O inimigo rumor

O que mais irrita nesta coisa toda é a falta de clareza da generalidade dos comentqadores políticos que se esgueiram das salas dos actos e factos e acham que os actos e factos errados são consequências inevitáveis das leis, dos modelos de organização e dos sistemas. Como se as pessoas educadas não tivessem liberdade para fazer bem em vez de fazer mal. Como se fosse uma maldição inevitável termos ministérios a embrulhar-se nos assuntos uns dos outros e minudências interfamiliares típicas das paróquias pequenas.
Não é o morgado que obriga o mestre escola a tratar de modo diferente o seu filho mais parvo. De facto, é o feitor (e o mestre escola, com ajuda do padre e do barbeiro) quem toma iniciativas visando agradar ao morgado, ao patrão, etc. Acredito na palavra do morgado quando garante não ter obrigado pessoas a dar um tratamento desigual para o seu filho mais inteligente. Também não acredito na ingenuidade do morgado. Um morgado bem educado ou bem formado interromperia o ciclo da sabujice.

Chamadas de atenção

Chamo a atenção para o artigo de BÁRBARA WONG (n'O Público) Liceu Francês Atribui Bonificações às Notas dos Alunos que esclarece a questão da situação de favor dos estudantes do Liceu Francês de Lisboa. Com a devida vénia, transcrevo parte dele:


Ao PÚBLICO, Meira Soares explica que o que aconteceu até agora é que a tutela aceitava as classificações fornecidas pelo Charles Lepierre - que tem "regras internas" para calcular as notas dos alunos -, em vez das certificadas pela Academia de Toulouse, uma espécie de direcção regional de educação do Ministério da Educação francês, que superintende a escola em Portugal.

Só que, a partir deste ano, depois de aprovado o decreto-lei 26/2003, a CNAES tem poderes para validar, ou não, as notas que são apresentadas pelas escolas internacionais. E o que a comissão pediu a todas as instituições é que mostrem os documentos emitidos pelas entidades competentes do país de origem, de maneira a que os seus alunos possam concorrer de igual para igual com os do sistema português. Afinal, as classificações das provas de ingresso dos estudantes portugueses também são validadas pelo Júri Nacional de Exames.

Como o Liceu Francês tem critérios internos para as classificações, as notas acabam por divergir das emitidas por Toulouse em vários pontos. Segundo documentos a que o PÚBLICO teve acesso, um aluno com oito valores a Matemática, certificado por Toulouse, vê essa nota subir para 12 valores, segundo as tais regras internas de classificação da escola.

Esse certificado, com as notas do final do secundário, é assinado pelo director e autenticado com o selo do serviço cultural da Embaixada de França. Nesse mesmo documento, pode ler-se que as classificações só são válidas para o sistema de ensino português.




Meira Soares, presidente do CNAES, não desmente o essencial deste artigo, na sua
resposta
publicada também n'O Público,

O cheiro nas farsas do poder.

1. Nos últimos dias, a comunicação social prestou um serviço relevante à comunidade. Denunciou alguma situação de favor atribuída aos estudantes de alguma das escolas internacionais de Lisboa. Isto é muito importante. Convém não esquecermos que é possível que a maioria dos estudantes do Liceu Francês de Lisboa seja constituída por portugueses residentes em Portugal, na companhia dos seus pais portugueses. Quem são estes portugueses estrangeiros que acham normal terem protecção especial? São estranhos aos portugueses comuns. Pelo menos.

2. É claro que tudo se tornou demasiado claro com o caso da filha do Ministro dos Negócios Estrangeiros que, além da situação de favor como aluna do Liceu Francês de Lisboa, quis acrescentar a integração no contingente especial para alunos residentes no estrangeiro, considerado no regime especial de acesso ao ensino superior português, criado para proteger certos jovens estrangeiros ou portugueses a estudar no estrangeiro por deslocação prolongada dos pais em serviço. Não realizou os exames nacionais, mas isso não foi suficiente e arranjou uma vaga. (Insisto: Porque é que as classificações internas do Liceu Francês não precisam de ser aferidas pelo sistema de exames português? Para estudantes portugueses que querem ingressar no ensino superior português, porquê?)

3. Demite-se Pedro Lynce, após as públicas denúncias do requerimento do ilegítimo (feito pela estudante dos negócios estrangeiros) e dos despachos ilícitos sobre ele feitos pelos responsáveis do Ministério que tutela o ensino superior. A demissão é rodeada de grandes declarações de dignidade, honra, elevado espírito de serviço, respeito pela lei, etc por parte de todos os que puderam e quiseram falar como altifalantes do governo e dos partidos do governo. Estabelecem-se mesmo debates sobre o valor inviolável da palavra de honra dos homens de bem sacrificados no altar do serviço da pátria, a bem da nação, etc.

4. Havia ainda páginas da farsa por publicar. E, nessas páginas, se desvenda uma teia de ante-projectos e projectos de despachos que aparentam não ter sido tentados senão para resolver o caso. Convites, deslizes, propostas, … Houve muito trabalho técnico esforçado, muito dedicado serviço público para uso privado. Para quê ou para quem?
Finalmente, Martins da Cruz demite-se. E, de novo, um coro canta as abstractas dignidade e honra, as qualidades do serviço do demitido, etc na tentativa vã de se sobrepor a todas as vozes que nos devolvem, pela informação dos factos, a dignidade de homens livres e iguais num estado de dever e de direito. Quem merece ser investigado?

5. Eu dou muito valor à palavra de honra dos homens de bem. Na terra da minha infância, a palavra de honra valia mais que assinatura. Nem se falava na honra, … dava-se a palavra.

6. O encenador das farsas do poder insistiu nos cheiros para criar o ambiente, tão próximo quanto possível da realidade. Chegou a altura das cenas em que cheira mal, muito mal mesmo.


[o aveiro, 9/10/2003]

as duas pastas

Trago sempre duas pastas dentífricas dentro da pasta onde guardo também alguma roupa interior e lenços de assoar. Nunca me foram úteis a...