhas para que secassem e fossem passadeiras dos passos seus e dos outros. eu não sei quais são as ervas daninhas e o chão não me devolve mais que um eco do meu olhar ignorante e
fazer falar?
falo do que faço. mas será que faço o que falo? falo de amor. mas será que? o que me faz falar? falo com amor, falo por amor, falo. nada faço, mudo.
faz barato, fala barato.
faz barato, fala barato.
asilo
lá fui vivendo enquanto as mais vulgares
palavras entretanto expulsas dos versos
pediam asilo em línguas estrangeiras
palavras entretanto expulsas dos versos
pediam asilo em línguas estrangeiras
canto da véspera
não projectei o plano do passado e não projecto o plano do futuro:
sobrevivo num separador plano de presente
qual brinquedo macambúzio
em vez do canto do tempo ouço
a tempestade longínqua
vinda da véspera como um tremor
nos alicerces
sobrevivo num separador plano de presente
qual brinquedo macambúzio
em vez do canto do tempo ouço
a tempestade longínqua
vinda da véspera como um tremor
nos alicerces
ela sabe.
o homem empurra uma carroça carregada com estrume. a mulher inda ao longe e já saúda em alta voz ti manel ti manel como vai? para onde leva a sua vida? o homem responde em voz baixa levo a vida a enterrar. e a mulher sem o ouvir sempre acrescenta pois ti manel faz bem em enterrar o seu esterco. o homem murmura mal ela sabe que eu estou mesmo a mudar de casa e eu mais o que a carroça leva é tudo o que tenho e cabe na cova que antes abri no lagoaceiro mal ela sabe. já a par com a carroça a mulher faz-se ouvir para só ele ouvir a nossa vida é uma merda manel. ela sabe.
durante a tarde
agora toma a minha mão direita na tua mão esquerda
e dá-lhe o puxão que ela aguarda ou deseja:
rasga-a de mim pelo pulso
rente à pulseira e algema
que a prende a ti
e dá-lhe o puxão que ela aguarda ou deseja:
rasga-a de mim pelo pulso
rente à pulseira e algema
que a prende a ti
de memória
fala-me de preciosas pedras de cristais de sal nas lágrimas da alegria
de um dos meus dias que seja recordação de alguma noite tua
uma luz devastada
e crua
se pudesses ver e ouvir
se pudesses falar
ou desenhar ao menos um gesto no ar
e eu sentisse que na tua memória
de olhos fechados
um dedo teu realmente
me reconhecera
como quando a tua noite
era o meu dia
sou velho demais para perguntar
esquecido de tudo lembro-me da tua voz
e de ouvir-te falar de pedras preciosas ou de cristais de sal em lágrimas de alegria
e um ou outro detalhe uma porta de ferro uma grande chave ferrugenta um livro escrito em braille a mão que tacteia a fala por golfadas de urgência
escutar, olhar e... parar?
Nós sabemos que as escutas sofisticadas são importantes na detecção, perseguição da grande criminalidade económica (e organizada) e da corrupção. Sob autorização de um juíz, à guarda de investigadores tutelados por um juíz que é então garante dos direitos individuais, da honra das pessoas envolvidas, etc.
Todos sabem que este sistema só pode funcionar se for rápido e eficaz pelos efeitos. Todos sabemos já que a melhor forma que o crime tem para combater as escutas é esvaziar os sacos de escutas na praça, misturando a vida privada de uns com a vida criminosa de outros, fazendo com que os crimes apareçam equiparados a conversas da treta.
E, desse modo, torpedear o trabalho da justiça, enredar tudo na teia recursiva que as aranhas do direito tecem. Tudo ao monte é o esconderijo ideal de cada crime. E a vulgaridade? Como é que se pára? Onde pairam os direitos e as garantias dos simples? E o julgamento seguido de prisão efectiva dos criminosos? Quantos andam por aí? Quantos são? Ninguém sabe, apesar de todas campanhas ninguém sabe e toda a gente sabe ou pensa que sabe, prendendo este ou aquele com a imaginação de quem não gosta e libertando outros e aqueloutros com a imaginação de quem gosta. Como é que se trava para parar e pensar?
Há quem diga que isto é preciso. De outro modo não se denunciam os crimes. Há mesmo quem defenda os julgamentos da opinião pública. Conhecem alguém que tenha sido condenado por algum crime julgado na praça pública? Uma parte destes criminosos vive de aparecer e ser citado muitas vezes e não do secretismo antigo.O secretismo de hoje é alguma coisa mais do nível do sincretismo global.
SINCRETISMO. Significa, originariamente, união dos cretenses contra o inimigo comum, porque habitualmente estavam desunidos. No século XVII, porém, pensando que o temo procedia do verbo misturar, passou ele a significar mescla de doutrinas derivadas de diversa proveniência: católica, luterana, calvinista. A partir daí, o conceito alargou-se a toda a forma de mistura – por justaposição, composição, sobreposição ou fusão – de doutrinas, de ritos, de imagens, de símbolos. (1)
(1) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.]
Todos sabem que este sistema só pode funcionar se for rápido e eficaz pelos efeitos. Todos sabemos já que a melhor forma que o crime tem para combater as escutas é esvaziar os sacos de escutas na praça, misturando a vida privada de uns com a vida criminosa de outros, fazendo com que os crimes apareçam equiparados a conversas da treta.
E, desse modo, torpedear o trabalho da justiça, enredar tudo na teia recursiva que as aranhas do direito tecem. Tudo ao monte é o esconderijo ideal de cada crime. E a vulgaridade? Como é que se pára? Onde pairam os direitos e as garantias dos simples? E o julgamento seguido de prisão efectiva dos criminosos? Quantos andam por aí? Quantos são? Ninguém sabe, apesar de todas campanhas ninguém sabe e toda a gente sabe ou pensa que sabe, prendendo este ou aquele com a imaginação de quem não gosta e libertando outros e aqueloutros com a imaginação de quem gosta. Como é que se trava para parar e pensar?
Há quem diga que isto é preciso. De outro modo não se denunciam os crimes. Há mesmo quem defenda os julgamentos da opinião pública. Conhecem alguém que tenha sido condenado por algum crime julgado na praça pública? Uma parte destes criminosos vive de aparecer e ser citado muitas vezes e não do secretismo antigo.O secretismo de hoje é alguma coisa mais do nível do sincretismo global.
SINCRETISMO. Significa, originariamente, união dos cretenses contra o inimigo comum, porque habitualmente estavam desunidos. No século XVII, porém, pensando que o temo procedia do verbo misturar, passou ele a significar mescla de doutrinas derivadas de diversa proveniência: católica, luterana, calvinista. A partir daí, o conceito alargou-se a toda a forma de mistura – por justaposição, composição, sobreposição ou fusão – de doutrinas, de ritos, de imagens, de símbolos. (1)
(1) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.]
dos impostos
quando alguém fala de aumentar os impostos a pagar pela banca, os banqueiros argumentam que isso não pode ser feito.
até porque diminui várias coisas a começar pela competitividade entre eles no mercado mundial.
só que não há competitividade de jeito se os estados garantirem os depósitos nos bancos e até mesmo, por essa insuspeitada via, transformarem a sua actividade arriscada em nada de arriscado.
sem necessitarem de cobrir os seus riscos, os bancos estão transformados em cobradores de lucros, permitindo que, mesmo em situações de crise e bancarrota, se distribuam prémios entre os gestores jogadores e apostadores activos na criação de crise e ruína.
que também não podem ser tributados para não amolecer a actividade frenética dos magnifícos criadores de crises financeiras ou a competitividade entre eles.
mas, para a sociedade reganhar credibilidade financeira, os banqueiros clamam agora pelo aumentos dos impostos sobre os outros, sinal necessário para o acesso ao crédito internacional a juros convenientes ao capital financeiro (inter)nacional.
dito de outro modo, podemos baixar a competitividade de quem trabalha (de quem produz capital por incorporação de factores de produção ou de trabalho) desde que mantenhamos a credibilidade e a competitividade de quem cria o dinheiro virtual, capital especulativo - esse que não incorpora qualquer valor ou trabalho produtivo.
dizem que não é bem assim que as coisas se passam e, que para haver jogo, temos de considerar altamente útil e produtivo o trabalho não tanto dos jogadores, mas da banca, desses que jogam com o dinheiro dos outros.
mesmo quando corre mal o jogo do capital virtual, o estado cobre as apostas com o dinheiro real da sociedade, com impostos dos que trabalham.
as crises financeiras ensinam-nos que a parte do capital com trabalho produtivo incorporado está longe de ser igual ao todo que a imaginação gananciosa dos banqueiros e jogadores acrescenta ou cria e, ao mesmo tempo, retira do jogo dos impostos de cada país.
a vida real tornou-se um jogo arriscado e perigoso para os que não usam máscara e têm rosto e suor.
triste e amargurado é o fado de quem trabalha. graça tinha o fado canalha no tempo em que o fadista lia as letras do artista. só que agora há a grande canalhice e há fados tristes para quem vê vencer letras ao balcão da pulhice. e fados há, em que os grandes canalhas, sobre a denúncia podem cantam que é calhandrice.
até porque diminui várias coisas a começar pela competitividade entre eles no mercado mundial.
só que não há competitividade de jeito se os estados garantirem os depósitos nos bancos e até mesmo, por essa insuspeitada via, transformarem a sua actividade arriscada em nada de arriscado.
sem necessitarem de cobrir os seus riscos, os bancos estão transformados em cobradores de lucros, permitindo que, mesmo em situações de crise e bancarrota, se distribuam prémios entre os gestores jogadores e apostadores activos na criação de crise e ruína.
que também não podem ser tributados para não amolecer a actividade frenética dos magnifícos criadores de crises financeiras ou a competitividade entre eles.
mas, para a sociedade reganhar credibilidade financeira, os banqueiros clamam agora pelo aumentos dos impostos sobre os outros, sinal necessário para o acesso ao crédito internacional a juros convenientes ao capital financeiro (inter)nacional.
dito de outro modo, podemos baixar a competitividade de quem trabalha (de quem produz capital por incorporação de factores de produção ou de trabalho) desde que mantenhamos a credibilidade e a competitividade de quem cria o dinheiro virtual, capital especulativo - esse que não incorpora qualquer valor ou trabalho produtivo.
dizem que não é bem assim que as coisas se passam e, que para haver jogo, temos de considerar altamente útil e produtivo o trabalho não tanto dos jogadores, mas da banca, desses que jogam com o dinheiro dos outros.
mesmo quando corre mal o jogo do capital virtual, o estado cobre as apostas com o dinheiro real da sociedade, com impostos dos que trabalham.
as crises financeiras ensinam-nos que a parte do capital com trabalho produtivo incorporado está longe de ser igual ao todo que a imaginação gananciosa dos banqueiros e jogadores acrescenta ou cria e, ao mesmo tempo, retira do jogo dos impostos de cada país.
a vida real tornou-se um jogo arriscado e perigoso para os que não usam máscara e têm rosto e suor.
triste e amargurado é o fado de quem trabalha. graça tinha o fado canalha no tempo em que o fadista lia as letras do artista. só que agora há a grande canalhice e há fados tristes para quem vê vencer letras ao balcão da pulhice. e fados há, em que os grandes canalhas, sobre a denúncia podem cantam que é calhandrice.
rua: fonte dos amores
FONTE DOS AMORES:
placas antigas implantadas num muro, um pequeno tanque, o buraco da fonte
e um anúncio de marca "aveiro" que reza assim: água própria para consumo humano.
LOUVADO SEJA O SANCTÍSSSIMO SACRAMENTO E A VIRGEM NOSSA SENHORA QUE FOI CONCEBIDA SEM PECCADO ORIGINAL
é o que está escrito a cinzel no mármore ao lado do anúncio
ÁGUA PRÓPRIA PARA CONSUMO HUMANO,
concebido sem nada de original, sem pinga d'água, sem pingo de vergonha.
evidências que não contam
As escolas podem até ter portas largas e grandes salas, como a que conhecemos melhor. Mas em muitas delas, são os corredores que dominam tudo. Eles guiam-nos ao encontro das turmas e de outros grupos. Parte da escola é a viagem pelos corredores, mastigando passos e pensamentos, sobre como melhorar relações com as pessoas, das pessoas com o conhecimento, das pessoas com o trabalho.
Os professores afadigam-se a produzir evidências daquilo que pensam ser a sua acção e isso raramente é o que lhes acontece, antes é o que transcrevem dos livros e documentos onde se descreve o que é bom que tenha acontecido. Professores em corredores longos e escadas panorâmicas coleccionamos evidências nos detalhes. E a estes damos mais valor do que a outras evidências documentais pré-fabricadas para uso das organizações de profissionais que as escolas também são.
Voltemos à conversa dos corredores onde podemos espreitar o mundo: da linguagem corporal e da babel de sons. Nestes detalhes vivem evidências da acção dos professores e, principalmente, do seu pensamento aguçado para as circunstâncias em que se desenrola a sua acção. Esclarecem-nos a forma ou o molde das nossas inquietações em resposta às condições existentes. Condições de trabalho, sim, mas especialmente de resposta da parte de quem aprende. Quem ensina e aprende está à espera, numa tocaia inconsciente, de tocar e seduzir quem aprende e quem ensina. Todas as oportunidades são boas para alegrias vividas por quem compreende e anseia aprender, por quem se deixa seduzir pela alegria de saber e de mostrar compreensão pelo mundo até querer fazer parte dele, parte activa dele, parte critica dele, parte.
Cansamo-nos a argumentar a favor da rendição, disparando uma série de pequenas informações e perguntas em vez do problema que precisa de ser interpretado e resolvido. Não acreditamos que algum jovem queira esforçar-se e damo-nos por satisfeitos com respostas a partículas de perguntas em que a grande pergunta se decompõe. Olhamos para os jovens como se eles tivessem uma cabeça de pássaro desatento (ou atento a milhares de coisas por minuto) sem poder concentrar-se em leituras atentas e activas, interpretativa.
E damos sentido (talvez sem razão) ao cuidado do professor de Português em transcrever um texto numa só página na esperança que seja lido e compreendido pelos jovens, ao cuidado de publicar as perguntas sobre o texto ao lado do texto para ter esperança em que eles busquem o sentido para as respostas, etc.
Estes detalhes espelham uma baixa expectativa e uma descrença nos jovens. Um detalhe destes por dia e nós sabemos que passámos a estar à espera sem esperança. Sabemos que não há um nexo simples entre ensinar e aprender, porque aprender exige esforço, depende da vontade. E que aprender pelo trabalho, de forma complexa e esforçada, é fonte de muitas alegrias. E que aprender um caminho de migalhas que se debiquem e se guardem, migalha a migalha, pode ser um papo cheio, mas não de alegria.
Não podemos desistir de exigir o esforço de interpretar e construir alguma coisa que exija mudança de página e memória e por, em cada momento, não importar o esforço da mudança de página e só interessa saber se o jovem sabe ou faz precisamente isto ou aquilo. E evitamos o que existe sempre e em todo o lado? Não podemos estar sempre a pensar em perguntas livres de todo o mal do esforço, qual minério livre da ganga em que se embrulha e esconde. Não podemos, mas os corredores mostram que o fazemos todos os dias. Sem pensar.
Continuar a empobrecer o nosso discurso até ser o já adquirido pelos jovens, por ser esse que eles percebem, ou motivar por vias estranhas ao nosso ensino e ao que é preciso que aprendam, talvez seja um caminho. Mas é um caminho sem regresso, porque as migalhas que fomos deixando para marcar o caminho de regresso ao futuro, foram parar ao papo de quem não vê a floresta do caminho que vai debicando, não pensa em deixar rasto, nem sabe de onde vem a luz que o guia.
Evidências que não contam. Detalhes que contam.
a página de educação; inverno/2009
Os professores afadigam-se a produzir evidências daquilo que pensam ser a sua acção e isso raramente é o que lhes acontece, antes é o que transcrevem dos livros e documentos onde se descreve o que é bom que tenha acontecido. Professores em corredores longos e escadas panorâmicas coleccionamos evidências nos detalhes. E a estes damos mais valor do que a outras evidências documentais pré-fabricadas para uso das organizações de profissionais que as escolas também são.
Voltemos à conversa dos corredores onde podemos espreitar o mundo: da linguagem corporal e da babel de sons. Nestes detalhes vivem evidências da acção dos professores e, principalmente, do seu pensamento aguçado para as circunstâncias em que se desenrola a sua acção. Esclarecem-nos a forma ou o molde das nossas inquietações em resposta às condições existentes. Condições de trabalho, sim, mas especialmente de resposta da parte de quem aprende. Quem ensina e aprende está à espera, numa tocaia inconsciente, de tocar e seduzir quem aprende e quem ensina. Todas as oportunidades são boas para alegrias vividas por quem compreende e anseia aprender, por quem se deixa seduzir pela alegria de saber e de mostrar compreensão pelo mundo até querer fazer parte dele, parte activa dele, parte critica dele, parte.
Cansamo-nos a argumentar a favor da rendição, disparando uma série de pequenas informações e perguntas em vez do problema que precisa de ser interpretado e resolvido. Não acreditamos que algum jovem queira esforçar-se e damo-nos por satisfeitos com respostas a partículas de perguntas em que a grande pergunta se decompõe. Olhamos para os jovens como se eles tivessem uma cabeça de pássaro desatento (ou atento a milhares de coisas por minuto) sem poder concentrar-se em leituras atentas e activas, interpretativa.
E damos sentido (talvez sem razão) ao cuidado do professor de Português em transcrever um texto numa só página na esperança que seja lido e compreendido pelos jovens, ao cuidado de publicar as perguntas sobre o texto ao lado do texto para ter esperança em que eles busquem o sentido para as respostas, etc.
Estes detalhes espelham uma baixa expectativa e uma descrença nos jovens. Um detalhe destes por dia e nós sabemos que passámos a estar à espera sem esperança. Sabemos que não há um nexo simples entre ensinar e aprender, porque aprender exige esforço, depende da vontade. E que aprender pelo trabalho, de forma complexa e esforçada, é fonte de muitas alegrias. E que aprender um caminho de migalhas que se debiquem e se guardem, migalha a migalha, pode ser um papo cheio, mas não de alegria.
Não podemos desistir de exigir o esforço de interpretar e construir alguma coisa que exija mudança de página e memória e por, em cada momento, não importar o esforço da mudança de página e só interessa saber se o jovem sabe ou faz precisamente isto ou aquilo. E evitamos o que existe sempre e em todo o lado? Não podemos estar sempre a pensar em perguntas livres de todo o mal do esforço, qual minério livre da ganga em que se embrulha e esconde. Não podemos, mas os corredores mostram que o fazemos todos os dias. Sem pensar.
Continuar a empobrecer o nosso discurso até ser o já adquirido pelos jovens, por ser esse que eles percebem, ou motivar por vias estranhas ao nosso ensino e ao que é preciso que aprendam, talvez seja um caminho. Mas é um caminho sem regresso, porque as migalhas que fomos deixando para marcar o caminho de regresso ao futuro, foram parar ao papo de quem não vê a floresta do caminho que vai debicando, não pensa em deixar rasto, nem sabe de onde vem a luz que o guia.
Evidências que não contam. Detalhes que contam.
a página de educação; inverno/2009
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Nenhum de nós sabe quanto custa um abraço. Com gosto, pagamos todos os abraços solidários sem contarmos os tostões. Não regateamos o preço d...
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