Amarramos a sombra

Postal para Parma


Alguma coisa nos vai amarrando. Embrulhamos as coisas que queremos mostrar e amarramo-las para que os outros tenham de as desamarrar. Porque nos ama(rra)mos? Para quê nos desama(rra)rmos? É como jogar às escondidas com a Raquel.
A Raquel é a sabedoria do estar fingindo não estar. Chama-nos a atenção enquanto se esconde, para ter a certeza que não nos esquecemos dela enquanto desaparece do olhar. Sempre que possível, deixa que a cortina tome a sua forma. E, impaciente, desoculta-se se nós demoramos mais que uma nesga de tempo a reagir. O que é a eternidade para ela? Não pensar nela.

Fortaleza.

Postal para Parma


Começo a arriscar a minha arte postal até Parma - Itália. Tenho os meus filhos todos emigrados no Centro Culturale Edison. Para além dos meus filhos, mais três companheiros ligados à "troupe" teatral "Visões Úteis" partiram para Parma. É a vida.

A intenção que voa

Na semana passada, em Beja, ouvi o Ministro da Educação dizer-se incapaz para falar com o sistema educativo. Em contrapartida, revelava ser capaz de falar e fazer propostas a uma escola em particular e prometia voltar ao Baixo Alentejo com propostas para aquela escola e para cerca de vinte escolas especialmente vocacionadas para o desenvolvimento de cursos tecnológicos. Ao mesmo tempo, revelava que muitas das antigas escolas técnicas tinham oficinas desaproveitadas e havia instalações e equipamentos em ruína… por haver falta de interessados nos cursos técnicos e tecnológicos. Não falava da falta de qualidade e quantidade da oferta dos cursos pelas escolas, mas de desinteresse dos alunos e suas famílias.

No início desta semana, o Primeiro Ministro torna públicos os planos do governo para reforçar o investimento público, ao mesmo tempo, que apresenta o plano de prevenção contra o abandono escolar. Entre as várias medidas, o Primeiro Ministro fala das 20 escolas de referência para o desenvolvimento do ensino tecnológico na base de parcerias de escolas, empresas e instituto de emprego. E fala no aumento de vagas para os cursos tecnológicos. Aparentemente, estamos no tempo da inspiração nos cursos certos, precisos ao tecido produtivo e desejados pelos jovens em idade escolar e suas famílias.

Eu quero que tudo dê certo. De facto, como o Primeiro Ministro diz, temos falta de formação dos jovens (e do povo) e os números do abandono precoce são eloquentes. Será que os portugueses não consideram importantes a escola e o sistema para o futuro dos jovens? Ou será que as escolas e o sistema não são o que deviam ser? Ou será que, apesar dos anos de separação brutal entre a sociedade e o conhecimento, nunca se fizeram os esforços necessários e faltou a inspiração para dar corpo a uma ideia nacional de inteligência baseada na cultura, no conhecimento ou no saber em geral?

Já temos a imensa maioria dos jovens nas escolas, como é natural e desejável à sociedade. Mas muitos jovens abandonam a escola antes de terem completado os estudos, e não temos conseguido inverter a situação com a urgência que a sabedoria recomenda. Ouvimos governantes, do PSD ou do PS, traçar planos para alterar a situação. Já nem quero criticá-los. Estou velho demais para não desejar que a algum deles, a qualquer deles, aconteça o milagre de uma correspondência entre as palavras da propaganda e a realidade social que eles simulam.

Uma dúvida me atravessa o espírito. Quem anuncia intenções para serem atingidas em 15 a 20 anos são os que, mal eleitos, torpedearam as intenções para 15 ou 20 anos dos anteriores governantes. E se perdem as eleições? Será mais um programa partidário de educação? Eles vão perder as eleições, ainda as palavras lhes estão a sair da boca.

As intenções têm asas e voam. Nós precisamos de qualquer coisa que seja semeada e tenha tempo para germinar e crescer a partir da nossa terra e da nossa gente.


[o aveiro; 8/4/2004]


Postolo

Este veio devolvido


Enviei este postal assim bonitinho para a neta de outro avô. Veio devolvido, com carimbos por todo o lado. Mando-lho por aqui. Também foram devolvidos os outros que lhe fui mandando. Os correios não adivinham as casas certas para os endereços errados que vamos escrevendo.

Postolo

Outro postal com fecho éclair e boca

Postal

Os postais de um avô mal formado


As reuniões servem para fazer bordados a tinta castanha. Não tem mal. O problema é que o bordado não fica apropriado para ser enviado a uma neta de tenra idade. Mas vai ser enviado, apesar disso. O que pensará ela mais tarde do seu velho avô? Esse é o desafio; mesmo que a surdez da cinza nos impeça de ouvir as imprecações, deixamos heranças destas como quebra-cabeças. São as únicas heranças.

O que se esconde

Tenho de reconhecer que José Manuel Fernandes é quem sabe
O Que Se Esconde por Detrás do Bloco.
Eu confesso que não me interessa saber o que se esconde por detrás do José Manuel Fernandes. Peço para não saber.
O Barnabé diz que o JMF leu e resumiu o Pacheco Pereira (com um atraso de 6 meses). Escondem-se atrás um do outro? Se assim fosse, não víamos (líamos) um e outro. Ou escondem-se, deixando rabos de fora?

Sulcos leves

António Brás escreveu
A Fixação Precária das Imagens

sobre dois poetas que eu conheço desde quando éramos todos rapazes. É bom saber que ainda há quem escreva sobre a oficina poética. Prefiro os poemas, mas que seria dos poetas com leitores como eu?

O céu dos pobres de espírito

Confirmaram o que já sabíamos: mais de metade das empresas e dos patrões portugueses não paga impostos. Ou aguentam com espírito de missão prejuízos imensos ou ficam ela por ela. Passeiam-se pelas ruas de corda ao pescoço. Houve logo quem viesse falar de fraude e evasão fiscal e da necessidade de as combater com o fim do sigilo bancário e cruzamento com os dados do património visível das famílias empresariais. Pelo meu lado, que conheço os princípios religiosos em que fomos formados, acredito em todo o povo católico. Eles eram lá capazes de cometer o pecado de roubar o estado de todos nós, mentir e exigir indevidamente serviços ao estado! Não. Eu fico é cheio de pena e rogo a cada um dos contribuintes que invente dinheiro para que o estado possa subsidiar os empresários que vivem abaixo da linha de pobreza. Penso mesmo que aqueles números horríveis sobre a pobreza estão a ser mal interpretados, já que o que devemos ter é uma bolsa de empresários sem abrigo e sem sopa e são precisas medidas de novo tipo. O nosso problema de pobreza é de um novo tipo: sabemos que o filho do patrão vai às aulas num bmwz3 da moda, mas, na privacidade das casas, é só pobreza envergonhada e falta de pão. A primeira medida de apoio aos nossos pobres empresários deve passar por acabar com rendimentos mínimos garantidos e similares. Penso mesmo que, caso o agravamento da carga fiscal sobre os trabalhadores por conta de outrem não chegue, se deve activar um pedido de ajuda internacional para debelar a pobreza persistente do nosso empresariado. Claro que, se algum confessar o pecado da gula e da fuga ao fisco, merece uma absolvição e “nada de propósitos firmes de emenda” que há muito a fazer com o dinheiro que, a cair nas mãos do estado, é mal gasto.
Pena que as semanas ricas não paguem impostos.

No Sameiro, Braga, algum diabo deitou fogo em vários locais ao mesmo tempo e o inverno fez-se inferno em vez de primavera. As árvores de Águeda, Sever do Vouga e Oliveira de Frades arderam porque alguém se deve ter posto a queimar os restos de alguma lida ao fundo de uma leira. Uma semana de vento pode abrir uma temporada de incêndios. Pobres bombeiros. Pobre mata. Não podemos atear fogueiras ao vento.

Banalizamos os gestos dos chicos espertos que fogem aos impostos e tolhem todas as iniciativas da sociedade. E banalizamos a coragem de fazer coisas erradas sem medo consequências. Na estrada quando conduzimos para matar ou se ateamos uma fogueira e pomos em risco a casa e a vida das pessoas. Se uma ponte cai e temos de chorar os mortos, porque haveríamos de chorar pelos culpados? Pobres de espírito, rica semana!

Absolvamo-nos uns aos outros!

[o aveiro; 1/04/2004]

Felgueiras

Em 1974/5, era eu aspirante ou alferes miliciano dos serviços de cartografia do exército, andei a fazer reconhecimentos em Felgueiras e Fafe. Passaram 30 anos até que lá voltei ontem. Encontrei Felgueiras, de novo, agora mudada, de vila em cidade. Não vi a Fátima. Depois da saída da autoestrada e até Felgueiras é que as estradas ainda devem ser bocados da antiga. Quando por lá andei tinha de parar amiúde para provar o vinho às portas ou na pensão onde me alojava. [Sabem quantas vezes tentei entrar em Fafe fardado
nesses tempos? Sem conseguir. Há mapas difíceis.]

No regresso, por razões matemáticas, recebi umas garrafas de vinho de Felgueiras. Como hei-de reconhecer alguma mudança no sabor do vinho?

;-)

As flores que enfeitavam de cores
o prado do teu cabelo
foram comidas pelos teus piolhos
hervíboros

Os pequenos esquilos que brincavam na floresta
dos teus cabelos
foram comidos pelas tuas pulgas
carnívoras

Os tubarões que nadavam no mar dos teus olhos
sob as franjas do teu cabelo
foram devorados pelas carraças
das tuas mesquinhas ideias

Tens tão pouca graça agora
que eu já nem sei se a gente inda namora.

:-)
[escrito vai para uma eternidade, reencontrado hoje]

depois vieram tambêm cá