sair de casa

eu saio de casa para ir em redor da casa sempre pelas mesmas ruas, cumprindo rotinas que não sei de onde vêm e são por isso não rotinas. espero as pessoas que quero ver todos os dias no outro passeio que não o meu e aproximando-se pela minha frente ou sej am sentido contrário ao meu. as pessoas que eu quero ver nem as conheeço e elas nem sabem que eu existo, simplesmente me cruzo com elas e elas sorriem ao meu assobio que varia muito dependendo das música s que vou ouvindo e sobre alguns temas conhecidos a partir dos quais são os assobios improvisados. para mim, basta-me as pessoas que passam em sentido contrário ao meu e sem me reconhecerem. esta rotina permite-me caminha depressa e não parar. às vezes um conhecido trava-me e tece considerações sobre a música, o tempo e a família e eu disparo disparates como se precisasse de falar muito que é uma forma de não ouvir o que ainda não sei por ser actual ou que não quero saber de novo. há dias em que penso mesmo que sou feliz e já ouvi pessoas que me conhecem há muitos anos garantir que eu sou um tipo muito feliz e de bem com a vida. assobio a isso.

ir por dentro deste mundo é envelhecer

espera

as cadeiras cruzam-se nos corredores trocando sorrisos, vénias, cumprimentos respeitosos uns, interessantes outros como passos de dança. as cadeiras entrelaçam-se cada uma rodando em torno de uma perna da outra até que aquela menos robusta se deixa colar à parede onde tudo se dá ou tudo se pede.

a demolição

por aqui, como em casa, nunca abandono as pequenas coisas. não sei abandonar. a maldição de não saber sair de casa onde se amontoa a tralha que a enche como se enche o casinhoto ao canto do campo com as ferramentas e a sua ferrugem nem as ferramentas nem a ferrugem existem enquanto eu continuo a guardar na cabeça cada uma delas e as veja olhando o rasgão aberto, instalado na cabeça que não abandona e eu não abandono a ela antes de ser abandonado por ela

lembrança da vida real por via de conversas em Vila Real

Ontem fui à Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro participar num debate sobre o ensino de ciências e tecnologia e a investigação também em C&T. Quando o moderador decidiu apresentar-me citou este blog (o lado esquerdo) como prova da minha intervenção cívica. De facto, este site foi criado como depósito de textos escritos para um jornal local "o aveiro" que já nem existe e aqui foram depositados textos durante vários anos, uns mais ou menos jornalísticos e outros mais feitos de deambulações. Mas deixou de ser isso a partir da altura da morte de "o aveiro" e, especialmente a partir da minha aposentação.


Sem outro objetivo que não fosse respeitar/depositar (um registo) as minhas desorganizadas reflexões, leituras e divagações feitas antes e depois da aposentação. O envelhecimento de todos nós e a morte de alguns amigos, especialmente José António Moreira que era a voz, a música escolhida, o alinhamento e a realização (seja isso o que for), a gravação de vários programas de rádio, e mais tarde podcasts", mudaram-me já que me lembraram que eu não tinha feito qualquer depósitos dessas divagações escritas ao longo dos anos nem tinha organizado qualquer depósito disso e os guardadores desse rebanho de ideias começavam a desaparecer.


Os programas de rádio tinham emissora
  1. Radio Independente de Aveiro com José António Moreira e os programas também:
    • "Dedo no Ar" (educação) - 3 séries - vários anos;
    • "Golpe de Estado" (clandestino, de que não sobrou mais que um papel com um desenho e a ideia de ser tão improvisado como a vida é até ter falecido precocemente);
    • "Aldeia Global" (textos gravados com as vozes das crianças André Moreira e João Martins e escolhidos, traduzidos e escritos por mim como responsável na escola do projeto Apple Global Education) "Círculo Virtuoso" (ainda tenho de verificar o que seriam os textos, escritos por mim seguramente na totalidade ou em parte
    • "Sons da Escrita" de longa duração e da responsabilidade exclusiva de JAM de divulgação da literatura especialmente a poética e sobreviveu como o primeiro podcast desta face europeia;
    • "PreTextos" (diário das minhas divagações, em que foram integrados textos de André Moreira e, penso eu, de José António Moreira quando a minha vida andava enredada em outros eixos: projetos de formação intensiva, associativos ou políticos)
  2. Rádio Oceano (?) com o programa
    • "Feira do Livro" temos escolhidos, escritos e ditos por mim e pela Manuela Seiça Neves com apoio técnico de Francisco Vaz da Silva que também tinham feito parte do círculo virtuoso do Dedo no Ar.

Tinha e tenho problemas de memória com a escrita para a rádio que não foi guardada e muito menos organizada em lado algum a não ser em memórias que já não podem ajudar. Eu costumo dizer que escrevi para ser ouvido (lido, gravado, radiodifundido no tempo em foi escrito e nada mais). Já não posso ter esperança na minha capacidade de organização e memória. Por isso, e à medida que reencontro papeis (partes dos discos e dos sites não são legíveis porque são velhos ou foram fechados por quem, não sendo dono dos conteúdos, tinha meios e autoridade(?) para fechar). E eu sou um distraído da minha vida. Misturados com coisas de ontem e de hoje, sem querer saber se já estão guardados em algum sítio, mantive
  1. o blog GEOMETRIA
  2. e o mooodle AS GEOMETRIAS feito de restos e memórias que foram dinâmicas e talvez ainda sejam, exercícios elementares


E criei outros lugares onde guardo, como restos de memória persistente, alguns textos de ontem e de hoje em artigos e páginas à medida das guinadas de memória, encontros com papéis e com livros e pessoas. Aqui estão alguns (url):
  1. aposentos:reforma e reformatório
  2. mesura"
  3. desenha

a vida que nem conhecemos


A dona palmira e o legista amigo do velho que lia jornais

Quando O velho partiu, já tinha posto as leituras daquele dia em dia. Sentado no sofá com o jornal sobre os joelhos, o velho dormia como habitualmente. Dona Palmira disse, como sempre diz: "Bem, está tudo arrumado! Vou andando! Até amanhã!" E foi-se para a sua vida, sem ter ouvido uma palavra do velho. Como sempre, o velho quedava-se mudo e quedo perante a loquacidade de Dona Palmira e ela já se tinha habituado e até tinha moderado as conversas e a cantoria enquanto trabalhava nas manhãs do velho leitor de jornais. O médico legista havia de dizer no dia seguinte (com a Dona Palmira ouvir) que o velho tinha partido antes dela sair no dia anterior e que, sim!, lhe parecia que o seu velho amigo tinha posto as leituras daquele dia em dia porque devia ter sido a última página do jornal de há duas semanas a dar-lhe a volta às tripas.

como se desenha um quadrado andando

sei bem como se forma um quadrado com pessoas
usei-as em quadrado como santo e condestável
usou em batalha contra os castelhanos sei bem

como podemos avançar, recuar ou rodar sem desfazer
o quadrado e basta-nos ajoelhar para não ser mais
que um cubo de escudos metálicos a brilhar ao sol

e como podemos parecer uma só carapaça sem cabeças

sei bem que o medo é impotente num combate travado
quando olhamos os inimigos de dentro do quadrado

cada um sentindo os nós que o prendem a outros dois
sentindo como é impossível qualquer debandada

que não seja uma pequena corrida para a morte

um mais um não são dois nem um


da varanda à nuvem, um passo

adormece

adormece, adormece, esquece quem quer que seja
não é preciso ouvir todos os ruídos da casa nem
avaliar o valor das jóias que não tiveste nem tens
nem rever o filme da tua vida nem há quem o reveja

tudo fizeste para que de ti nada sobrasse nem pó
que as cinza já as espalhaste em vida numa vinha
logo tu que já nem és nem deixas mulher sozinha
e não sendo de boa cepa nem queimado és o pó

da terra que não te quer e do ar que te não respira
só te resta adormecer sem querer saber ver ouvir
escutas de ti mesmo e só conjugas o verbo tossir
tens ainda presa em ti a morte quando a vida expira

para além do teu pesadelo inventado: vida e festa
de ti da tua morte da tua vida nada nem rasto resta

talvez ainda um dia alguém refugiado do inferno
te use sem saber de ti para aquecer-se no inverno

escola


nesta eternidade de buracos nas nossas ruas e de pavimentos instáveis, a água e a lama facilmente voam e nos atingem lançadas pelos carros passando. hoje, bastou-me caminhar descontraído passeio fora para, numa passada simples acordar a água e a lama sob uma placa do passeio e ver como ela se atira às nelas de qualquer peão.
água e lama do caminho

icosaedro mergulhado na escuridão

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