ventira
O moço falava com dificuldade e trocava as letras ao falar.
Na minha terra toda a gente dizia baca em vez de vaca e não era bergonha.
Mas no caso do moço, escrevo assim para manter o anonimato do moço, que coitado já se fez falso tímido.
De facto, o problema de fala do moço talvez seja mais parecido com aquelas pessoas que não sabendo soletrar o rre diz le, de tal modo que quando queria dizer burro dizia vule atraindo a condescendência das senhoras distraidas que esperavam o chá bendito e não palavras mal ditas por um qualquer.
Mas não era bem estas trocas de letras, nem era como aquelas pessoas incapazes de pronunciar o quê.
Ouvi um amigo meu contar a história de um barbeiro de aveiro
(eu preferia pronunciar ábeiro, como também prefiro ibalho a ílhavo, mas tudo bem! se querem aveiro, ouçam aveiro quando eu falar de ábeiro)
a quem isso acontecia e se tornava difícil entender quando ao pronunciar contem lhe saía ontem, não sei se estão a seguir-me e a ver o verdadeiro problema do barbeiro?
Eu troco tudo, também troco as letras e até as sílabas dentro das palavras, mas é possível que mais tarde ou mais cedo me entendam porque posso repetir corrigindo até que se perceba.
A família não compreende esses "dislates" e me perguntam-me porque faço eu o papel de belhinho
(que outro papel pode fazer um velhinho daqui?)
e já me ralharam uma ou outra vez, em público e na presença do moço, quando me saíu alguma parvala fora do sítio, chegando a chamar-me tótó!
Mal eles sabem que eu, sempre numa boa, distribuía pelos meus alunos mais jovens a palavrinha tótó
e carinhosamente
E foi assim, por isso, que eu não estranhei quando ouvi, o que é raro, o falso tímido falar
ventira!
em minha defesa.
Na minha terra toda a gente dizia baca em vez de vaca e não era bergonha.
Mas no caso do moço, escrevo assim para manter o anonimato do moço, que coitado já se fez falso tímido.
De facto, o problema de fala do moço talvez seja mais parecido com aquelas pessoas que não sabendo soletrar o rre diz le, de tal modo que quando queria dizer burro dizia vule atraindo a condescendência das senhoras distraidas que esperavam o chá bendito e não palavras mal ditas por um qualquer.
Mas não era bem estas trocas de letras, nem era como aquelas pessoas incapazes de pronunciar o quê.
Ouvi um amigo meu contar a história de um barbeiro de aveiro
(eu preferia pronunciar ábeiro, como também prefiro ibalho a ílhavo, mas tudo bem! se querem aveiro, ouçam aveiro quando eu falar de ábeiro)
a quem isso acontecia e se tornava difícil entender quando ao pronunciar contem lhe saía ontem, não sei se estão a seguir-me e a ver o verdadeiro problema do barbeiro?
Eu troco tudo, também troco as letras e até as sílabas dentro das palavras, mas é possível que mais tarde ou mais cedo me entendam porque posso repetir corrigindo até que se perceba.
A família não compreende esses "dislates" e me perguntam-me porque faço eu o papel de belhinho
(que outro papel pode fazer um velhinho daqui?)
e já me ralharam uma ou outra vez, em público e na presença do moço, quando me saíu alguma parvala fora do sítio, chegando a chamar-me tótó!
Mal eles sabem que eu, sempre numa boa, distribuía pelos meus alunos mais jovens a palavrinha tótó
e carinhosamente
E foi assim, por isso, que eu não estranhei quando ouvi, o que é raro, o falso tímido falar
ventira!
em minha defesa.
Andar de vespa
Cabeça tronco e membros. Perde-se a cabeça e os membros e sobra o tronco que deve ser capaz de rodopiar autónomo em torno do eixo das pernas.
Estudei o assunto durante muitos anos, partindo desse princípio e concluí que o tronco só podia ser um sólido de revolução - uma revolução. Mais tarde concluí que teria de ser um pião e ainda mais tarde vim a inclinar-me para que podia haver dois piões rodando independentes.
Foi então que percebi que o mundo das vespas era a perfeição para modelo feminino e fiquei de rastos quando compreendi que toda a gente aí tinha chegado antes de mim, sem precisar de literatura nem de matemática ou física.
Era só química a não exigira qualquer esforço intelectual.
A frase “ela tem uma cinturinha de vespa” era um condensado das minhas hipóteses e das minhas teses a respeito da revolução e dos seus sólidos.
Muitos anos após a desilusão científica, ouvi um amigo queixinhas, que tinha dedicado toda a sua vida ao estudo de vespas, queixar-se que já não havia cinturinhas de vespa e já não cantava “oh minha vespa rainha, faz de mim … o instrumento do teu prazer …e da tua glória, sim oh sim! “ e que começava a acabrunhar toda a gente em redor incluindo as obreiras (à rainha nunca tinha visto cintura) com a sua lamúria repetida: “já não há cinturinhas de vespa”.
Foi ele que me levou de volta à observação pertinaz até que os meus olhos de fundo de garrafa me mostraram uma cinturinha de vespa a deambular, entre nós em passeio de tristes, com dois movimento de rotação que a levaram para longe de nós que ficamos a rodar por ali como dois cilindros tontos e enjoados.
Não conseguindo travá-la para uma conversa e, reduzidos à categoria de cilindros, nem de uma fotografia fomos capazes.
Em casa, de memória cilíndrica, desenhei um esboço que mostrei ao meu amigo.
Nunca mais falou comigo e amontoou todos os seus piões numa gloriosa fogueira.
Ao longo da sua vida tinha comprado com afinco piões para oferecer aos netos que nunca pudera entregar por haver sempre alguém a gritar que era perigoso brincar com piões.
Da fogueira sobraram os bicos metálicos dos ex-piões, de diversos feitios mais ou menos afiados, mais ou menos rombos. Guarda-os numa caixinha e todas as tardes, enquanto outros jogam a sueca ou ao dominó, ele faz passar entre os dedos, um a um, os bicos metálicos dos ex-piões. dividindo e separando, sem descanso, os bicos dos ex-piões de cima dos bicos dos ex-piões de baixo.
Eu guardei o meu esboço e pedi-lhe autorização para o publicar no facebook. Ele não disse nada, como sempre, e eu, como quem cala consente, dei a conhecer a minha ideia de cinturinha de vespa.
Que o meu amigo me perdoe se estas palavras lhe doerem.
de como fué la creación
Érase una vez
un mundo en el que no había nada.
Nada.
Nada de cuanto es conocido,
ni siquiera un viento que soplara,
ni un sol que calentara,
ni el agua para beber,
ni el frio para hacerte estremecer.
Nada.
Nada de verdad!
Ph.Lechermeier & R. Dautremer.
una bíblia - antiguo testamento.
edelvives. Espanã:2017 Livraria Gigões e Anantes, Aveiro
un mundo en el que no había nada.
Nada.
Nada de cuanto es conocido,
ni siquiera un viento que soplara,
ni un sol que calentara,
ni el agua para beber,
ni el frio para hacerte estremecer.
Nada.
Nada de verdad!
Ph.Lechermeier & R. Dautremer.
una bíblia - antiguo testamento.
edelvives. Espanã:2017 Livraria Gigões e Anantes, Aveiro
sair de casa
eu saio de casa para ir em redor da casa sempre pelas mesmas ruas, cumprindo rotinas que não sei de onde vêm e são por isso não rotinas.
espero as pessoas que quero ver todos os dias no outro passeio que não o meu e aproximando-se pela minha frente ou sej am sentido contrário ao meu.
as pessoas que eu quero ver nem as conheeço e elas nem sabem que eu existo, simplesmente me cruzo com elas e elas sorriem ao meu assobio que varia muito dependendo das música s que vou ouvindo e sobre alguns temas conhecidos a partir dos quais são os assobios improvisados.
para mim, basta-me as pessoas que passam em sentido contrário ao meu e sem me reconhecerem.
esta rotina permite-me caminha depressa e não parar.
às vezes um conhecido trava-me e tece considerações sobre a música, o tempo e a família e eu disparo disparates como se precisasse de falar muito que é uma forma de não ouvir o que ainda não sei por ser actual ou que não quero saber de novo.
há dias em que penso mesmo que sou feliz e já ouvi pessoas que me conhecem há muitos anos garantir que eu sou um tipo muito feliz e de bem com a vida.
assobio a isso.
espera
as cadeiras cruzam-se nos corredores
trocando sorrisos, vénias, cumprimentos
respeitosos uns, interessantes outros
como passos de dança.
as cadeiras entrelaçam-se cada uma rodando
em torno de uma perna da outra até
que aquela menos robusta se deixa colar
à parede
onde tudo se dá ou tudo se pede.
a demolição
por aqui, como em casa, nunca abandono
as pequenas coisas. não sei abandonar.
a maldição de não saber sair de casa
onde se amontoa a tralha que a enche
como se enche o casinhoto ao canto do campo
com as ferramentas e a sua ferrugem
nem as ferramentas nem a ferrugem existem
enquanto eu continuo a guardar na cabeça
cada uma delas e as veja olhando o rasgão
aberto, instalado na cabeça que não abandona
e eu não abandono a ela antes de ser abandonado
por ela
lembrança da vida real por via de conversas em Vila Real
Ontem fui à Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro participar num debate sobre o ensino de ciências e tecnologia e a investigação também em C&T. Quando o moderador decidiu apresentar-me citou este blog (o lado esquerdo) como prova da minha intervenção cívica. De facto, este site foi criado como depósito de textos escritos para um jornal local "o aveiro" que já nem existe e aqui foram depositados textos durante vários anos, uns mais ou menos jornalísticos e outros mais feitos de deambulações. Mas deixou de ser isso a partir da altura da morte de "o aveiro" e, especialmente a partir da minha aposentação.
Sem outro objetivo que não fosse respeitar/depositar (um registo) as minhas desorganizadas reflexões, leituras e divagações feitas antes e depois da aposentação. O envelhecimento de todos nós e a morte de alguns amigos, especialmente José António Moreira que era a voz, a música escolhida, o alinhamento e a realização (seja isso o que for), a gravação de vários programas de rádio, e mais tarde podcasts", mudaram-me já que me lembraram que eu não tinha feito qualquer depósitos dessas divagações escritas ao longo dos anos nem tinha organizado qualquer depósito disso e os guardadores desse rebanho de ideias começavam a desaparecer.
Os programas de rádio tinham emissora
Tinha e tenho problemas de memória com a escrita para a rádio que não foi guardada e muito menos organizada em lado algum a não ser em memórias que já não podem ajudar. Eu costumo dizer que escrevi para ser ouvido (lido, gravado, radiodifundido no tempo em foi escrito e nada mais). Já não posso ter esperança na minha capacidade de organização e memória. Por isso, e à medida que reencontro papeis (partes dos discos e dos sites não são legíveis porque são velhos ou foram fechados por quem, não sendo dono dos conteúdos, tinha meios e autoridade(?) para fechar). E eu sou um distraído da minha vida. Misturados com coisas de ontem e de hoje, sem querer saber se já estão guardados em algum sítio, mantive
E criei outros lugares onde guardo, como restos de memória persistente, alguns textos de ontem e de hoje em artigos e páginas à medida das guinadas de memória, encontros com papéis e com livros e pessoas. Aqui estão alguns (url):
Sem outro objetivo que não fosse respeitar/depositar (um registo) as minhas desorganizadas reflexões, leituras e divagações feitas antes e depois da aposentação. O envelhecimento de todos nós e a morte de alguns amigos, especialmente José António Moreira que era a voz, a música escolhida, o alinhamento e a realização (seja isso o que for), a gravação de vários programas de rádio, e mais tarde podcasts", mudaram-me já que me lembraram que eu não tinha feito qualquer depósitos dessas divagações escritas ao longo dos anos nem tinha organizado qualquer depósito disso e os guardadores desse rebanho de ideias começavam a desaparecer.
Os programas de rádio tinham emissora
- Radio Independente de Aveiro com José António Moreira e os programas também:
- "Dedo no Ar" (educação) - 3 séries - vários anos;
- "Golpe de Estado" (clandestino, de que não sobrou mais que um papel com um desenho e a ideia de ser tão improvisado como a vida é até ter falecido precocemente);
- "Aldeia Global" (textos gravados com as vozes das crianças André Moreira e João Martins e escolhidos, traduzidos e escritos por mim como responsável na escola do projeto Apple Global Education) "Círculo Virtuoso" (ainda tenho de verificar o que seriam os textos, escritos por mim seguramente na totalidade ou em parte
- "Sons da Escrita" de longa duração e da responsabilidade exclusiva de JAM de divulgação da literatura especialmente a poética e sobreviveu como o primeiro podcast desta face europeia;
- "PreTextos" (diário das minhas divagações, em que foram integrados textos de André Moreira e, penso eu, de José António Moreira quando a minha vida andava enredada em outros eixos: projetos de formação intensiva, associativos ou políticos)
- Rádio Oceano (?) com o programa
- "Feira do Livro" temos escolhidos, escritos e ditos por mim e pela Manuela Seiça Neves com apoio técnico de Francisco Vaz da Silva que também tinham feito parte do círculo virtuoso do Dedo no Ar.
Tinha e tenho problemas de memória com a escrita para a rádio que não foi guardada e muito menos organizada em lado algum a não ser em memórias que já não podem ajudar. Eu costumo dizer que escrevi para ser ouvido (lido, gravado, radiodifundido no tempo em foi escrito e nada mais). Já não posso ter esperança na minha capacidade de organização e memória. Por isso, e à medida que reencontro papeis (partes dos discos e dos sites não são legíveis porque são velhos ou foram fechados por quem, não sendo dono dos conteúdos, tinha meios e autoridade(?) para fechar). E eu sou um distraído da minha vida. Misturados com coisas de ontem e de hoje, sem querer saber se já estão guardados em algum sítio, mantive
- o blog GEOMETRIA
- e o mooodle AS GEOMETRIAS feito de restos e memórias que foram dinâmicas e talvez ainda sejam, exercícios elementares
E criei outros lugares onde guardo, como restos de memória persistente, alguns textos de ontem e de hoje em artigos e páginas à medida das guinadas de memória, encontros com papéis e com livros e pessoas. Aqui estão alguns (url):
A dona palmira e o legista amigo do velho que lia jornais
Quando O velho partiu, já tinha posto as leituras daquele dia em dia. Sentado no sofá com o jornal sobre os joelhos, o velho dormia como habitualmente. Dona Palmira disse, como sempre diz: "Bem, está tudo arrumado! Vou andando! Até amanhã!" E foi-se para a sua vida, sem ter ouvido uma palavra do velho. Como sempre, o velho quedava-se mudo e quedo perante a loquacidade de Dona Palmira e ela já se tinha habituado e até tinha moderado as conversas e a cantoria enquanto trabalhava nas manhãs do velho leitor de jornais.
O médico legista havia de dizer no dia seguinte (com a Dona Palmira ouvir) que o velho tinha partido antes dela sair no dia anterior e que, sim!, lhe parecia que o seu velho amigo tinha posto as leituras daquele dia em dia porque devia ter sido a última página do jornal de há duas semanas a dar-lhe a volta às tripas.
Artigo DN
Sinais de "racismo institucional" nas escolas portuguesas
Consulte o artigo completo em:
http://www.dn.pt/sociedade/interior/sinais-de-racismo-institucional-nas-escolas-portuguesas-5141232.html
Consulte o artigo completo em:
http://www.dn.pt/sociedade/interior/sinais-de-racismo-institucional-nas-escolas-portuguesas-5141232.html
como se desenha um quadrado andando
sei bem como se forma um quadrado com pessoas
usei-as em quadrado como santo e condestável
usou em batalha contra os castelhanos sei bem
como podemos avançar, recuar ou rodar sem desfazer
o quadrado e basta-nos ajoelhar para não ser mais
que um cubo de escudos metálicos a brilhar ao sol
e como podemos parecer uma só carapaça sem cabeças
sei bem que o medo é impotente num combate travado
quando olhamos os inimigos de dentro do quadrado
cada um sentindo os nós que o prendem a outros dois
sentindo como é impossível qualquer debandada
que não seja uma pequena corrida para a morte
usei-as em quadrado como santo e condestável
usou em batalha contra os castelhanos sei bem
como podemos avançar, recuar ou rodar sem desfazer
o quadrado e basta-nos ajoelhar para não ser mais
que um cubo de escudos metálicos a brilhar ao sol
e como podemos parecer uma só carapaça sem cabeças
sei bem que o medo é impotente num combate travado
quando olhamos os inimigos de dentro do quadrado
cada um sentindo os nós que o prendem a outros dois
sentindo como é impossível qualquer debandada
que não seja uma pequena corrida para a morte
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