A Câmara Escura

No dia 25 de Março de 2003(!), a Cooperativa Chave entregou na Câmara um projecto de arquitectura para o lote 21, último na Urbanização Chave. Passou a ser o processo 110/2003, para os serviços da Câmara e para a Chave. Até ao fim de 2003, não há no dossier da Chave qualquer ofício ou papel da Câmara. Tem-se uma lista dos telefonemas à Câmara (ou para nada) feitos pelo arquitecto. No dia 26 de Janeiro de 2004, há um pedido de informação da Chave sobre o andamento do processo, com referencias aos Decretos-Lei 555/99 e 177/2001. A 30 de Janeiro de 2004, sem ter recebido qualquer resposta ou despacho, a Cooperativa vai enviar aos Serviços Municipalizados a especialização de água e esgotos, e, a 9 de Fevereiro, trata das aprovações do projecto de electricidade junto da EDP/CERTIEL, que, a 6 de Abril, entram na Câmara. Sem qualquer despacho sobre o processo da arquitectura, em 25 de Fevereiro, são entregues projectos das especialidades. No dia 20 de Março, o Presidente da Câmara participa no lançamento da primeira pedra deste empreendimento(?). Em 6 de Abril, a Cooperativa requer informação, o que volta a fazer no passado dia 21 de Maio. Também me disseram que a Comissão de Coordenação da Região Centro respondeu a um pedido de parecer sobre o processo e os prazos.
Passou mais de um ano e nem um papel a Câmara produziu sobre o processo 110/2003. Pelo menos, a Cooperativa não recebeu coisa alguma.

Há 25 anos, a Cooperativa aguentou anos e anos sem ter conseguido construir uma casa. Todos sabem que a existência da Cooperativa depende da vontade dos cooperadores e só nós, cooperadores, a podemos matar. Mas,... o processo de construção da Urbanização Chave exigiu que fosse levantada uma pequena empresa cooperativa. E sabemos, nós e o Presidente da Câmara, que a empresa cooperativa pode ser assassinada pela incúria impune dos serviços públicos. A falta de resposta e despacho asfixia a empresa cooperativa e, quem sabe?, algumas outras empresas. A favor de quem?

Não posso acreditar que tenhamos eleito a Câmara para isto. Não pedimos qualquer excepção; só pedimos razão para a nossa razão. E clemência! Nunca fui em futebóis, mas, se vier resposta, prometo ir ver um jogo de futebol. É obra!

[o aveiro, 27/05/2004]

Dormideira

Vestida de negro, uma avó embala o neto cantando baixinho: "o meu menino tem sono, ai, ai / tem sono o meu menino, ai, ai / ó, ó lhe vou cantando / até que ele perca o tino, ai, ai". Posso lembrar-me do tempo em que podia perder o tino, confiando a um colo protector a minha existência. Do outro lado da rua, ainda sobrevive uma leitaria ou um café que não destruiu as mesas e cadeiras antigas. Posso lembrar-me do tempo em que esperava a camioneta para voltar a uma aldeia protectora de onde não queria e queria sair. Do lado da paragem da camioneta, olhava as mesas redondas com cercaduras de metal e imaginava-me no degrau que separava as duas diferentes salas de estar da leitaria. Por alguma razão, conforta-me lembrar os lugares que dormem e sonham sem mudar de cara. Por alguma razão, conforta-me pensar nesse lugar do tempo em que podia perder o tino ao colo da minha mãe. Sei que fui criança a cabecear, no embalo da ladainha em latim da igreja da minha aldeia, embrulhado no xaile da minha mãe. Descanso.

Recebo, na minha caixa de correio, um panfleto de um 'comité por um Portugal livre - free Portugal' que reza assim: "Tem compaixão de Nossa Senhora. Com o teu voto não permitas que o Seu Filho seja posto fora da Europa" No verso, há um alerta. Diz-se que o Parlamento Europeu tomou a "inquietante decisão" de chumbar "uma proposta do PPE, na qual se pedia que se fizesse uma referencia explícita às raízes cristãs da Europa no texto da Constituição Europeia". E, a seguir à frase: "É triste ver como os da esquerda votaram contra", um quadro esclarece o sentido do voto de cada deputado português, sem esquecer de colar ao PSD e ao CDS a sigla da coligação para as europeias "Força Portugal". Eles (quem são eles?) não aceitam outras opiniões, outra fé ou falta dela, nem as raízes mais fundas. Estarão dispostos a uma cruzada? Fico para aqui a tremer de medo (tenho razões para isso) e a torcer-me de riso com o ridículo da grandeza de alma cristã dos euro-deputados do PSD e do CDS-PP. Oh, Cristo, vem cá abaixo ver isto! - diria a minha mãe.

Assim se estraga uma boa recordação da infância que me tinha embalado no fim de semana. Veio-me à memória o retrato do retardado fascista Américo de DEUS Rodrigues Thomaz exposto nas paredes interiores da igreja da minha infância.

Em liberdade, algumas almas penadas querem as nossas depenadas. E, por isso, não posso deixar-me embalar, adormecer e perder o tino. Confiar a minha alma a esta malta de capitalistas liberais maoístas e maus cristãos é condená-la às penas do inferno, seja o que isso for.

Como um Cristo (que sempre fui - é o que dizem!) e acordado, vou votar contra.


[o aveiro; 20/05/2004]

Trackback?

Tinha instalado o "trackback" ou lá o que é, na altura, das comemorações do 25 de Abril, para fazer ligações ao "Posto de Comando". E estava a preparar-me para desactivar a coisa. O companheiro d'O Prego no Sapato falou-me do Professorices e do artigo Como usar o "trackback".
O argumento a favor do "trackback" é bom. O professor é bom. Estou a experimentar. Caso funcione, aqui fica o agradecimento e a recomendação para uma visita a outro mundo. Esse blog e a página pessoal do autor constituem um bom ponto de partida para entrar no debate sobre o ensino superior em mudança.

Lei de Bases de barro.

N'O prego no sapato escreve-se sobre a "Lei de bases do sistema Educativo". Isto mesmo:


Passando pelos intervalos da chuva e praticamente sem discussão pública vai ser votada a lei de bases do ensino, apenas com os votos da maioria. Deve tratar-se da medida mais absurda e demagógica das muitas a que temos assistido na vigência deste governo. Choveram apelos à discussão, à busca de consenso, a alterações pontuais de aqui e dali, mas o governo não ouviu nada. Fossem elas vindas dos partidos da oposição ou de instituições de ensino, o governo preferiu manter-se no mais profundo autismo político e fazer aprovar uma coisa que terá a validade do executivo. Ou seja, nenhuma. Passaremos os próximos anos debaixo de uma avalanche diluviana de problemas até que se perceba que a lei de bases é para esquecer. E o pior disto tudo é que nesta enxurrada irá o que ela tem de bom e o que tem de mau, sendo previsível que para o ensino sobrará o caos que já é visível. Lamentável.



E eu estou de acordo.

a educação da vida

A violência das torturas nas prisões do Iraque e à sua volta e a instrução do caso Casa Pia ocupam os noticiários de toda a semana que passou. Mas, para mim, foi uma semana da educação.

Por um lado, uma bronca nos concursos de professores estalou e, com ela, o delírio politico e o cheiro a irresponsabilidade vieram para a boca de cena e tomaram conta de tudo. Já não bastavam os problemas de fundo da educação. O Ministério decidiu acrescentar desgraças várias à colocação dos professores que, para além do problema técnico, pode significar insegurança persistente. Já não é a primeira desgraça. Certas medidas do Ministério, que exigiriam prova de competência técnica e bom senso, têm cheirado a incompetência e deixam marcas negativas. Foi assim, no passado recente, com a imprudência da ingerência no sistema de exames e é agora com as mudanças desastradas nos sistema de concurso dos professores. Lá se foram alguns louros que, no campo da educação, o governo procurara ganhar com a campanha politica da luta contra o abandono escolar.

A semana da educação, da iniciativa do Presidente da República, pode ter sido prejudicada por estas provas dadas pelo Ministério. Mesmo assim, sempre se escreveu alguma coisa sobre o estado da educação e sobre as mudanças necessárias. Para alem das visitas a instituições escolares de vários níveis e um pouco por todo o pais, o Presidente da República promoveu algumas sessões em que especialistas europeus puderam falar do problema da educação nos países da Europa comunitária, apresentaram e discutiram possíveis caminhos das politicas de educação. Portugal tem atrasos relativamente aos restantes países da Europa comunitária que parecem mais graves na Europa dos 25.

A escola pública é, nestas alturas, centro de atenções. Todos esperam da escola pública que ela seja a garantia da educação e ensino para todos e, com tais condições e qualidade de serviço, que ninguém a queira abandonar e onde todos queiram aprender e ficar motivados para estudar ao longo de toda a vida. A escola pública é escola de massas e, apesar disso ou por isso mesmo, tem de ser uma escola exigente para pessoas exigentes. Desenvolver valores da educação e o interesse pela aprendizagem junto das famílias em todos os sectores da população é fundamental para a escola pública.

A escola pública não pode ser um reduto assistencial, disse um especialista espanhol. E tem de ser escola para todos e garantindo que todos adquiram as competências básicas necessárias ao mesmo nível, disse um especialista francês. Eduquemo-nos para acreditar nisso até que seja realizado, estudando cada dia da vida enquanto nos aproximamos do futuro. Sem medo.


[o aveiro; 13/05/2004]

Os ultra-sons(os) do apito.

A semana passada foi marcada pela crispação do primeiro ministro do nosso governo. Numa intervenção, decidiu desvalorizar os argumentos dos Verdes pondo em causa a sua existência como grupo parlamentar, na base de que nunca teriam concorrido sozinhos a eleições. Argumentar assim é a irracional reacção de quem não tem razão e sabe disso, mais ainda da parte de um dirigente de partido coligado. Noutra intervenção, perdeu as estribeiras quando questionado sobre um empréstimo do banco do estado a uma multinacional, em Portugal representada por um (?ex-)embaixador e(?ex-)membro do governo, para uma operação de privatização de capital da petrolífera nacional.
Porque é que estala o verniz (e com tanto estrondo) a este primeiro-ministro? Eu compreendo-o. Para este momento de glória, já sobrava, em estridência, o apito dourado que compromete altos responsáveis do partido do governo, autarcas e patrões do negócio do futebol. Alguns deles têm tantos cargos (no público e no privado) que devem baralhar tudo. Não há novidades especiais nos casos em disputa. O primeiro ministro diz que estas denúncias (sem provas) enfraquecem a democracia. Será?
É verdade que os cidadãos podem e devem ser livres de ter actividades em sectores de negócios e devem manter intactos todos os seus direitos e deveres políticos. Mas o centrão (ps e psd) da alternância tem vindo a demonstrar um apetite insaciável por ganhar no público a influência (e a competência?) que lhe falta para partilhar negócios privados. Suspeitamos que o que se está a passar é que a passagem pela política e, em particular, pelo governo ou pela administração de empresas públicas, se tornou um meio para atingir fins privados no privado. Em cada grande negócio de empresas de capitais públicos vimos sempre, do lado do privado interesse, alguém conhecido da politica. Em algumas destas personalidades não suspeitávamos especiais competências para a gestão e administração empresarial, mas parece que afinal não há gestores ou administradores nas sociedades privadas. Que dizer do antigo ministro da economia do ps que está à espera do fim de um prazo qualquer para assumir a administração de uma multinacional que ganhou uma candidatura numa privatização decidida no tempo em que era ministro e árbitro no negócio? Estes árbitros estão a passar-se. Quem defende os interesses do Estado?
O silêncio não defende a democracia.

[o aveiro; 6/5/2004]

Nasce! Grita comigo!

Nasce outra vez! Grita
comigo engole
todo o ar do meu mundo.

No rio de ar nascido
do teu choro de asfixia
morra eu ao teu primeiro segundo.

revolução que canta

O 25 de Abril é sempre o centro de uma certa gravidade. No intervalo de tempo centrado no 25 de Abril, multiplicam-se as iniciativas comemorativas a favor (ou contra) da presidência, da assembleia, do governo, dos partidos e da sociedade civil desta República de Abril. Contam-se histórias, faz-se a história, cria-se história.


Os comentadores mais inteligentes e letrados podem até dizer-nos, para nosso deleite intelectual, que os tipos que fizeram a revolução eram uns cretinos que liam o Marx de véspera, que os documentos da época eram umas coisas mal amanhadas que nem valiam o papel em que eram escritas, que isto e mais aquilo. E gostamos mesmo de ler aquelas coisas. Quem é que, agora a esta distância temporal e prenha de experiências vividas, ao visitar o passado e ao reler o que foi escrito há 30 anos não tem vontade de rir e não se espanta como é que aquelas coisas puderam ter tanta força? A força na circunstância!
As mais belas análises dos nossos sociólogos e historiadores, colunistas de hoje, que tão bem detalham pensamentos profundos, não valem mais que o momento da vingança na escrita e na leitura. É injusto. Profundamente injusto. O pior de tudo é que os “comentadores” até sabem como tudo se passou e como aquilo tudo foi uma sucessão de coisas menores, de actos medíocres motivados por pequenos egoísmos e cobardias de soldados e capitães que não queriam combater, seguidos de jogos de bastidores em que os políticos faziam mais manobras de coristas que de estrategas, levando o pais ao desastre.
Portugal foi incapaz de uma verdadeira revolução capaz de encher as medidas aos “valentes” e polidos pensadores de hoje. Era de esperar. Raio de país. Desgraça de povo, zé povinho sempre manipulado. Como sempre, como todos. Não é? A revolução não é coisa bonita, nem inteligente. E ainda por cima, sem mortos nem feridos, e pessoas do mais vulgar que há a mandar nos momentos mais decisivos! Palavra de “tia”!
De outro lado (ou do mesmo?), o nosso empresariado (o que é nacional existe?) a fazer as suas propostas de compromisso, nestas alturas. Que as partes cumpram com os seus compromissos, para que possamos todos exigir em conformidade. Eles cumprem? Há uma revolução ou contra-revolução sempre em curso, conduzida pela inteligência p-saltitante (entre público e privado) que está a esganar (pela fraude) o estado social, ao mesmo tempo que apresenta, no melhor papel, um caderno de (des)encargos ao governo. Afinal, eles estão no governo contra o estado. Conselhos de “tia”!



Eu vivi muitos anos antes e muitos anos depois de 1974. Já cá cantam os anos que passaram e uma revolução entrou a cantar para dentro da história da minha vida. Continuo a ouvi-la, mesmo enquanto leio as reprovações e as provas da sua não existência.


[o aveiro; 29/4/2004]

o andar do corpo

se assim fosse o abismo
o que eu vejo quando olho para a rua da varanda
do teu andar

a arte entre os dias

se ensinas uma teoria sem teoremas não tens que dominar a arte e a técnica da demonstração

podes ver que os teus aprendizes crescem contigo
se eles abrem no corpo da tua companhia um postigo por onde coam raios de luz e por onde disparam
ou certeiras formas baças contra os dias mais calmos
ou rigorosas cores brilhantes para os corações das inquietantes e esguias árvores que se movem por dentro dos dias mais húmidos

ou balas tão perfurantes como verdadeiras para uma cisterna de sede

os aprendizes nada te exigem: nem demonstração nem resposta

eles são aprendizes e sabem que as tuas respostas vão esvair-se como se esvai o sangue vermelho da nuvem desfeita em lágrimas ardentes por dentro da ausência de uma armação sem tela

eles são aprendizes e sabem que para ti as mais intuitivas de todas as respostas são sobre a cor do vento e a forma do ar


eles são aprendizes e sabem que o espírito deste lugar habita nesse que mostra e não demonstra

re(des)encontros de abril

re(des)encontros de abril

re(des)encontros de abril

caridade.

a separação
entre a terra e o céu
tem de ser registada em cartório notarial
para valer

Amar perdidamente!

Hoje lá recebi mais uma fotografia em que apareço a dormitar. De há uns tempos a esta parte, os meus amigos não resistem a tirar-me fotografias ao sono solto que solto nas circunstâncias mais variadas e também mais inconvenientes. É da idade.

Algo parecido querem que aconteça à revolução do 25 de Abril. Há quem diga que a revolução está velha e há mesmo quem diga que está a morrer. Outros até dizem que não foi revolução. Há quem diga que foi uma revolução do passado do seu tempo. Há quem diga que mais valia que tivesse sido de outra forma e que podia ter sido de outra forma.

A revolução portuguesa de 1974 apanhou-me na tropa, depois de ter sido militante estudantil anti-fascista e a ser ou em vias de me tornar militante activo de organizações de extrema esquerda. Sempre a militar! E que desastrado militar! Depois da revolução de 1974, continuei a viver a pura e livre euforia da vida. Com o 25 de Abril perdi muito… medo. E mortos. E guerras sujas. Só isso? Nem queiram saber o que mais ganhei!

Não quero resmungar contra o passado. Se eu soubesse então o que sei hoje, outro galo me cantaria? Não, eu não quero incorporar no passado a sabedoria do futuro. Quero continuar a saborear a liberdade tal como ela me foi apresentada, nua tal qual a amei. Quanto mais sentia a falta dela, mais desesperadamente a amava. Quando ela chegou, dei comigo sem saber como lidar com a nossa relação e o máximo que consegui foi dar-lhe a mão e convocar uma manifestação para cada primeiro dia do resto da minha vida. À liberdade fiz juras, promessas de amor eterno e desejei-lhe vida eterna no meu pais, até que os mais novos não imaginassem um tempo sem ela. Tantas vezes lhe gritei o nome que há uma voz gravada nas paredes das ruas a sussurrar-me o seu nome: liberdade.

Estou velho e dormito amiúde. Adormeço mais vezes para acordar feliz mais vezes. Vou morrer um dia e não haverá sinal da minha passagem. Já a revolução de 1974 vai estar por aí acordada no novo tempo que, sem ela, não seria o mesmo e seria triste.

E, à sua passagem, como efeméride, aguço a minha atenção para sentir os sinais dos homens e das mulheres livres, que isso é sentir o que senti quando carregava às cavalitas os filhos para sermos a multidão do 25 de Abril. O 25 de Abril de sempre!


[o aveiro, 22/4/2004]

bouro

abrir os olhos para ver

bouro

abrir os olhos para ver

vilarinho de perdizes

abrem as janelas para eu ver

vilarinho de perdizes

abrem as janelas para eu ver

Camus proposto

Rien n'est donné aux hommes et le peu qu'ils peuvent conquérir se paie de morts injustes. Mais la grandeur de l'homme n'est pas là. Elle est dans sa décision d'être plus fort que sa condition.

Camus, Actuelles, I, p.24

O José Carlos Soares disse, numa carta em papel pautado, que se pudesse "postava" isto num "blogue". Eu "posto" por ele.

a visita

Recebemos a visita de Manuel Arcêncio da Silva - um murtoseiro . Já tínhamos saudades dele, largo e sorridente. Demos uma volta pela escola e levámo-lo a visitar a biblioteca escolar. Rimo-nos. Deu-me dois caderninhos - um para anotar o estado do tempo, outro para o desenhar. Quem é que fez anos?

a biblioteca parada.

A tragédia está sempre em iluminar a personagem em vez da pessoa. A tragédia é uma coisa de personagens, quando as pessoas já viveram demais e a sua vida pode ser reconhecida num palco sem emoções que não sejam as fingidas emoções dos actores.

A fragilidade das formas

Olho para o que ouço. Não preciso de ver. Sinto que estão ali perto do meu mundo, no meu mundo, as sombras de uma loucura que dança. A loucura anda à solta e salta à corda por aqui e por ali. De vez em quando, ergue-se uma forma humana e fala uma razão cristalina, como se a água tivesse regressado ao seu curso de rio interrompido pela enxurrada de sangue da loucura que salta à corda feita dos meus nervos.

Os super-heróis americanos tiraram as fotografias todas à alegria que os tinha invadido enquanto invadiam o Iraque, sem resistência digna desse nome. A guerra procura as vitórias. Nestes últimos tempos a guerra tem tido as suas vitórias contra a humanidade que usa palavras como armas pela paz. Armados até aos dentes, os americanos e os seus aliados mostram os dentes brancos e brilhantes nos dias das vitórias. Depois, o tempo encarrega-se de sujar os dias que se seguem às vitórias dos super-heróis. Quem não tem razão é louco. Sabe-se hoje que os super-heróis estavam sem razão, loucos. A areia amarela do deserto sem emoções está colada aos dentes dos que morrem. A dança é macabra - os dois lados ensaiam um passo de dança, a um passo da morte.

O super Ariel cospe bombas como quem cospe as pevides de uma melancia podre que é a sua cabeça em vez da cabeça. Ás vezes, temos a sensação que, sempre que acontece ser acusado de corrupção ou outra minúcia de loucura, dispara para uma notícia maior que a sua própria notícia. Ao mesmo tempo, cerca-se quando cerca os outros, separa com um muro os vizinhos. Super Ariel está em Israel - dentro ou fora de si mesmo? Não sabemos de qual dos lados do muro se está preso. E é por isso que as fronteiras que se erguem como muros fazem dos povos prisioneiros, vizinhos da loucura.

Duas favelas. Duas misérias maiores que a miséria. Dois bandos de narcotraficantes do Rio de Janeiro lutam pelo controle do negocio. Matam-se uns aos outros. E a policia tenta controlar ou contornar a onda de violência. O que disto interessa é a resposta à proposta de isolar as favelas da violência com um muro alto. A resposta do eleito da cidade é um rotundo não. O melhor é quando diz que não quer criar um parque temático da droga.

Há sempre os que se matam uns aos outros. A loucura toma uma forma sem dentro e fora. Cada morte é tanto uma vitória como uma derrota. Quem se separa com um muro, é preso e prende, está dentro e está fora. Ninguém está livre. A luta entre os traficantes das favelas do Rio e da polícia contra os bandos reduz a pouco as guerras do mundo dos loucos e faz de Ariel mais do que um construtor de um muro, um construtor de parque temático.

Desenho um muro a toda a minha volta. E descanso.

[o aveiro; 15/04/2004]

As folhas amarelas que sobrevivem.

Sem sair de casa, a árvore da minha varanda perdeu as folhas. Não sei para onde voaram as folhas. Não há rastos da fuga e nem uma ficou para trás que pudesse denunciar o lugar das outras. Fico por aqui à espera que a árvore da minha varanda se reconstrua no seu modo cuidado e lento. Todos os anos é a mesma coisa. Chego a convencer-me que morreu, para depois me espantar com a precisão da reconstrução. As novas folhas parecem-me sempre melhores que as dos anos anteriores. Também é verdade que a imagem que guardo delas é sempre a última e isso é memória de folhas velhas amarelecidas.

Hoje, na Pública, há uma viagem pelos alfarrabistas - Os Sacerdotes do Livro- HISTÓRIAS DE LIVREIROS-ALFARRABISTAS de Paulo Moura. Gostei das intercalares histórias falsas e verdadeiras contadas pelos alfarrabistas aos alfarrabistas. Lá aparece, citado repetidamente, um tal Tarcísio Trindade de que tive um livro de poemas (se for o mesmo!). Havia um poema que sabia de cor, penso que sobre nados-mortos, aqueles que viram o que os esperava e não quiseram passar para o lado de cá. É uma memória vaga. Vou ter de procurar o livrinho. Lembro-me que era um livrinho.

Se o encontrar, há-de ter folhas amarelas. De que me lembro eu?

Postolo

Postal para Parma


Escadas para nada

Postal para Parma


Se não temos onde ir, se não precisamos de subir, porquê as escadas? Imaginamos as viagens que fazemos para nenhures. Faz bem à saúde.

Amarramos a sombra

Postal para Parma


Alguma coisa nos vai amarrando. Embrulhamos as coisas que queremos mostrar e amarramo-las para que os outros tenham de as desamarrar. Porque nos ama(rra)mos? Para quê nos desama(rra)rmos? É como jogar às escondidas com a Raquel.
A Raquel é a sabedoria do estar fingindo não estar. Chama-nos a atenção enquanto se esconde, para ter a certeza que não nos esquecemos dela enquanto desaparece do olhar. Sempre que possível, deixa que a cortina tome a sua forma. E, impaciente, desoculta-se se nós demoramos mais que uma nesga de tempo a reagir. O que é a eternidade para ela? Não pensar nela.

Fortaleza.

Postal para Parma


Começo a arriscar a minha arte postal até Parma - Itália. Tenho os meus filhos todos emigrados no Centro Culturale Edison. Para além dos meus filhos, mais três companheiros ligados à "troupe" teatral "Visões Úteis" partiram para Parma. É a vida.

A intenção que voa

Na semana passada, em Beja, ouvi o Ministro da Educação dizer-se incapaz para falar com o sistema educativo. Em contrapartida, revelava ser capaz de falar e fazer propostas a uma escola em particular e prometia voltar ao Baixo Alentejo com propostas para aquela escola e para cerca de vinte escolas especialmente vocacionadas para o desenvolvimento de cursos tecnológicos. Ao mesmo tempo, revelava que muitas das antigas escolas técnicas tinham oficinas desaproveitadas e havia instalações e equipamentos em ruína… por haver falta de interessados nos cursos técnicos e tecnológicos. Não falava da falta de qualidade e quantidade da oferta dos cursos pelas escolas, mas de desinteresse dos alunos e suas famílias.

No início desta semana, o Primeiro Ministro torna públicos os planos do governo para reforçar o investimento público, ao mesmo tempo, que apresenta o plano de prevenção contra o abandono escolar. Entre as várias medidas, o Primeiro Ministro fala das 20 escolas de referência para o desenvolvimento do ensino tecnológico na base de parcerias de escolas, empresas e instituto de emprego. E fala no aumento de vagas para os cursos tecnológicos. Aparentemente, estamos no tempo da inspiração nos cursos certos, precisos ao tecido produtivo e desejados pelos jovens em idade escolar e suas famílias.

Eu quero que tudo dê certo. De facto, como o Primeiro Ministro diz, temos falta de formação dos jovens (e do povo) e os números do abandono precoce são eloquentes. Será que os portugueses não consideram importantes a escola e o sistema para o futuro dos jovens? Ou será que as escolas e o sistema não são o que deviam ser? Ou será que, apesar dos anos de separação brutal entre a sociedade e o conhecimento, nunca se fizeram os esforços necessários e faltou a inspiração para dar corpo a uma ideia nacional de inteligência baseada na cultura, no conhecimento ou no saber em geral?

Já temos a imensa maioria dos jovens nas escolas, como é natural e desejável à sociedade. Mas muitos jovens abandonam a escola antes de terem completado os estudos, e não temos conseguido inverter a situação com a urgência que a sabedoria recomenda. Ouvimos governantes, do PSD ou do PS, traçar planos para alterar a situação. Já nem quero criticá-los. Estou velho demais para não desejar que a algum deles, a qualquer deles, aconteça o milagre de uma correspondência entre as palavras da propaganda e a realidade social que eles simulam.

Uma dúvida me atravessa o espírito. Quem anuncia intenções para serem atingidas em 15 a 20 anos são os que, mal eleitos, torpedearam as intenções para 15 ou 20 anos dos anteriores governantes. E se perdem as eleições? Será mais um programa partidário de educação? Eles vão perder as eleições, ainda as palavras lhes estão a sair da boca.

As intenções têm asas e voam. Nós precisamos de qualquer coisa que seja semeada e tenha tempo para germinar e crescer a partir da nossa terra e da nossa gente.


[o aveiro; 8/4/2004]


Postolo

Este veio devolvido


Enviei este postal assim bonitinho para a neta de outro avô. Veio devolvido, com carimbos por todo o lado. Mando-lho por aqui. Também foram devolvidos os outros que lhe fui mandando. Os correios não adivinham as casas certas para os endereços errados que vamos escrevendo.

Postolo

Outro postal com fecho éclair e boca

Postal

Os postais de um avô mal formado


As reuniões servem para fazer bordados a tinta castanha. Não tem mal. O problema é que o bordado não fica apropriado para ser enviado a uma neta de tenra idade. Mas vai ser enviado, apesar disso. O que pensará ela mais tarde do seu velho avô? Esse é o desafio; mesmo que a surdez da cinza nos impeça de ouvir as imprecações, deixamos heranças destas como quebra-cabeças. São as únicas heranças.

O que se esconde

Tenho de reconhecer que José Manuel Fernandes é quem sabe
O Que Se Esconde por Detrás do Bloco.
Eu confesso que não me interessa saber o que se esconde por detrás do José Manuel Fernandes. Peço para não saber.
O Barnabé diz que o JMF leu e resumiu o Pacheco Pereira (com um atraso de 6 meses). Escondem-se atrás um do outro? Se assim fosse, não víamos (líamos) um e outro. Ou escondem-se, deixando rabos de fora?

Sulcos leves

António Brás escreveu
A Fixação Precária das Imagens

sobre dois poetas que eu conheço desde quando éramos todos rapazes. É bom saber que ainda há quem escreva sobre a oficina poética. Prefiro os poemas, mas que seria dos poetas com leitores como eu?

O céu dos pobres de espírito

Confirmaram o que já sabíamos: mais de metade das empresas e dos patrões portugueses não paga impostos. Ou aguentam com espírito de missão prejuízos imensos ou ficam ela por ela. Passeiam-se pelas ruas de corda ao pescoço. Houve logo quem viesse falar de fraude e evasão fiscal e da necessidade de as combater com o fim do sigilo bancário e cruzamento com os dados do património visível das famílias empresariais. Pelo meu lado, que conheço os princípios religiosos em que fomos formados, acredito em todo o povo católico. Eles eram lá capazes de cometer o pecado de roubar o estado de todos nós, mentir e exigir indevidamente serviços ao estado! Não. Eu fico é cheio de pena e rogo a cada um dos contribuintes que invente dinheiro para que o estado possa subsidiar os empresários que vivem abaixo da linha de pobreza. Penso mesmo que aqueles números horríveis sobre a pobreza estão a ser mal interpretados, já que o que devemos ter é uma bolsa de empresários sem abrigo e sem sopa e são precisas medidas de novo tipo. O nosso problema de pobreza é de um novo tipo: sabemos que o filho do patrão vai às aulas num bmwz3 da moda, mas, na privacidade das casas, é só pobreza envergonhada e falta de pão. A primeira medida de apoio aos nossos pobres empresários deve passar por acabar com rendimentos mínimos garantidos e similares. Penso mesmo que, caso o agravamento da carga fiscal sobre os trabalhadores por conta de outrem não chegue, se deve activar um pedido de ajuda internacional para debelar a pobreza persistente do nosso empresariado. Claro que, se algum confessar o pecado da gula e da fuga ao fisco, merece uma absolvição e “nada de propósitos firmes de emenda” que há muito a fazer com o dinheiro que, a cair nas mãos do estado, é mal gasto.
Pena que as semanas ricas não paguem impostos.

No Sameiro, Braga, algum diabo deitou fogo em vários locais ao mesmo tempo e o inverno fez-se inferno em vez de primavera. As árvores de Águeda, Sever do Vouga e Oliveira de Frades arderam porque alguém se deve ter posto a queimar os restos de alguma lida ao fundo de uma leira. Uma semana de vento pode abrir uma temporada de incêndios. Pobres bombeiros. Pobre mata. Não podemos atear fogueiras ao vento.

Banalizamos os gestos dos chicos espertos que fogem aos impostos e tolhem todas as iniciativas da sociedade. E banalizamos a coragem de fazer coisas erradas sem medo consequências. Na estrada quando conduzimos para matar ou se ateamos uma fogueira e pomos em risco a casa e a vida das pessoas. Se uma ponte cai e temos de chorar os mortos, porque haveríamos de chorar pelos culpados? Pobres de espírito, rica semana!

Absolvamo-nos uns aos outros!

[o aveiro; 1/04/2004]

Felgueiras

Em 1974/5, era eu aspirante ou alferes miliciano dos serviços de cartografia do exército, andei a fazer reconhecimentos em Felgueiras e Fafe. Passaram 30 anos até que lá voltei ontem. Encontrei Felgueiras, de novo, agora mudada, de vila em cidade. Não vi a Fátima. Depois da saída da autoestrada e até Felgueiras é que as estradas ainda devem ser bocados da antiga. Quando por lá andei tinha de parar amiúde para provar o vinho às portas ou na pensão onde me alojava. [Sabem quantas vezes tentei entrar em Fafe fardado
nesses tempos? Sem conseguir. Há mapas difíceis.]

No regresso, por razões matemáticas, recebi umas garrafas de vinho de Felgueiras. Como hei-de reconhecer alguma mudança no sabor do vinho?

;-)

As flores que enfeitavam de cores
o prado do teu cabelo
foram comidas pelos teus piolhos
hervíboros

Os pequenos esquilos que brincavam na floresta
dos teus cabelos
foram comidos pelas tuas pulgas
carnívoras

Os tubarões que nadavam no mar dos teus olhos
sob as franjas do teu cabelo
foram devorados pelas carraças
das tuas mesquinhas ideias

Tens tão pouca graça agora
que eu já nem sei se a gente inda namora.

:-)
[escrito vai para uma eternidade, reencontrado hoje]

Perguntas sobre o terrorismo.

António Aurélio Fernandes recomendou a leitura do artigo - Perguntas sobre o terrorismo - de Frei Bento Domingues, poublicado no Público de domingo. Eu acho que ele tem razão. Para o caso de alguém passar por aqui, fica a recomendação.

A eternidade.

Saio da escola para a manhã de vento. Inclinado para a frente, contra o vento procuro uma parede ao sol. Nos últimos dias, o vento mais forte mudou-se para Aveiro. Ouvimos as suas zangas dentro e fora de casa. Acabamos por nos habituar à sua presença intrometida em todos os lados da nossa vida.
Antes de alcançar a salvação da parede do Museu, ouço o meu nome. Viro-me para trás. Uma cara sorridente começa a dizer: - Claro que não se lembra de mim! E eu ensaio uma das minhas saídas de velho: - És o …! Ele corrige-me na primeira parte do nome já que eu tinha acertado na terminação. Também nunca consegui melhor em qualquer dos sistemas de apostas mútuas autorizadas e mesmo a terminação é rara.
A conversa não vai durar mais que uns momentos.
- Também não admira que não se lembre. Quando fui seu aluno, tinha 16 anos e agora tenho 38. Já lá vão 22 anos.
- E que fazes agora?
- Agora trabalho numa ETAR. E comecei a fazer trabalhos em madeira. Tirei um curso de carpintaria.
- A última vez que te vi, trabalhavas aqui perto no balcão da …
- Essa foi à falência há muito tempo! Depois disso, já andei 5 anos embarcado. Mas não era pescador. Trabalhava na copa.
- Estás muito mais magro.
- Estive doente. No mar, as condições das pessoas que lá trabalham são más e, quando o corpo estava mais fraco, apanhei-a. Fiquei parado e quis fazer uma grande dieta.
Depois de mais umas palavras para a troca, sobre a minha vida de sempre sem mudanças nestes 22 anos que passaram, despedimo-nos. Sigo até á parede do Museu que me esperava. Não chega e vou ter de me sentar encostado ao vidro da janela do café para poder ser acariciado pelo calor do sol.

Comecei a pensar nas notícias terríveis sobre a miséria em Portugal, que não pára de crescer nestes tempos de politicas promotoras do desemprego do presente em nome do emprego do futuro.

É então que fico a saber que Ariel Sharon assassinou o velho Ahmed Yassin, paralítico chefe espiritual do Hamas. Nem o velho Ahmed, sempre a contar o tempo em eternidades de vinganças, tinha conseguido fazer tanto pela guerra. Há dezenas de anos que Ahmed ansiava, sem o conseguir até agora, tornar-se um mártir da causa palestiniana. Uma rajada fria de estupidez criminosa varre as ruas do mundo, enquanto regresso à escola.

E o vento de Aveiro continua a soprar, mas já não presto a mínima atenção a qualquer das suas brincadeiras. Preciso que voltem a chamar-me pelo nome.

[o aveiro; 25/3/2004]

o outro

Por muitas razões que não vêm ao caso, António Florentino poderia ser considerado o outro. Não se sabe bem porquê, mas várias vezes ele declinou essa identidade e profissão. Da lista de mil nomes que lhe apresentaram à data de nascimento, ele assinalou a última linha correspondente a Outro. Quando, no nono ano, lhe pediram que assinalasse a profissão que escolheria entre as trezentas páginas de profissões presentes no cat?logo do orientador profissional, ele escolheu Outro. No estado civil, ele não escolhe solteiro, nem casado, nem viúvo, nem divorciado, nem separado de facto. Ele escolhe Outro. No que respeita ao sexo, incapaz de optar pelo M de masculino ou pelo F de feminino, ele desenha cuidadosamente um novo quadradinho, onde escreve a sua cruzinha e por cima Outro. Quem não o conhece, deve pensar que António Florentino não se enquadra nesta sociedade e é completamente marginal. Mas não é verdade. Ele é sociável, não morde e parece-nos feliz à vista desarmada.
Um psicoterapeuta, que o queria ajudar, deu-lhe a escolher um de entre os diagnósticos: "problemas na infância", "problemas na adolescência", "problemas na puberdade", "problemas na hipófise", "problemas na mão direita de deus". E ele, depois de muito pensar, escolheu Outro.

António Florentino é um caso. Dual é o caso do Outro, mas para este muito mais difícil. Sempre que Outro tem de efectuar uma escolha, escolhe António Florentino.

[pretextos 56; 1993]

embora

embora vibre
o dourado junco está morto:
à malícia do vento ainda obedece

o dourado vegetal é uma cor de moribundo
que se despede numa falta de ar e ao ar se esquece.


onde os cabelos são juncos e o meu corpo apodrece
a água parada transparece

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